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Minha família, minhas regras: da família contratual aos smartcontracts de Direito de Família
Dimitre Braga Soares de Carvalho[1]
Sumário.
- Da família tradicional à família contratual.
- Contratos pré-nupciais e contratos intramatrimoniais
- Contratos pré-divórcio e contratos pós-divórcio. Outras modalidades de contrato.
- Contratos familiares nas redes sociais e os “SmartContracts” do Direito de Família.
1. Da família tradicional à família contratual
A forma com a qual as pessoas se relacionam afetiva e sexualmente sempre muda muito ao longo do tempo. A história sempre retrata bem como o jeito de se organizar em família é característico do momento, próprio de cada geração. Cada ciclo da vida reflete uma maneira de estrutura familiar.
Há 100 anos, por exemplo, o Brasil tinha uma realidade de família completamente distinta da atual. As famílias estavam muito mais localizadas na zona rural (90% da população brasileira morava no campo). Naquele modelo, o pai era o chefe da casa e senhor da razão, decidia a vida da família de forma soberana. A esposa, normalmente, era do lar, cuidava da casa, do marido e dos filhos. A família era numerosa, não havia a popularização dos métodos contraceptivos. Muitos filhos significavam muitos braços para trabalhar na lida rural. Não havia divórcioe o casamento realmente durava até que a morte os separasse. Não se questionava se as pessoas estavam felizes no casamento, na vida afetiva ou na sexual. Esse tipo de questionamento não fazia parte daquela realidade. O casamento era uma instituição e as antigas fotos em preto e branco da família numerosa, com o pai ao centro, a mãe do lado e os filhos em escadinha de idade, representavam bem aquela família tradicional.
A Lei brasileira também refletia esse modeloe as normas do Código Civil estabeleciam aquele como o parâmetro de família legal: os filhos havidos fora do casamento não podiam ser reconhecidos enquanto o pai fosse casado, homens e mulheres tinham direitos diferentes e as pessoas que viviam juntas sem casamento eram tratadas de forma bastante vexatória: eram amancebadas, amigadas, juntas ou concubinas. Tudo muito discriminatório e excludente.
Mas, felizmente, o tempo passou, e as coisas aos poucos foram mudando.
A partir da segunda metade do século passado, a família brasileira migrou, aos poucos, do campo para a cidade. A mulher começou a participar cada vez mais das decisões da família, precisou trabalhar para ajudar a pagar as contas de casa e o número de filhos por casal foi diminuindo. Houve também intensas mudanças de comportamento, vieram a revolução sexual, a contracultura, o movimento hippie, o movimento feminista, dentre vários outros fatores de transformação.
No Final da década de 1970, chegou o Divórcio, na década de 1980 a popularização da pílula anticoncepcional, tendo o fim da ditadura militar impactou fortemente a noção de família e seu simbolismo. A busca pela realidade pessoal passou a ser importante e as pessoas deixaram de estar presas a relacionamentos pouco satisfatórios. Ao invés de as pessoas servirem à família, foi a família que passou a servir às pessoas. Um novo modelo de família surge com a Constituição Federal de 1988, arejando antigos padrões de comportamento, trazendo democracia e pluralidade para as relações afetivas.
Nessa mesma época, na França, um importante professor de Direito Civil foi encarregado pelo governo de atualizar as leis daquele país. Jean Carbonnier era um jurista visionário, atento ao seu tempo e com olhos voltados para o futuro. Ao tratar das questões de família, o professor foi direto e categórico: já era tempo de diminuir a influência do Estado na vida privada das pessoas, deixando espaço para que a vontade individual e a liberdade pudessem ser os critérios de construção de novas regras. E afirmou de forma revolucionária no final dos anos 1960: no futuro, cada família vai criar seu próprio direito de família.
