Artigos
A mediação transformativa na composição de conflitos familiares: perspectivas a partir do Direito de Família Mínimo e dos Direitos Humanos
Jessica Terezinha do Carmo Carvalho[1]
RESUMO: O estudo tem por objetivo abordar a mediação na composição de conflitos familiares. Por isso, traz à baila a existência dos conflitos e trata da mediação na modalidade transformativa como um método adequado a composição. A mediação, a priori, versa em casos em que há vínculos anterior entre as partes, e almeja a pacificação por meio da comunicação não violenta, de modo que o terceiro, mediador, deverá auxiliar as partes a identificar, por si próprias, soluções consensuais, prezando pela autonomia das mesmas. Culmina com a apresentação da mediação transformativa sob a égide do Direito de Família Mínimo e dos Direitos Humanos, pontilhando as principais perspectivas que envolvem a temática.
Palavras-chave: Conflitos. Mediação. Composição. Direito de família mínimo. Direitos Humanos.
ABSTRACT: The study aims to approach mediation in the composition of family conflicts. Therefore, it brings up the existence of conflicts and deals with mediation in the transformative modality as an adequate method for composition. Mediation, a priori, deals with cases where there are previous links between the parties, and aims at pacification through non-violent communication, so that the third party, the mediator, should help the parties to identify, on their own, consensual solutions. , valuing their autonomy. It ends with the presentation of transformative mediation under the aegis of Minimum Family Law and Human Rights, punctuating the main perspectives involving the theme.
Keywords: Conflicts. Mediation. Composition. Minimum family law. Human rights.
INTRODUÇÃO
A união entre indivíduos é própria da condição humana. Um ser precário e insatisfeito, o homem deve interagir com o próximo em prol da realização de seus interesses; é impossível uma existência isolada. Dessa convivência é passível a ocorrência de conflitos intersubjetivos, desejos divergentes que devem ser solucionados em prol da paz social.
No âmbito familiar, diante dos conflitos e do esgotamento das possibilidades de apaziguamento entre os próprios envolvidos, partem os mesmos à procura de ajuda. Para tanto, a via jurisdicional vem sendo o meio mais recorrido - o Estado-juiz, ouvindo as partes, busca imparcialmente analisar e julgar.
Entretanto, o sistema jurisdicional nem sempre consegue proporcionar as melhores soluções, de modo que se torna preciosa a busca, o acolhimento e a disseminação de meios não adversariais para composição de conflitos.
Há, assim, a retomada às técnicas adequadas de autocomposição, capazes de muito contribuir para a resolução de divergências. Dentre elas, destaca-se a mediação, que busca a pacificação por meio do diálogo, sem imposição de soluções, prezando pela autonomia das partes, pelo restabelecimento da comunicação, gerando benefícios mútuos.
O presente trabalho traz à baila esse assunto, pelo que aborda a importância da mediação na composição de conflitos familiares, em especial, na modalidade transformativa como uma forma de composição de conflitos familiares, traçando um olhar sob a égide do Direito de Família Mínimo e dos Direitos Humanos.
1 DOS CONFLITOS FAMILIARES E DOS MÉTODOS DE COMPOSIÇÃO
A condição humana pressupõe a convivência com o próximo, pela formação de uma família, ou não, para a consecução de objetivos individuais e coletivos. Aristóteles tratou o homem como um ser político, eminentemente sociável, que alcança realização plena na polis, destacando a precariedade da existência quando isolada (ARISTÓTELES, p. 20). É em sociedade que se pode encontrar êxito na vida.
Vivendo em comunidade, nasce no ser humano diversas outras necessidades, seja materiais ou imateriais. Para alguns, cuidam de quesitos extremamente úteis para o desenvolvimento da vida, e acaba despertando o interesse do homem.
Diante da pretensão e sem possibilidades de obtê-la, “seja porque (a) aquele que poderia satisfazer sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) a própria ordem jurídica proíbe a satisfação voluntária da pretensão”, o indivíduo não logra a inteireza do seu ser. Nessas situações, caracteriza-se a insatisfação da pessoa, um fator antissocial, capaz de gerar angustias e tensão individual e social (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, p. 43).
