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A Redução da Judicialização no Brasil através da Advocacia Extrajudicial
A Redução da Judicialização no Brasil através da Advocacia Extrajudicial
Por Alessandra Sobral Cesar – OAB/RJ 1.695B.
O advogado é indispensável à administração da justiça, reza o artigo 133 da nossa Magna Carta, eternizando a célebre frase do Imperador francês Napoleão Bonaparte, em referência à língua dos advogados, as quais deveriam ser cortadas caso lhes fossem contrárias. Contudo, mesmo que atrapalhassem, os advogados eram (e são!) essenciais à justiça e aos que dela necessitam.
Nessa toada, ainda que se desjudicializem as demandas, a figura do advogado sempre será preciosa e indispensável à democracia que se traduz nesta seara em garantir segurança aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Infelizmente, o acesso ao Judiciário era difícil por causa de incontáveis situações tais como falta de estudo, de consciência dos próprios direitos, da distância dos Fóruns, da falta de estrutura na prestação do serviço, dentre outras. Visando a democracia e um Direito mais garantista, a Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição do povo e para o povo”, criou mecanismos de acesso para a população, caminho que era bem mais fácil aos que tinham educação, cultura e situação econômica elevada, possibilitando-lhes o pagamento das custas e emolumentos judiciais e até mesmo extrajudiciais.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a redação do artigo 5º, através do seu inciso XXXV, o povo passa a ter a segurança de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Nasce aí o pontapé para a abertura da justiça ao povo, detentor da democracia. E com este pontapé, a literatura especializada se aprimorou neste sentido, dando alicerce às novas ideias de democracia.
Com este novo pilar houve um encorajamento das pessoas em buscar de fazer valer os seus direitos; antes, reduzia-se esta busca aos mais abastados, sejam de instrução, sejam de poderio econômico.
A partir da abertura da democracia à quem de direito, cujo poder é dele emanado e irradiado, o Judiciário ficou abarrotado e sufocado de tantas demandas as quais não conseguia lograr êxito nas resoluções adequadas dos conflitos. Não havia (e ainda há déficit de pessoal) profissionais quantitativa e qualitativamente preparados. Em contrapartida, um número grande de pessoas à procura dos seus direitos através de uma sentença proferida por um juiz de direito.
Diante desta nova realidade, foi necessário reformular o sistema, adequando-o às necessidades da população que se viu praticamente desamparada: não mais somente pela falta de entrada aos órgãos do Poder Judiciário, mas também pelo congestionamento e falta de habilidade profissional em receber e dar andamento à essas demandas.
Diversos foram os caminhos criados: Juízos Arbitrais, Juizados Especiais, Câmaras Privadas de Negociação e Mediação, os Centros de Judicialização das Soluções e Conflitos, e, por ora, paulatinamente, vem se ampliando a atuação dos Cartórios Extrajudiciais, facilitando a construção das soluções e minimizando o tempo de resolução.
Hodiernamente, é possível fazer um inventário extrajudicial, desde que se atenda a determinados pré-requisitos; assim como também o divórcio consensual em que estejam acordadas judicialmente as questões em relação aos filhos menores com a participação do custos legis, na pessoa do representante do Ministério Público, conforme bem dispõem a Lei nº 11.441/07 e o Provimento CGJ nº 36/2016, do Rio de Janeiro.
Inclusive, até mesmo no Direito das Famílias, lugar em que o Estado intervém com maior propriedade, nas questões de Alimentos, o Código de Processo Civil de 2015 inova e admite a Execução de Alimentos fundada em título executivo extrajudicial, conforme positiva o seu artigo 911. Mas que, também, é pouco utilizado ante à falta de conhecimento e confiança pelas partes envolvidas na eficácia do aludido documento, por se tratar de instrumento particular de transação sem a homologação judicial.