A percepção de que cada família pode estabelecer suas próprias regras, decidir como vai funcionar a rotina doméstica, o que lhe agrada ou desagrada, quais as convenções que os casais devem estabelecer dentro de casa e como devem ser decididas questões relacionadas a sexo, comportamento, cuidado com os filhos e privacidade, aspectos característicos do atual momento da família brasileira. Ou seja, foi preciso um longo, difícil, mas necessário processo de transformação para que a família patriarcal fosse substituída por uma família democrática e pudesse criar o ambiente propício para o que chamamos atualmente de família contratualizada.
Minha família, minhas regras! A expressão é incrivelmente atual. Diz respeito a velocidade das relações interpessoais, à presença marcante da tecnologia e das redes sociais na vida contemporânea, e cria conexões entre projetos pessoais, sonhos e ambições profissionais, tudo em paralelo com os projetos familiares. O subjetivismo da atualidade, onde cada indivíduo (ou grupo) pleiteia reconhecimento judicial das suas idiossincrasias e a proteção das suas próprias escolhas, é a tônica da discussão política sobre a família atual. Pensar em contratos familiares também dá novos contornos aos cuidados com os filhos, traduz um modelo de família bem mais livre, onde as partes podem convencionar e colocar como regras as suas mais reais manifestações de vontade. A família deixa, finalmente, de ser um espaço rígido e formal e passa a ser cada vez mais um espaço de busca pela felicidade, pelo respeito e pela plena satisfação dos seus membros.
Os contratos de família são a mais atual versão de um processo de mudanças constante nas relações interpessoais. Desde a família tradicional até a família contatual, observa-se um lento, mas progressivo, afastamento de um direito que impõe condutas e dita regras de comportamento. Ao contrário, faz as pessoas de protagonistas, ao lhes dar a oportunidade de estabelecer suas próprias regras, criar seus caminhos e, a qualquer tempo, sempre que necessário for, mudar os acordos, refazer os pactos e redefinir as prioridades, mais ou menos como um piloto de avião que, sempre que necessário, precisa agir para redefinir a rota e ajustar os rumos a serem cumpridos.
Na perspectiva estritamente jurídica, a aproximação do modelo jurisprudencializado, na experiência brasileira, apequena cada vez mais a importância e a utilidade da norma codificada, que deixa de ser útil em tantos casos, justamente pelo grave descompasso com a realidade fática da sociedade. Lado outro, é urgente revisitar os conceitos de ordem pública e privada, tanto quanto redimensionar a noção de normas cogentes no Direito de Família, a fim de lhes dar a interpretação apropriada e condizente com nosso tempo.
Mas um alerta é preciso: os contratos familiares não são a ausência do Direito. Há regras e limites que devem ser obedecidos para que a liberdade não se confunda com arbitrariedade. Não pode haver tratamento discriminatório entre homens e mulheres, é preciso respeitar a dignidade humana dos envolvidos, as vulnerabilidades devem ser tuteladas, não pode haver desrespeito aos direitos das crianças, adolescentes e idosos. Famílias homoafetivas precisam ser protegidas. As pessoas portadoras de deficiência devem ser amparadas e jamais será tolerada a violência doméstica. Afastadas essas situações inaceitáveis, o que resta, e importa, é o amplo espaço de construção de regras intrafamiliares.
2. Contratos pré-nupciais e contratos intramatrimoniais
A descoberta, por parte da maior parte das pessoas, de que é possível fazer acordos relativos ao seu dia a dia em família, estabelecer critérios de convivência entre pais e filhos, estipular normas de conduta entre os cônjuges e construir regras íntimas entre companheiros de uma vida é, quase sempre, surpreendente.
Ocorre que a sociedade normalmente pensa em casamento, sexo e relacionamentos afetivos como uma série de etapas mais ou menos rígidas, que são cumpridas de forma meio automática, e que depois de casados, os cônjuges não teriam margem para mais negociações, acordos ou mudanças de prumo. Seria como se cada pessoa tivesse um personagem e um papel para atuar na convivência diária.