Na iminência de conflitos, o que mais preocupa é a tendência de dilatação, caso não sejam rapidamente solucionados, gerando mais problemas ao ser humano.
O conflito intersubjetivo, ou o conflito de interesses entre duas ou mais pessoas ocorre quando “[...] a situação favorável à satisfação de uma necessidade exclui, ou limita, a situação favorável à satisfação de outra necessidade” (ALVIM, 2020, n. p).
Assim, havendo resistência, o conflito assume feições de lide ou litígio, um modo de ser, ou como definido por de Carnellutti, um “[...] conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro” (ALVIM, 2020, n. p).
No âmbito familiar a existência de conflitos e a consequente dissolução da união, gera inúmeros conflitos constantes à divisão de bens, guarda dos filhos, pensão alimentícia. Possíveis divergências que podem ser mais acentuados caso cheguem na via judicial.
Nesses aspectos, é preciso considerar que “como os componentes da família têm uma relação contínua, problema nos reiterados contatos podem desgastar o relacionamento e deteriorar a comunicação a ponto de criar um espiral de incompreensões e mal-entendidos” (TARTUCE, 2019, p. 15).
Também é preciso relevar o panorama familiar que quase sempre, imputa a responsabilidade pela formação e sobrevivência dos filhos somente à genitora, que acaba sendo forçada a assumir uma jornada dupla de trabalho. A questão da divisão de bens, o pagamento da pensão alimentícia. São variados os conflitos em âmbito familiar.
Assim, importa “a noção de conflito como possível objeto de transformação, mudança e, quiçá, evolução do ser humano, razão pela qual sua abordagem deve se dar da forma mais adequada possível” (TARTUCE, 2021, p. 17).
Por certo, há uma “tensão envolvida no conflito, e a perspectiva jurídica busca enfrentá-la a partir da noção de satisfação dos interesses. Satisfazer alguém, contudo, tende a ser algo mais complexo do que simplesmente lhe apresentar a resposta oferecida pelo ordenamento jurídico” (TARTUCE, 2021, p. 7).
Dessa forma, advém outra necessidade tocante à pacificação. É preciso que a lide seja solucionada para que a própria estrutura do Estado não seja comprometida, pois “[...] o conflito de interesses é o germe de desagregação da sociedade” (ALVIM, 2020, n. p). Faz-se necessário que as partes retornem ao status quo de passividade.
Diante da existência de conflitos, há a busca pela satisfação dos interesses - que aqui será desenvolvido pela ótica autocompositiva, uma forma mais evoluída (que a autotutela), principalmente na execução dos direitos, onde as próprias partes fazem uso do diálogo para resolver seus desentendimentos.
Neste interim, o direito tem a missão de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, de modo a ensejar a realização máxima dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, p. 257). Assim, fazem necessários meios que solucionem os impasses em tempo hábil e, principalmente, de modo efetivo.
A composição significa a ação de compor um todo, juntar as partes, um arranjo. No viés jurídico está relacionado a um regramento. É resolver, restabelecer segundo a ordem legal. A passividade pode então ser restabelecida pela atuação do direito objetivo que aplica a lei ao caso concreto (TARTUCE, 2021 p. 17).
Assim, “deve-se buscar o meio idôneo para a abordagem, o encaminhamento, a composição e, se possível, a salutar transformação do conflito, com o intuito de promover sua leitura como uma experiência positiva em termos de vivência e aprendizado” (TARTUCE, 2021, p. 19).
Os meios apropriados ou adequados de solução de conflitos surgiram nos Estados Unidos - Alternative Dispute Resolution – ADR, “cuja sigla designa os procedimentos em que não há a intervenção do juiz para impor às partes uma decisão, e que são pautados, em síntese, pela celeridade, informalidade, economia e pela busca de soluções criativas”. Além do que, prescindem da existência de um processo judicial e da prolação de uma decisão impositiva de um juiz para solucioná-los”. No Brasil, são conhecidos como MASC – Meios Alternativos de Resolução de Conflitos; MESC – Meios extrajudiciais de Resolução de Controvérsias, RAD – Resolução Apropriada de Disputas” (ALMEIDA, 2021, p. 60).
