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RESOLUÇÃO Nº 2.294 DO CFM: um ano das novas regras.
Laura Affonso da Costa Levy
Mestre em Bioética; Advogada e Consultora Jurídica em Biodireito; Professora Universitária.
No próximo dia 15 de junho, a Resolução do CFM nº 2294/2021, que aborda as técnicas de Reprodução Assistida, completa um ano.
Nas novas relações familiares, é cada vez mais comum a utilização das técnicas de reprodução assistida para concretização dos projetos parentais. Assim, compreender as questões éticas e jurídicas que transpassam a temática é de suma importância para os operadores do Direitos das Famílias.
Sobre as regras do Conselho Federal de Medicina, órgão que regula as atividades médicas no país, vale destacar que são normas éticas e deontológicas que buscam uniformizar os atendimentos pelo país afora, sendo a resolução uma ferramenta de controle ético profissional que visa resguardar a integridade física e emocional dos pacientes.
No Brasil, não há legislação que regule as técnicas de reprodução assistida, sendo esta resolução o documento máximo no que diz respeito às regras que devem ser seguidas pelos profissionais médicos. O descumprimento das normas incorre em infração ético-profissional e, eventualmente, civil e criminal.
Diante dos avanços científicos, das mudanças sociais e culturais, somado ao incremento da utilização das técnicas de RA no Brasil, surge a necessidade de contínuos aperfeiçoamentos em curtos espaços de tempo, como forma de responder às demandas emergentes. A periodicidade esperada para a publicação de atualizações é bianual.
Assim, há alguns pontos a serem destacados no documento, que trouxeram novidades em relação às regulamentações anteriores. Dentre eles:
O número de embriões para cada casal não deve ser superior a 8 (oito):
Até a nova Resolução do CFM, nunca havia sido determinado qualquer limite de embriões a serem produzidos em laboratório. No documento publicado em 15/06/2021, foi estipulado pela primeira vez que um número máximo de embriões em laboratório deve ser respeitado.
Presume-se que a orientação surgiu para que houvesse uma redução no número de embriões excedentários. Vale observar que há um número exorbitante de material genético criopreservado nas clínicas de reprodução humana que podem, em muitas situações, sequer ser utilizados.
A doação de gametas (óvulos e espermatozoides) poderá ocorrer entre familiares, desconsiderando o anonimato:
O Brasil sempre foi bastante conservador em relação à doação de óvulos, tanto no que diz respeito ao anonimato, quanto no que diz respeito aos possíveis benefícios financeiros que poderiam ser gerados com a doação. Até 2015, somente mulheres com problemas de fertilidade podiam ser doadoras de óvulos, as chamadas doadoras compartilhadas de óvulos. Em 2017, a Resolução do CFM descreveu que a doação de óvulos também poderia ser voluntária mas, de qualquer forma, SEMPRE anônima.
A mais nova Resolução, autoriza que a doação de óvulos e espermatozoides seja feita por familiares de até 4º grau, desde que não haja consanguinidade no embrião, isto é, dependendo do gameta necessário, somente poderá ser doador o familiar do cônjuge que precisa do gameta.
A medida surge para facilitar a doação de óvulos no Brasil, mas pode incorrer em questões psicológicas para as famílias e, até mesmo, jurídicas, que merecem considerações.
Ao mesmo tempo em que pode agilizar o processo, especialmente em famílias que aceitem essa dinâmica, onde os laços familiares e de afeto suportam essa “novidade”, parece justo que os envolvidos possam ter a liberdade de escolher se querem ou não que a doação de gametas seja de familiar.
Entretanto, não se pode desconsiderar que a liberalidade do anonimato é uma questão delicada, exigindo a discussão sobre contar ou não contar para a criança e demais membros da família, além de discussões a respeito do futuro desta criança em caso de falecimento dos pais, por exemplo.
A judicialização do descarte de embriões após 3 anos do congelamento:
O descarte de embriões se tronou possível com a Resolução do CFM de 2015, após 5 anos do congelamento, e em 2017 foi reduzido para 3 anos. A atual resolução manteve o descarte após 3 anos, porém, acrescentou um entrave burocrático e oneroso ao processo: a necessidade de autorização judicial para o descarte.
Ou seja, após o congelamento dos embriões excedentes, há 2 destinos a eles:
1. Optar a qualquer momento pela doação de forma anônima para outros casais, sendo necessário a autorização expressa das partes, somado à documentação exigida pela clínica, permitindo que outros casais utilizem os embriões.
2. Aguardar os 3 anos do congelamento para então doar conforme descrito acima ou descartá-los. Ao decidir pelo descarte, a partir da última resolução, há necessidade de processo judicial para obter a autorização, devendo ser proposto pelas partes ou pelas clínicas de reprodução humana, quando houver ocorrido o abandono do material genético (embrião abandonado é aquele em que os responsáveis descumpriram o contrato preestabelecido e não foram localizados pela clínica).
A tolerância para idade das doadoras de óvulos subiu para 37 anos:
A idade máxima para as doadoras de óvulos também teve flexibilização a partir da nova Resolução do CFM incluindo, a partir de agora, mulheres de até 37 anos. E no caso de doadoras não anônimas de até quarto grau, a flexibilidade se estende até a idade que a receptora aceitar, isto é, a receptora pode aceitar a doação de óvulos da familiar mesmo que esta tenha mais de 37 anos.
Quanto ao número de embriões a serem transferidos em cada faixa etária visando a redução de riscos associada à gemelaridade, mulheres de até 37 anos só podem transferir até dois embriões, e aquelas com 38 anos ou mais podem transferir 3 embriões. A partir de agora, em hipótese alguma se pode transferir quatro embriões como anteriormente era permitido.
Vale observar que, dentre as alterações trazidas, temos mais a comemorar do que criticar.
Os avanços da ciência e da engenharia genética permitem, cada vez mais, a concretização dos sonhos da parentalidade.
Não se pode esquecer que a infertilidade humana é um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e, as técnicas de reprodução humana assistida, são métodos conceptivos que devem ser oferecidos à sociedade, nos termos da Lei nº 9263/1996 – Lei do Planejamento familiar.
Somado a isso, importante observar que as técnicas RA também são utilizadas para preservação de gametas, embriões e tecidos, por razões médicas e não médicas. Aqui entramos nas situações da maternidade tardia, somado taxas de sobrevida e cura após os tratamentos das neoplasias malignas, o que possibilitando às pessoas acometidas um planejamento reprodutivo antes de intervenção com risco de levar à infertilidade.
O progresso da ciência aliado à concretização da felicidade nas relações parentais. Um universo de possibilidades, que exigem cautela, ética e avanço jurídico, principalmente por parte dos profissionais.
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