Conhecer alguém, ficar, namorar, noivar... casar. Eis a chamada “escalada do afeto”, que ocupa o imaginário do homem médio, como se fosse realmente necessário que cada uma dessas etapas fosse estabelecida por suas próprias e únicas regras de comportamento. Seria uma espécie de caminho que deveria ser trilhado por todos que querem “ser felizes para sempre”. Um conto de fadas muitas vezes mentiroso, impossível de ser realizado, irreal e ilusório, que gera muito mais frustrações e decepções com um modelo de família que não existe na prática.
Ao contrário, a contratualização das relações de família permite-nos dialogar de maneira muito mais próxima com a realidade, ampliar os horizontes de vida de um casal ou de uma família, na medida em que possibilita que as próprias pessoas tenham voz ativa nesse processo conjunto de elaboração de acordos com interesses recíprocos.
Os contratos familiares são pactos individualizados e específicos para cada casal ou entidade familiar, de acordo com suas necessidades afetivas e/ou pessoais, sendo divididos em cinco tipos.
Primeiro, temos os contratos pré-nupciais ou prévios à união estável. Estes são os contratos de família mais tradicionais no Direito brasileiro, e servem, inicialmente, para formalizar regras patrimoniais como regime de bens, doações entre os cônjuges e administração de bens particulares. Entretanto, a interpretação que vem sendo feita no Direito brasileiro é no sentido de que os contratos pré-nupciais servem para que as pessoas possam construir as regras de convivência da família que vai se constituir.
Na prática, um número muito maior de regras podem ser estipuladas através de pacto antenupcial, sobretudo regras não necessariamente patrimoniais ou econômicas, que são os chamados “pactos sobre direitos existenciais”. Dentre eles, podemos destacar os seguintes: - instituição de multa para as hipóteses de ocorrência de violência doméstica; - negócios sobre a distribuição do trabalho doméstico; - pactos que disciplinem os cuidados com os filhos, horas de dedicação às atividades escolares em casa e acompanhamento nas atividades extracurriculares; - acordos sobre relações sexuais: frequência das relações/ número de relações por semana ou mês/ estabelecimento da monogamia como regra (ou não); - regras para casais que praticam o chamado “swing” ou a troca de parceiros; - multa) por transmissão de doenças sexualmente transmissíveis; - acordos sobre a privacidade do casal, o que pode ou não pode ser exposto nas redes sociais, dentre inúmeras outras hipóteses de acordos.
Em seguida, temos os contratos intramatrimoniais ou repactuação de convivência. Um acordo pós-nupcial (ou intramatrimonial) é essencialmente a mesma coisa que um acordo pré-nupcial: serve para definir regras patrimoniais e de convivência ao longo do relacionamento. A única diferença é o momento em que ele é realizado. Um acordo pós-nupcial é assinado durante o casamento ou da união estável, e não antes, como ocorre nos pactos antenupciais.
Estes contratos podem ser uma opção favorável para pessoas/casais que, a despeito de enfrentarem dificuldades ao longo da relação afetiva, não desejam terminar o casamento ou sua união estável, mas gostariam de tornar o vínculo mais forte, interessante e adaptado às mudanças que o tempo impõe na vida de cada indivíduo.
É importante lembrar que, em todos os relacionamentos, muitas questões decisivas sobre a outra pessoa ou sobre a organização da família somente podem ser descobertas e compreendidas com o passar do tempo, ao longo da convivência. Daí a necessidade de um ajuste, durante o caminho, para que as coisas fiquem mais confortáveis e seguras para todos os envolvidos.
Algumas pactuações têm por finalidade dar mais segurança econômica ou patrimonial ao casal ou aos membros da relação individualmente considerados. Já outras podem ser de ordem existencial, a fim de “corrigir a rota” do relacionamento, alterar regras internas de convivência, rediscutir regras sobre a sexualidade do casal ou da entidade familiar, atualizar as preferências e consolidar as mudanças de estilo de vida, profissionais e pessoais de cada um dos envolvidos na relação. Serve, no mais das vezes, para fortalecer o próprio relacionamento conjugal.