Desse modo, diante das precariedades do sistema jurisdicional, e da necessidade de pacificação social, vai ganhando corpo a consciência de que, o que realmente importa é “pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes”. Além do que, tem se percebido com veemência que “o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição […]” (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, n. p).
Além da necessidade de possibilitar que a sociedade tenha conhecimento dos meios de composição de conflitos, é preciso que elas tenham acesso, de modo a configurar o acesso e o resultado justo. É o que se pretende com a mediação.
A solução das questões familiares exige a atuação dos próprios envolvidos, sem participação de um terceiro que não conhece detalhes da relação controvertida e, sem maiores formalidades, possibilitando o restabelecimento da relação e a efetividade da decisão.
Nesse sentido, trata-se da mediação na resolução dos conflitos familiares.
2 DA MEDIAÇÃO NO DIREITO DAS FAMÍLIAS
A mediação é um método adequado de pacificação que leva as partes a refletirem seus conflitos e a encontrarem, por si mesmas, o melhor desfecho, gerando maior eficácia.
No âmbito familiar a importância da mediação é muito mais nítida, visto que quase sempre versa sobre assuntos que alçariam maior efetividade se fossem refletidos pelos próprios envolvidos com apoio de um profissional.
Cuida de um “meio consensual de abordagem de controvérsias em que alguém imparcial atua para facilitar a comunicação entre os envolvidos e propiciar que eles possam, a partir da percepção ampliada dos meandros da situação controvertida”, de modo a “protagonizar saídas produtivas para os impasses”.
A mediação “permite que os envolvidos na controvérsia atuem cooperativamente em prol de interesses comuns ligados à superação de dilemas e impasses;” afinal, os protagonistas podem divisar melhor a existência de saídas produtivas (TARTUCE, 2021, p. 189-190).
No tocante a previsão legal, a Lei nº 13.140, de 26 de Junho de 2015, dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública e no parágrafo único, do artigo 1º, considera mediação “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
No Código de Processo Civil, o artigo 694 dispõe que “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”.
Não são todos os casos em a autocomposição será, de fato, oportuna, como em caso de violência doméstica:
[..] ao menos em princípio, não se mostra plausível obrigar a autora a comparecer à audiência de conciliação e encontrar o réu, se alega ser vítima de violência doméstica por ele praticada. Faltaria a ela, pela debilidade demonstrada, o necessário empoderamento, tão necessário para que uma conciliação ou mediação possa, com efetividade, resolver a crise de direito material instalada. [...]. (TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2215265-68.2016.8.26.0000 – Campinas, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, v.u., j. 12/12/2016).
O artigo 696 do Código de Processo Civil, dispõe que “A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito.” O processo de mediação costuma ser composto por várias sessões e, em verdade, deve se possibilitar que as partes reflitam sobre suas necessidades.
Por fim, importante salientar que a via consensual nas demandas pode apresentar como “o meio adequado para que a família se reorganize, já que a solução construída pelos envolvidos é preferível à imposição de um terceiro” (TARTUCE, 2021, p. 306).
A menção feita pelo Código de Processo Civil a mediação é, de grande importância para tornar o instituto mais conhecido no mundo jurídico e, por certo, para que a mediação auxilie ainda mais pessoas a resolverem os seus problemas.
Além disso, merece destaque a Resolução 125/ 2010 do CNJ - Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, que considera a conciliação e a mediação como mecanismos “[...] efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças”. E, portanto, há a necessidade de organizar e uniformizar os serviços para evitar disparidades, bem como para assegurar a boa execução da política pública, respeitando cada segmento da Justiça.
A mediação apresenta a finalidade de restabelecer a comunicação entre as partes, preservar o relacionamento, prevenir conflitos, de levar a inclusão e pacificação social.
O primeiro objetivo da mediação é de permitir que as partes voltem a entabular uma comunicação eficiente, podendo discutir pontos relevantes e encontrar uma solução consensual; de modo que a promoção do diálogo é um dos grandes triunfos do instituto.
