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Cobertura Assistencial ao Neonato
Cobertura Assistencial ao Neonato
Voltaire Marensi1
No Portal do Superior Tribunal de Justiça, hoje, 11 de maio de 2022, há, entre outras informações, um destaque especial referente a uma decisão da Corte, no sentido de que “Plano deve manter cobertura de recém-nascido internado após 30 dias, mesmo sem vínculo contratual direto”.
Diz-se neonato o ser humano considerado desde o dia de seu nascimento até o 28º dia de vida. Etim. (ne(o)+nato. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Objetiva. Rio de janeiro/2009, 1ª edição, página 1.350).
A Terceira Turma daquele Tribunal manteve acórdão - decisão de segunda instância – determinando uma operadora de plano de saúde a cobertura assistencial a um recém-nascido submetido a uma internação que teria ultrapassado o 30º dia do seu nascimento, ainda que ele (neonato) não estivesse inscrito como beneficiário do contrato.
Situações de internações de recém-nascidos proliferam na medicina, notadamente com o advento da era tecnológica, aonde os tratamentos com pacientes se desenvolvem cada dia mais focados em suas respectivas áreas de especializações.
A Ministra Relatora Fátima Nancy Andrighi, cujo número do processo não pode ser divulgado em razão de ser segredo de justiça – hipóteses elencadas no artigo 189 do Código de processo Civil. Ademais, trata-se, no caso, de um absolutamente incapaz na acepção jurídica do termo, ex vi legis, artigo 3º do Código Civil -, em que ficou decidido pela Turma Julgadora que a continuidade da assistência médica em favor de quem se encontra internado, ou em tratamento médico indispensável à própria sobrevivência/incolumidade, é devida, embora se possa tornar exigível o pagamento da contribuição correspondente.
Neste sentido deve-se dar uma interpretação mais elástica ao que dispõe, literalmente, o artigo 12, inciso III, letra “b”, da Lei número 9.656/98, com suas alterações.
A tese adotada pela ministra relatora foi, a meu sentir, no sentido da amplitude da boa-fé dos contratantes e, sobretudo, pautada pelo bom senso que deve imperar em todo e qualquer contrato, nomeadamente em se cuidando de plano de saúde.
Sem sombra de dúvida também se trata de um problema social da obrigação como uma “idea de cooperación que es el hilo conductor que sirve para orientar al jurista a través de las cuestiones más importantes del derecho de obligaciones”. (Emilio Betti. Prof. Catedrático de La Universidad de Roma. Teoria General de Las Obligaciones. Tomo I. Editorial Revista de Derecho Privado. Madrid. 1969, página 3).
Ao azo, Betti, foi um dos pioneiros no sentido de dar uma conotação de cooperação no trato dos negócios jurídicos na seara do direito privado.
Essa cooperação se dessume no que decidiu, também ao meu ver, a ministra relatora do caso posto ora sob comentário.
Pois, no dizer da Nancy Andrighi, “ se, de um lado, a lei exime a operadora da obrigação de custear o tratamento médico prescrito para o neonato após o 30º dia do parto, se ele não foi inscrito como beneficiário do plano de saúde, impede, de outro lado, (dever de cooperação, digo eu), que se interrompa o tratamento ainda em curso, assegurando, pois, a cobertura assistencial até a sua alta hospitalar.
A norma ética, outrossim, ancilar de preceitos jurídicos valorizam ainda mais essa ideia de cooperação no trato das obrigações, mormente quando se cuida de ofertar ao mercado securitário planos de saúde, que, a par do Sistema Nacional de Saúde, garantam assistência social (artigo 203 da CF) e saúde a todos como direito e dever do Estado (artigo 196 da CF).
O sentido é valorar sempre a vida como um bem maior.
É nesse desiderato que o Judiciário deve pautar suas decisões, que assim fortalecem o homem diante de suas vicissitudes que o seguro, em sentido abrangente, foi criado, constituído e ainda se desenvolve no decorrer dos dias presentes.
É o bem comum que prevalece sobre o bem individual fortalecendo o verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Acredito que nesta altura da minha escrita cabe me valer do que escreveu Georges Ripert, saudoso Professor da Faculdade de Direito de Paris, quando discorrendo sobre a Proteção dos Contratantes, disse:
“É uma falsa concepção de igualdade nos contratos que inspira esse brado muitas vezes ouvido contra a superioridade de um dos contratantes. A desigualdade é fatal, e é justo que as qualidades manifestadas no negócio jurídico sejam motivo de vantagem”. (A Regra Moral nas Obrigações Civis. Bookseller, Editora. Ano de 2000, página 89).
Ademais, toda a regra jurídica por ser uma norma de dever ser objeto do estudo de Hans Kelsen, em sua primorosa obra, Teoria Pura do Direito, está amparada pelo ordenamento positivo-jurídico que lhe confere competência para tal.
Também nos seguros ainda existe “a referência legal a interesse que implica uma remissão do intérprete-aplicador para um processo de concretização, a realizar em cada caso concreto, ou seja, o interesse geral que permite determinar a pessoa do segurado e cuja presença justifica, em termos significativo-ideológicos, a existência do seguro, com todo o investimento privado e público que ele implica e o interesse específico que se identifica com o valor do capital seguro”. (António Menezes Cordeiro. Direito dos Seguros. 2ª Edição. Almedina, 2016, página 567).
Frente a tais considerações, esse rigorismo normativo positivado em determinadas regras jurídicas relacionais deverá ser sempre afastado quando se cuida da proteção e do próprio interesse legítimo do segurado, - artigo 757 do CC -, aliás, inserto como um dos princípios basilares do contrato de seguro em sua autêntica dimensão social e, particularmente, jurídica.
Porto Alegre, 11/05/2022.
[1] Advogado e Professor.
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