Podemos mencionar alguns exemplos de contratos intramatrimoniais como: - repactuação de regras sexuais entre o casal / frequência / modalidades de práticas sexuais entre os cônjuges/conviventes;- regras sobre visitação de parentes do cônjuges/companheiro na residência do casal, como a hipótese de estabelecer quantas vezes a sogra pode visitar a casa da família ou se os cunhados podem ou não utilizar o apartamento de praia do casal;- negócios sobre inseminação artificial para casais que não conseguiram ter filhos por meios naturais; - os chamados contratos de coparentalidade, segundo o qual as pessoas decidem ter filhos juntos mas sem ter uma relação afetiva ou mesmo sexual; - estipulação de multa por transmissão de doenças sexualmente transmissíveis ou, bem mais moderno e atual, que são os contratos para casais que, após a união monogâmica, decidem migrar para relações de poliamor, os chamados “trisais”, bem como as questões patrimoniais relacionadas a esse tipo de arranjo familiar.
3. Contratos pré-divórcio e contratos pós-divórcio. Outras modalidades de contrato.
Os contratos familiares acompanham a vida das pessoas, como uma espécie de registro instantâneo dos ciclos de vida de cada casal ou família. Assim como a paixão começa, ela se transforma e tantas vezes se acaba, do mesmo modo ocorre com os casamentos e com as uniões estáveis, com os namoros e os relacionamentos em geral. Uns duram muitos anos, até que a morte os separe, literalmente. Outros, separam-se antes, por motivos vários.
Muitas vezes, o fim do casamento ou da união estável é iminente e irreversível. Como na belíssima crônica de Paulo Mendes Campos, o amor termina. Por motivos pessoais, traições ou diversas outras razões, os relacionamentos afetivos chegam ao fim. Nesse momento de instabilidade emocional e de incertezas sobre o futuro, é fundamental que as partes envolvidas consigam estabelecer quais as metas e os caminhos a serem percorridos quando do ponto final do relacionamento.
É necessário superar a antiga visão de que o divórcio significava uma guerra entre ex-companheiros que se tornavam inimigos, sobretudo quando há filhos comuns. Criar normas para que o divórcio (ou dissolução de união estável) seja consensual, não litigado ou com o mínimo de disputas processuais possíveis, não é apenas importante, mas imperioso e representa mudança paradigmática de comportamentos. Também é possível fazer escolhas processuais que diminuam a duração das ações, estipulem limitação de recursos, a fim de que os processos não eternizem a disputa pela dissolução da antiga família.
Alguns casais também são também sócios de empresas e precisam estipular caminhos para que o fim do relacionamento afetivo não implique dissolução do negócio e ampliação dos prejuízos econômicos. A utilização de bens comuns, a partilha inicial dos bens e acertos para fixação de eventual pensão alimentícia também podem ser objeto desses acordos de pré-divórcio.
Ainda, é possível incluir, por exemplo, questões relativas a não realização de atos de alienação parental, restrições de publicações em redes sociais, regras sobre a guarda dos filhos, cláusulas de reajuste de alimentos a cada ciclo de tempo ou termo, possibilidade de nomear um “representante” ou “administrador” para gerir as decisões do casal acerca do divórcio ou hipóteses de arbitragem em Direito de Família.
São exemplos de contratos a serem realizados por um casal que está prestes a terminar seu vínculo: - regras sobre guarda dos filhos/ divisão da guarda de forma escalonada; - contratualização progressiva para a guarda compartilhada; - negócios sobre eventualidade de mudança para outra cidade ou outro país;- cláusulas de reajuste de alimentos a cada ciclo de tempo ou termo; - Estabelecimento de critérios para contato/convivência entre o ex-casal em caso de divórcio ou dissolução de união estável; - acertos sobre exposição de imagens na internet e privacidade dos filhos após o fim do relacionamento / regras sobre publicação de fotos, vídeos e postagens com novos (as) parceiros; - acordos para cuidados e guarda dos animais de estimação do casal,dentre vários outros.