A importância da mediação é verificada no objetivo de preservar o relacionamento entre as partes depois de solucionada a controvérsia, tentando evitar novos futuros litígios.
Há também a proposta de proporcionar inclusão social, pois a participação da comunidade na administração da justiça, acaba sendo vantajosa por ensejar maior celeridade e aderência da justiça à realidade social, além de maior credibilidade.
Com a Pandemia do Covid-19, a solução de conflitos mediante a forma virtual ganhou espaço.
A Lei nº 13.994 de 24 de abril de 2020, alterou a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
Com isso, no artigo 22, parágrafo segundo, dispõe sobre a possibilidade da: “conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.”
A mediação on line deve respeitar os princípios informadores, ter a concordância das partes, assegurar que ambas as partes terão acesso, e estar baseada no cuidado respeitando o direito de família mínimo.
Por certo, é “essencial devotar preocupação em honrar o devido acesso à justiça, sendo essencial a observância das diretrizes que tornam a mediação e a conciliação mecanismos apropriados para compor certos conflitos” (TARTUCE, 2021, p. 203).
As premissas da mediação serão efetivas se as partes compreenderem como deverão ser desenvolvidas as sessões de mediação. Para tanto, é de grande necessidade a figura do mediador que auxilia os envolvidos e contribui para a eficácia do instituto. Além disso, as chances de a mediação resultar em um ato eficaz serão muito maiores se o mediador observar os princípios inerentes à mediação.
Nesse ínterim, considerando a existência de conflitos, a essência da mediação e as previsões legais, evidencia-se a mediação como um método eficaz que tutela os direitos da pessoa humana.
2.1 Da Mediação Transformativa
A mediação é um instrumento valioso de pacificação. Mas a eficácia de seus métodos é muito mais nítida na resolução de conflitos familiares, levando os indivíduos a refletirem a própria história, as consequências e reflexos de cada decisão, prezando pela autonomia das partes.
Várias são as tentativas de encontrar definições mais acertadas ao termo mediação; mas não há um consenso; o que acaba refletindo em diversidade de pensamentos.
Ao longo do tempo, vêm sendo desenvolvido vários modelos de mediação, com abordagens fundamentada em diferentes pressupostos teóricos, associados a determinados procedimentos e formas de atuação.
No modelo de mediação transformativa, os conflitos não são vistos como problemas, mas como oportunidades para a transformação das partes, tanto no sentido de autoconhecimento, quanto no reconhecimento da importância do outro.
A mediação em sua abordagem transformativa “foi apresentada por Bush e Folger como um novo modelo de mediação, teórica e tecnicamente fundamentado” e “contrasta da concepção da Medição Tradicional ou Linear - o Modelo Tradicional de Harvard privilegia um olhar para o problema e sua solução, por meio de um acordo entre as pessoas”.
Diferente da abordagem da resolução de problemas que “exclui os contextos mais amplos que estruturam a interação entre as partes”, a transformativa “concentra-se em extrair, destacar e traduzir a compreensão de si mesmo, do outro da situação em cada estágio do processo” (SHAILOR, p. 72, apud JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 201-202).
O modelo transformativo enfatiza:
O desenvolvimento de certas capacidades nos mediandos: perceber-se fortalecido, valorizado, respeitado, seguro, desfrutando de autonomia e autodeterminação, ao mesmo tempo em que se é capaz de melhor compreender o outro por intermédio do reconhecimento da sua perspectiva suas necessidades e seus valores. (JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 202).
Há um grande potencial da mediação de “transformar a interação conflituosa, fortalecendo e aumentando a compreensão mútua das pessoas envolvidas em desavenças”. Desta forma, “a mediação se humaniza com seu potencial de modificar os seres humanos e a sociedade” (JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 202).
Importante salientar que a principal meta da mediação na modalidade transformativa é ajudar o relacionamento entre as partes, estimular satisfação em substituição ao relacionamento causador de mal-estar.
O modelo transformativo visa promover mudanças na comunicação, tanto factual quanto emocional, entendendo “como algo contínuo, um processo co-evolucionário, interativo, constante, de ação verbal, não verbal e interpretação por meio do qual as pessoas criam, mantém, negociam e transformam suas realidades sociais” (SHAILOR, p. 73, apud JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 205).