Muito embora a vontade de vivenciar uma democracia tenha feito do povo o protagonista das suas próprias demandas, este possui capacidade judiciária, mas não postulatória. Esta, quem a possui é o advogado. Desta forma, em sede de Juizados Especiais, por exemplo, a parte só pode trilhar sozinha até determinado ponto e sob algumas condições. A partir do momento que a demanda passe a tramitar na Turma Recursal ou ultrapasse o limite legal do valor do pedido há a obrigatoriedade do patrocínio pelo advogado. Igualmente é necessária a participação do advogado nas escrituras declaratórias de Inventário e Partilha, de Divórcio, de União Estável e outras, junto aos cartórios extrajudiciais.
Pouco usual ainda, mas que vem sendo bastante comentado, é o instrumento de transação referendado pelos advogados dos transatores. Os próprios advogados possuem dúvidas em relação à eficácia deste instrumento, uma vez que a Lei nº 13.140, de 26/06/2015, que dispõe sobre a Medição e a Autocomposição, em notória divergência com a lei civil e a lei processual civil, traz em seu artigo 3º, §2º, que tal instrumento de transação deverá ser homologado em juízo e com a oitiva do Ministério Público.
No entanto, tanto o Código Civil quanto o de Processo Civil, em seus artigos 842 e 784, IV, respectivamente, não condicionam a validade ou a eficácia do instrumento de transação à homologação judicial com a oitiva do parquet. Apenas - e o artigo 842, do Código Civil, é claro neste sentido - será feita por escritura pública ou por termo nos autos, homologado pelo juiz, caso venha a recair sobre direitos contestados em juízo. Do contrário, não haverá esta obrigatoriedade. E o instrumento de transação particular referendado pelos advogados dos transatores surtirá efeitos de título executivo extrajudicial, conforme disciplinado no inciso IV do artigo 784, do Código de Processo Civil.
Aliás, a menção ao instrumento de transação particular como título executivo extrajudicial já vinha disposta no Código de Processo Civil de 1973, no artigo 585, II, sendo transcrito o seu texto no atual Código de Processo Civil para acrescentar à parte final do artigo que a regula a atuação da Advocacia Pública e do conciliador ou mediador credenciado por tribunal.
Seria um verdadeiro retrocesso exigir-se a homologação judicial e a oitiva do Ministério Público. Seria manter nas mãos do Estado os assuntos privados que podem ser facilmente solucionados pelas partes interessadas, devidamente orientadas pelo seu advogado (ou mesmo pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelo conciliador ou mediador, conforme disposto no artigo em questão).
Neste ponto é de suma importância a representatividade pelo advogado! Pois é ele, conhecedor da legislação, da doutrina e da jurisprudência, através de longos anos de estudo e experiência, quem está habilitado a orientar o seu cliente acerca dos termos a serem debatidos e, positivamente, acordados.
As alterações feitas ao Código de Processo Civil de 1973, com a participação de renomados advogados, abraçaram a causa democrática da Constituição Federal de 1988, facilitando não só o acesso do Poder Judiciário ao povo como também à melhor solução dos conflitos através da transação, da mediação, da conciliação e da arbitragem.
Neste sentido, o artigo 3º e seus parágrafos do Código de Processo Civil de 2.015, reproduzem já no caput a ideia da Magna Carta: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.”. E, ainda, traz o advogado no mesmo nível de importância que magistrados, defensores públicos e membros do Ministério Público, mencionados no parágrafo terceiro do citado artigo, como estimuladores da solução consensual dos conflitos.
É ainda um caminho bastante vasto a ser trilhado, no qual há a necessidade de divulgação orientada e aprimoramento, bem como adequação aos custos, a fim de não abarrotar as Serventias extrajudiciais e as Câmaras de Mediação e Negociação e os Juízos Arbitrais, como vem ocorrendo com as Serventias Judiciais; porém, é de salutar solução para a população, que pode resolver da maneira mais ágil e satisfatória para si os seus conflitos, vez que não é um terceiro desconhecido que irá dar “pitacos”, mas as próprias partes envolvidas, dentro da sua visão e do seu contexto.
Nesta seara, um advogado preparado, com visão conciliatória e diálogos trazidos da CNV, poderá conduzir as partes conflituosas à uma solução conscienciosa sem, contudo, perder a sua essência e a sua dignidade.
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