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Sobre a indenização pelo abandono afetivo parental
Marcos Bonfim. Pós-graduado em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.
A jurisprudência pátria ainda se debate acerca da possibilidade de indenização pelo abandono afetivo parental.
Entre os que rejeitam a existência do instituto, denominador comum é o argumento de que não se pode obrigar um pai a amar o filho.
“Ao Poder Judiciário não é dada a incumbência de tutelar o amor ou o desafeto, numa espécie de jurisdicionalização dos sentimentos, que são incontroláveis pela sua própria essência”, resumiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina em julgado, datado de 2012, que negou a hipótese de indenização (TJ/SC. Quarta Câmara Civil. Apelação Cível. Rel. Des. Jorge Luis Costa Beber. Julgado em 26.07.2012).
Chamado a se manifestar sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, em 2017, entendeu da mesma forma, destacando que “a afetividade não é dever jurídico [...] a convivência e o afeto devem corresponder a sentimentos naturais, espontâneos, genuínos, com todas as características positivas e negativas de cada indivíduo e de cada família. Não é – e nem deve ser – o cumprimento de dever jurídico, imposto pelo Estado, sob pena de punição (ou indenização punitiva)” (REsp n. 1.579.021/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 19/10/2017, DJe de 29/11/2017).
No entanto, diversamente, também numerosos são os doutrinadores e julgadores que retrucam não se tratar, com a indenização por abandono afetivo, da imposição de um sentimento de amor, mas da atribuição de um dever de cuidado.
“Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”, sintetizou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em julgado, datado de 2019, que acolheu a hipótese de indenização (deixa-se de indicar o número do processo em razão do segredo de justiça).
Nessa esteira, defende-se, com fulcro no art. 227 da Constituição Federal, haver um direito da criança e do adolescente de manter próxima relação com os seus pais, contando com estes para a sua educação e criação, e tendo-os em sua companhia, o que se afigura propício ao seu sadio desenvolvimento, ofertando condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. Se violado este núcleo mínimo de cuidados parentais, causando danos à prole, exsurge o dever de indenizar.
Nessa linha decidiu, recentemente (2021), o Superior Tribunal de Justiça, destacando que “o dever jurídico de exercer a parentalidade de modo responsável compreende a obrigação de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, sempre como vistas a não apenas observar, mas efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, de modo que, se de sua inobservância resultaram traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis na criança ou adolescente, não haverá óbice para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentos pelo filho” (REsp n. 1.887.697/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 23/9/2021).
Na oportunidade, o Tribunal da Cidadania delineou, ainda, os requisitos para a configuração do dever de indenizar: “para que seja admissível a condenação a reparar danos em virtude do abandono afetivo, é imprescindível a adequada demonstração dos pressupostos da responsabilização civil, a saber, a conduta dos pais (ações ou omissões relevantes e que representem a violação ao dever de cuidado), a existência do dano (demonstrada por elementos de prova que bem demonstrem a presença de prejuízo material ou moral) e o nexo de causalidade (que das ações ou omissões decorra diretamente a existência do fato danoso)”.
A título de exemplo, aplicando fidedignamente o referido julgado do STJ, o Tribunal de Justiça do Paraná, em abril do corrente ano, condenou um pai a uma indenização por abandono afetivo à filha no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Para tanto, a Corte, que decidiu por maioria, levou em conta que o genitor, que apenas reconheceu a paternidade após o ajuizamento de ação para este fim, jamais buscou contato com a filha, antes ou após tal processo. Mais que isso, ele confessou tê-la bloqueado nas redes sociais quando esta, em uma ocasião, disse que queria lhe conhecer. Dessa maneira, concluiu-se que foi negado à autora o direito básico à convivência familiar, violando-se o dever de cuidado. Ainda, constou do Acórdão que, segundo apurado por psicólogo auxiliar do juízo, a adolescente, desde o nascimento do filho de sua mãe com o seu padrasto, se ressentia de mesmo tratamento, ou seja, do cuidado paterno, o que se mostrou concomitante com comportamentos disfuncionais seus no âmbito familiar e educacional, redundando na necessidade de acompanhamento psicológico, o que evidenciaria o dano e o nexo causal. Grifa-se que o voto vencido foi no sentido de que não há que se falar no dever jurídico de afeto, na medida em que não pode o Estado compelir uma pessoa a sentir ou externar sentimentos que não possui, ainda que seja ao próprio filho (deixa-se de indicar o número do processo em razão do segredo de justiça).
Por fim, sublinhe-se que a indenização por abandono afetivo tem por finalidade, segundo Rolf Madaleno, não apenas compensar “as inegáveis deficiências afetivas, traumas e agravos morais”, “cujo peso se acentua no rastro do gradual desenvolvimento mental, físico e social do filho” que foi abandonado, mas também servir de prevenção geral, a fim de “evitar ou arrefecer o abandono afetivo do futuro” “para que os filhos sejam postos a salvo de toda a forma de negligência e para que pais irresponsáveis pensem duas vezes” antes de abandonar seus filhos.
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