Nesse modelo, cabe ao mediador, por meio da comunicação, “fomentar construções positivas de si, do outro e da situação. A redefinição é o recurso técnico de comunicação a ser utilizado pelo mediador transformativo no objetivo de ajudar as pessoas a promoverem tais elaborações construtiva e, assim, transformarem seu conflito”. São propostas:
(i) fazer perguntas que encorajem uma nova maneira de refletir sobre as questões; (ii) reformular as declarações dos envolvidos. [...] (iii) declarações de posicionamento em declarações de interesse; (iv) orientações negativas em positivas; (v) enfoques no passado em enfoques no futuro; (vi) perspectivas individuais em sociais; (vii) posicionamentos de certezas em posicionamentos de possibilidade (JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 206).
Por certo, o propósito é transformar o conflito. E, com a transformação do conflito, que as partes cheguem a um consenso. Diferente “da sentença judicial, que e? uma solução imposta por um terceiro alheio ao conflito (juiz), que muitas vezes se distancia do real motivo que levou os litigantes a pleitear o pronunciamento judicial (SILVA, p. 27).
Na mediação transformativa as partes são incentivadas a refletirem a respeito dos próprios problemas, a analisar as questões em várias perspectivas.
3 DAS PERSPECTIVAS A PARTIR DO DIREITO DE FAMÍLIA MÍNIMO E DOS DIREITOS HUMANOS
Contemporaneamente tem-se almejado a intervenção estatal apenas em situações extremas, para que prevaleça a liberdade dos membros da família, concretizando os direitos da pessoa humana.
A mediação é um método de pacificação social que pode ser escolhido pelas partes em detrimento do processo ou no curso do processo judicial.
Na modalidade transformativa, a mediação apresenta um potencial ainda mais elevado na composição de conflitos familiares se analisada pela perspectiva do direito de família mínimo e dos direitos humanos, de modo que serão tratados aspectos da mediação e as possíveis consequências para o direito das famílias.
O direito de família mínimo relaciona-se com diversas áreas jurídicas, tendo como essência o dever de “prevalecer, como regra geral, o exercício da autonomia privada dos componentes de uma família”. O que é de extrema importância, “pois somente dessa forma será possível efetivamente lhes garantir o implemento dos seus direitos fundamentais, o desenvolvimento de sua personalidade” (ROSA, 2020, p. 75).
Além disso, ressalta-se que “não é qualquer direito que se traduz em direitos mínimos, excepcionalmente alguns direitos, como os ditos de proteção especial ou de proteção integral, necessitam de 'mão forte' da condição de garantia de direitos máximos” (ROSA, 2020, p. 76).
Nesse sentido, o Estado estaria autorizado apenas a interferir em situações excepcionais e extremas:
Em verdade, o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a promoção dos direitos fundamentais dos seus membros – como a dignidade, a igualdade, a liberdade, a solidariedade etc –, e, contornando determinadas distorções, permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos, o desenvolvimento da sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um deles, bem como a manutenção do núcleo afetivo. Em outras palavras, o Estado apenas deve utilizar-se do Direito de Família quando essa atividade implicar uma autêntica melhora na situação dos componentes da família (ALVES, 2009, p. 141-142)
E a intervenção deve ter como grande finalidade melhorar a situação familiar, garantindo a efetividade de direitos.
Leonardo Barreto Moreira Alves, trata sobre o direito de família mínimo, e expõe em seu trabalho a mediação entre os exemplos do exercício da autonomia privada neste âmbito:
mediação, noutro giro, implica a sugestão de uma pluralidade de soluções para resolução do caso concreto (todas variáveis de acordo com a condição financeira das partes e do mediador), haja vista a existência de um constante diálogo entre os envolvidos. Em virtude deste método muito mais humanitário proposto pela mediação, alcança-se uma maior aceitação da solução da lide encontrada pelas partes, essencial para uma real pacificação do conflito, garantindo-se, portanto, que o litígio não será mais retomado (ALVES, 2009, p. 174).