Seguindo na linha do tempo, como a construção de laços afetivos, sexuais e familiares são, em muitos casos, perenes e duradouros, existem alguns vínculos que duram a vida toda, como é o caso dos filhos ou de obrigações relacionadas à prole, seus cuidados, educação, manutenção e sua criação. Assim, há casais que mantêm a necessidade de estar em permanente revisão de acordos, ou na elaboração de novos pactos para atender às demandas que vão surgindo mesmo depois que a família formal se desfaz.
Os contratos pós-divórcio ou pós-união estável tem por finalidade reajustar, sempre que necessário, os acordos ou decisões que foram estabelecidos quando do fim do relacionamento afetivo. Dizem respeito à manutenção e à construção de uma convivência harmônica entre pessoas que mantêm, mesmo após o divórcio ou dissolução da união estável, vínculos jurídicos em comum. Os contratos pós-divórcio representam muito bem a proposta de construção progressiva de normas jurídicas para famílias, ao longo do tempo. Esse é o caminho para exercer a autonomia plena da vontade das partes, manter o equilíbrio afetivo e o respeito entre os envolvidos.
Podemos destacar, muito brevemente, alguns dos vários contratos que serão construídos pelas partes após o divórcio ou a dissolução da união estável: -negócios sobre inseminação artificial pós-divórcio, sobretudo com embriões já inseminados ou regras para direito de reprodução pós-morte;- pactos que disciplinem os cuidados com os filhos, horas de dedicação às atividades escolares em casa e acompanhamento nas atividades extracurriculares;- contratos para reajustar, recompor, modificar ou alterar o regime de guarda estabelecido na época do divórcio ou dissolução de união estável; - pactos sobre alimentos a serem realizados após o divórcio ou a dissolução de união estável.
Além desses, inúmeros outros modelos de acordos podem ser pensados e realizados, desde que atendam às demandas específicas de cada família ou das pessoas que se dispõem a realizar tais ajustes. É o caso dos contratos prévios a relações sexuais, a fim de estabelecer a consensualidade do ato, como já adotado em várias universidades da Europa, por jovens que, nas festinhas da faculdade, recebem e assinam acordos de relação sexual consentida;contratos para casais ou grupos, sem conotação de família, que decidem viajar juntos; contratos de parcerias econômicas para casais, mas sem vinculação afetiva ou sexual entre os envolvidos, e uma gama de contratos para idosos, seja para as próprias pessoas que querem estabelecer, entre si, regras para a chamada “melhor idade” ou por seus filhos e netos, que criam normas para cuidados e atenção dedicados aos mais velhos, como, por exemplo, acordos para uma espécie de “rodízio” entre os filhos, por tempos pré-determinados, onde cada um vai cuidar dos ascendentes por períodos, de maneira que a responsabilidade não recaia apenas sobre alguns deles;
4. Contratos familiares nas redes sociais e os “SmartContracts” do Direito de Família
A tecnologia continua sendo o principal elemento de transformação da realidade contemporânea. Uma parte significativa da população ainda não se deu conta, mas sites, aplicativos, plataformas interativas, comunidades na internet e, sobretudo, as redes sociais, são as ferramentas de construção de vínculos e relacionamentos ao redor do planeta. E não apenas para começar namoros, romances e marcar encontros, mas também para desfazimentos dos laços. Na Itália, dados estatísticos apontam que, pelo menos 80% das traições são direta ou indiretamente realizadas pelo aplicativo whastapp. Aqui no Brasil não temos dados específicos, mas é bem provável que entre nós, esses números sejam ainda maiores.
