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Primeiras impressões sobre a nova lei da alienação parental
Primeiras impressões sobre a nova lei da alienação parental
Glicia Brazil 1
O debate sobre a revogação ou a modificação da lei 12.318/10 movimentou a sociedade, os congressistas e as associações de pais e mães nos últimos meses. Discutiu-se sobre o espectro de proteção da lei, se visava resguardar direitos dos filhos ou se visava punir os pais violadores dos direitos dos filhos. Felizmente, a esfera protetiva sobrepujou o debate de moral e gênero e a lei ficou, sofreu alterações, mas ficou. O que é muito bom pois a lei é voltada a coibir abusos morais e violência psicológica contra crianças e adolescentes vulnerabilizados pelos litígios familiares.
No dia 19 de maio de 2022 foi sancionada a Lei 14.340/22 que modificou procedimentos relativos a alienação parental e a Lei 8069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer procedimentos adicionais à suspensão do poder familiar.
A Lei 14.340/22 trouxe 8 artigos, dentre os quais 4 são diretamente relacionados com o trabalho das equipes técnicas de Tribunal, sobre os quais vou tecer minhas primeiras impressões:
- O Artigo 4ª, pú passou a assegurar á à criança ou ao adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida no fórum em que tramita a ação ou em entidades conveniadas com a Justiça, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Aqui fica a reflexão sobre quem será o responsável para realizar a visita assistida, pois sabidamente os tribunais contam com número reduzido de psicólogos e assistentes sociais do quadro e estes estão voltados basicamente para a atividade pericial. Inicialmente, esse artigo me causou desconforto porque é como se o legislador desse um “cobertor curto”, fazendo gerar uma delonga nas perícias uma vez que os peritos acumulariam atribuições. Por outro lado, vejo com certa nobreza a intenção de tentar viabilizar um mínimo possível, pois não raro as famílias não podem contratar profissionais para acompanhar o convívio e quando o convívio se dá por pessoas da família, forma que é feita na atualidade, muitas vezes o que era para ser bom para a criança acaba sendo um stress, pois nem sempre o adulto que supervisiona o convívio entende qual é o seu papel e acaba por funcionar como um ‘espião’ durante o tempo de convívio da criança com o adulto solicitante do convívio.
Acredito que um bom caminho seria os tribunais realizarem parcerias e convênios com profissionais voluntários, que receberiam capacitação dada pelo tribunal e que idealmente , a sala do convívio fosse separada da sala da perícia, pois o ambiente pericial é tenso, marcado por discussões entre os casais nas entrevistas conjuntas, por isso, inadequado para o convívio assistido.
- O Artigo 5º, §4º não inovou, apenas mudou a relação ao dizer que na ausência ou insuficiência de serventuários responsáveis pela realização de estudo psicológico, biopsicossocial ou qualquer outra espécie de avaliação técnica exigida por esta Lei ou por determinação judicial, a autoridade judiciária poderá proceder à nomeação de perito com qualificação e experiência pertinentes ao tema, nos termos dos arts. 156 e 465 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
Acredito que a nova redação pretenda ressaltar a natureza técnica e científica da atuação dos experts, indicando que não basta ser psicólogo ou assistente social ou médico para trabalhar em processos com demanda de alienação parental. Trata-se de tema complexo, que tem causas multifatoriais, modos de apresentação diversos e requer do técnico uma capacitação específica para aprender a ouvir crianças e adolescentes e ser capaz de realizar o psicodiagnóstico diferencial, especialmente sendo capaz de indicar se a criança está sob coação ou não ao relatar em juízo : aqui reside o x da questão.
- O artigo 6º, §2º prescreveu que o acompanhamento psicológico ou o biopsicossocial deve ser submetido a avaliações periódicas, com a emissão, pelo menos, de um laudo inicial, que contenha a avaliação do caso e o indicativo da metodologia a ser empregada, e de um laudo final, ao término do acompanhamento.
Nesse ponto em particular, o legislador foi atécnico, pois da forma como redigiu o artigo, ele solicitou nova perícia para o psicólogo que fizer o acompanhamento psicológico. Via de regra, os acompanhamentos psicológicos não têm natureza pericial, não cabe quesitos ou assistente técnico, visam assegurar que a decisão judicial será cumprida sob fiscalização do técnico, que ao fina de um período de encontros com a família no interior do tribunal, elaborará um Relatório Psicológico de Acompanhamento, que é um documento basicamente descritivo e cuja conclusão deva restringir-se a fazer encaminhamentos. Exemplo: o psicólogo sugere na conclusão que o próximo passo seja a família ser ouvida em juízo em audiência de conciliação ou indicar que a família não mais precisa de acompanhamento, pois o que foi notado até ali permite que a família conviva externamente ao tribunal. Logo, onde se lê “laudo inicial” e “laudo final” deva-se ler Relatório de Acompanhamento, porque Laudo é documento escrito produto de perícia.
- E por último, mas não esgotando o debate, o artigo que mais me causou preocupação: Foi acrescentado o artigo 8º-A, que preceitua que sempre que necessário o depoimento ou a oitiva de crianças e de adolescentes em casos de alienação parental, eles serão realizados obrigatoriamente nos termos da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, sob pena de nulidade processual.
Sou entrevistadora forense capacitada pelo Conselho Nacional de Justiça e uma militante do Depoimento Especial nos primórdios da sua instalação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2012. O tema da alienação parental é recorrente em vara de família, o que me levou a estudar as implicações do fenômeno e desde então, não mais parei. É sabido que o ato de alienação parental é abuso moral contra criança e adolescente, está no texto da Lei 12.318/10, no artigo 3º e é sabido que também é violência psicológica contra criança e adolescente, de acordo com a redação do artigo 4º, II, alínea ‘b’ da Lei 13/431/17, conhecida como Lei do Depoimento Especial. Ora, se o abuso equivale a coação moral e o efeito da coação é um relato eivado de vício de nulidade, porque dicotomizado entre a vontade intimamente sentida e a vontade exteriozadada, como garantir que a criança em meio a uma discussão de alienação parental que seja escutada no Depoimento Especial estará livre para declarar?
Essa é uma questão seríssima e preocupante, pois em que pese o legislador ressalvar o “sempre que necessário”, fazendo crer que nem sempre será necessário, no final da redação do artigo disse que “obrigatoriamente” se houver necessidade de depoimento em caso de alienação parental, isso se dará no formato do Depoimento Especial.
Na prática forense, é um artigo de alto risco, pois a criança ou adolescente-vítima de alienação parental pode distorcer fatos, pode aumentar, pode passar a acreditar no que o adulto de confiança reiteradamente conta para ela, principalmente levando-se em conta a tenra idade o grau de confiança no adulto, pois quanto mais vulnerável e quanto maior a confiança mais chance terá a criança de acreditar no discurso do adulto e reproduzir esse discurso.
Fica aqui um alerta para todos nós que nos preocupamos com as injustiças e conhecemos histórias tristes de crianças e adolescentes afastados injustamente de seus pais. Fica aqui um apelo para a capacitação de todos nós que operamos o Sistema de Justiça e para que a intervenção judicial seja célere, não permitindo que os abusos psicológicos contra criança e adolescente sejam pormenorizados em face a outros abusos.
[1] Glicia Brazil é Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado do RJ, é Bacharel em Direito especialista em Processo Civil pela EMERJ , Coordenadora do Curso de Aprimoramento em Alienação Parental da PUC/RJ, Entrevistadora forense. Membro do Fórum de Direito de Famîlia e Sucessões da EMERJ ,Doutrinadora de Psicologia Jurídica.
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