Além do que, a busca pela pacificação deve estar direcionada para a afirmação dos Direitos humanos. Um desafio constante e uma temática de suma importância, que merece ser desenvolvida em um aspecto reformulado, o qual permita alcançar de um modo mais concreto a realidade e os problemas que a circundam.
Importante declinar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama os Direitos Fundamentais de modo que a sua aplicação se faça precisa e inerente à vida humana.
Os Direitos Humanos declarados universalmente são imprescindíveis à vida humana e devem ser constantemente requeridos, quando não observados. Os Direitos Humanos nascem para valorizar a vida humana.
Na Declaração, é previsto o direito de existência livre e digna, dispondo que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, conforme artigo primeiro, e no artigo XXV 1, trata que:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Com a Declaração há uma afirmação dos direitos que são universais e positivos ao mesmo tempo. É universal “no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele estado, mas todos os homens” e é positiva: “[...] no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio estado que os tenha violado”. (BOBBIO, 2004, p. 29-30). Os Direitos Humanos são, portanto, de todos e devem ser protegidos.
Para Ingo Wolfagang Sarlet, a expressão “direitos humanos” está relacionada com os documentos do direito internacional, por fazer referência a posições jurídicas que “se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional” (2018, p. 29).
Entretanto, é verdade que mesmo com tantos direitos previstos, há que se dizer que nem por isso, “os problemas ético-jurídicos foram eliminados. Ao contrário, o avanço tecnológico não cessa de criar problemas novos e imprevisíveis, à espera de uma solução satisfatória, no campo ético” (COMPARATO, 2019, p. 44).
Em todas as discussões sobre os Direitos Humanos, o que se pode perceber é que o seu processo de asserção “enquanto invenção para a convivência coletiva, exige um espaço público, a que só se tem acesso por meio da cidadania” (LAFER, 1988, p. 32).
Os direitos humanos “são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que, apesar da desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos” (BOBBIO, 2004, p. 15).
A mediação, em especial a mediação transformativa, possui capacidade indiscutível de compor conflitos. O direito de família mínimo garante melhores meios de composição de conflitos, concretizando os Direitos Humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo tratou da mediação transformativa na composição de conflitos familiares, sob a égide do Direito de Família Mínimo e dos Direitos Humanos.
Cuidou dos conflitos como situações essenciais para o desenvolvimento da sociedade e da pessoa humana, já que indicam o seu movimento constante.
Adentrou no tratamento da mediação, método adequado de resolução de controvérsias, em que as partes são conduzidas por um terceiro imparcial, o mediador, com capacidade de auxiliar os envolvidos a encontrar a melhor proposta para resolução.
Mencionou acerca do regramento da mediação, constituindo pela lei de mediação, e a Resolução 125/2010 Conselho Nacional de Justiça e pelas disposições no Código de Processo Civil de 2015. Uma inserção inovadora que estimula o uso dos métodos adequados.
Tratou, em especial, da mediação transformativa, que tem por finalidade transformar a relação conflituosa, ao invés de somente resolver a controvérsia. Modelo essencial para concretização da essência do Direito de Família Mínimo e os Direitos Humanos.
Mostrou que Direito de Família Mínimo visa invocar o poder estatal apenas em situações de vulnerabilidade das partes, evidenciando a necessidade e a capacidade das partes de administrar os próprios conflitos.
Foi dito que os Direitos Humanos podem prevenir o sofrimento e afirmar a dignidade e que são resultados de uma cultura humana que está em construção, em desenvolvimento, sendo marcado por evoluções e que ainda precisam ser mais conhecidos e respeitados.
Em verdade, a proteção concreta aos Direitos Humanos é uma forma de emancipação da pessoa humana e expressa o desejo de que a responsabilidade pela efetividade dos direitos seja um compromisso da humanidade.
A concretização dos Direitos Humanos é almejada na sociedade. Diante de um vasto arcabouço legislativo, em grande parte sem eficácia e efetividade, em que frequentemente a lei não cumpre a sua função social e não é observada pelos aplicadores e destinatários, não há o alcance da pessoa em grau de vulnerabilidade.