A virada de copérnico, entretanto, é a forma como os acordos de natureza familiar e afetiva vão passar a fazer parte dessa realidade virtual nos próximos anos. Não é exercício de futurologia, nem mesmo predições arriscadas do porvir. Estamos falando de situações que já estão acontecendo. Há poucas semanas, por exemplo, o assunto mais comentado na internet foi a realização do primeiro casamento de brasileiros no ambiente virtual do metaverso, que é um espaço tecnológico paralelo ao mundo real, coletivo por natureza e próprio para interação de pessoas e empresas, todos holograficamente representados por seus alter-egos virtuais. Ou seja, é você num mundo paralelo, mas que não deixa de ser você.
O casamento no metaverso é apenas a ponta do iceberg. É provável que todas as realções de família migrem , de uma forma ou de outra, para esse ambientede realidade aumentada e internet. Por exemplo, você poderá visitar sua avó por meio dos seus avatares, ou um casal pode viajar juntos para um lugar bem romântico também por meio dos seus avatares, quando a agenda profissional não permitir sair para namorar na vida real.
Por óbvio, os contratos familiares e afetivos serão também objeto de apropriação pelo metaverso e por outras realidades virtuais. Logo nossos hologramas e avatares estarão realizando pactos dessa natureza. O meu avatar pode namorar com outro avatar no metaverso, ou será possível também estabelecer casamento ou união estável no mundo virtual. Provavelmente, como dissemos aqui no começo da conversa de hoje, as traições haverão de fazer parte desse ambiente tecnológicoe, se meu avatar trair o avatar da minha esposa no metaverso, não será estranho se essa situação trouxer consequências para o lado de cá, no mundo real, de carne e osso. Ou seja, toda a discussão que agora está sendo desenvolvida para reconhecer e ampliar os contratos familiares como instrumentos de exercício pleno da autonomia da vontade das pessoas no âmbito das relações interpessoais também vai desembocar no mundo virtual, cada vez mais difuso e diluído na nossa própria realidade.
A simbiose de direitos e obrigações estabelecidas por pessoas e suas manifestações tecnológicas terá efeitos recíprocos e coincidentes, de maneira que a interpretação e aplicação do que foi pactuado não poderá mais ser dissociada dos efeitos reais ou virtuais, catapultando os “antigos” dispositivos legais que se dispunham a tratar da matéria no Código Civil ou em outras leis civis especiais.
Por fim, cumpre lembrar que os chamados “smartcontracts”, ou contratos inteligentes, estão em completa harmonia com os contratos familiares. Esse tipo de contrato é projetado para ampliar a segurança das transações ao tempo em que reduz os custos e otimiza as relações entre contratantes. Rescisão contratual e direito de arrependimento precisam ser definidos com rigor no ambiente dos smartcontracts de Direito de Família, justamente porque a natureza dos contratos inteligentes é de que eles são autoexecutáveis.
A tecnologia Blockhain (p2p) passa a caminhar de mãos dadas com a liberdade de contratar, ao autorizar a escolha dos meios de estabelecimento do acordo de vontades e indicar um registro transparente e seguro, confiável e com altíssimo índice probatório, pouco susceptível a fraudes e também descolando e diminuindo sensivelmente a importância dos tabelionatos de notas e dos registros em cartório.
A satisfação e o cumprimento dos contratos familiares através da tecnologia do Blockchain será disrruptiva em relação ao que se faz hoje em dia, vez que são pactos de execução automática, cujo pagamento de eventuais cláusulas penais, por exemplo, pode ser feito de modo automático, instantâneo e por meio de pequenas frações sequenciadas de pagamento, para o caso de descumprimentos repetitivos ou mesmo rotineiros de termos contratuais intrafamiliares. As criptomoedas poderão servir, inclusive, para agilizar essas transformações.
Enfim, os contratos familiares serão definitivamente incorporados a nossas redes sociais; haverá publicidade desses termos e a mitigação da privacidade também fará parte desse contexto. A revolução dos contratos familiares está apenas no começo.
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[1]Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e da UNIFACISA. Pós-Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco – PPGD/UFPE. Advogado especializado em Direito de Família. Desenvolvedor da Plataforma Contratos Familiares (www.contratosfamiliares.com.br).
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