Por toda análise do direito de família mínimo e dos direitos humanos, percebe-se que representam um grande passo para a tutela da vida humana, representando ainda um sustentáculo para a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana.
Para tanto, no Brasil, faz-se oportuno o aculturamento da sociedade e dos próprios profissionais do direito. De modo que nas academias os estudantes tenham uma formação diferenciada em relação ao processo judicial. Faz-se oportuno a possibilidade de estudar os métodos de composição de conflitos. Parece interessante ainda, possibilitar que antes de ajuizar o processo as partes tenham que participar de uma palestra informadora da mediação.
Dessa forma, acredita-se que a necessidade de aculturamento se concretizaria com a palestra desenvolvida pelos próprios alunos durante o período acadêmico, proporcionando-se aos estudantes a possibilidade de colocarem em prática o conteúdo apreendido, formando-se profissionais responsáveis com outras formas de pacificação, além de auxiliar a sociedade.
É certo que a mediação transformativa não deve ser vista como um coadjuvante do processo judicial, mas deverá sempre ser analisada a partir de si mesma e dos seus valores.
O Direito de Família Mínimo tem como essência invocar o poder Estatal apenas quando for necessário, com vistas a possibilitar melhores condições as partes. A voluntariedade buscada vai de encontro com a essência da mediação, sobretudo da mediação transformativa que visa que transformar o conflito. Isso, por certo, é um atributo para a concretização da dignidade da pessoa humana e dos Direitos Humanos.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de Conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. 3. ed. JusPodivm, 2021.
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Por um direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo de incidência da autonomia privada no âmbito do direito de família. Belo Horizonte, 2009. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. Disponível em: http://www.biblioteca. pucminas.br/teses/Direito_AlvesLB_1.pdf. Acesso em 11de mar. de 2021.
ALVIM, J. E. Carreira. Teoria geral do processo. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
ARISTÓTELES. A política. Coleção Universidade – Edições de Ouro.
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
DALLA, Humberto. Manual de mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
DEBS, Martha El; DEBS, Renata El; SILVEIRA, Thiago. Sistema Multiportas: A Mediação e a Conciliação nos Cartórios como instrumento de pacificação Social e dignidade humana. Salvador: Juspodivm, 2020.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Processo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Mediação tem sua importância acentuada diante da pandemia do coronavírus. Publicado em: 15/04/2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/7209/Media%C3%A7%C3%A3o+tem+sua+import%C3%A2ncia+acentuada+diante+da+pandemia+do+coronav%C3%ADrus. Acesso em 25 de janeiro de 2022.
JONATHAN, Eva; PELAJO, Samantha. Diferentes modelos: mediação linear (Harvard). In: ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de Conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. 3. ed. JusPodivm, 2021.
JONATHAN, Eva; AMERICANO, Naur dos Santos. Diferentes modelos: mediação transformativa. In: ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de Conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. 3. ed. JusPodivm, 2021.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das letras, 1988.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
MERITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Trad. Alceu Amoroso Lima. 3. ed. Rio de Janeiro, 1959.
MORIN, Edgar. O método 5: a humanidade da humanidade. Trad. Juremir Machado da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2012.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
ROSA, Corando Paulino. Direito de Família Contemporâneo. 7. ed. JusPodivm, 2020.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 13. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019.
SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da Silva. [coord.]. Negociação, mediação, conciliação e arbitragem: curso de métodos adequados de solução de controvérsias. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: 2020.
SCHREIBER, Anderson; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; MELO, Marco Aurélio Bezerra de; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
SILVA, Luciana Aboim Machado Gonc?alves da. Va?rios autores. Mediac?a?o de conflitos. São Paulo: Atlas.
TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família: teoria e prática. 4. ed. São Paulo: Método, 2020.
TARTUCE, Fernanda. Mediação de Conflitos Civis. 6. ed. São Paulo: Método, 2021
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família. Vol. 5.15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de con?itos e práticas restaurativas. 7. ed. São Paulo: Método, 2020.
[1] Mestra em Direitos Sociais, Econômicos e Culturais pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, U.E Lorena. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, pela mesma instituição e em Direito das Famílias pela Faculdade Damásio. Advogada. Professora.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM