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Da possibilidade de realização de inventário extrajudicial mesmo diante da existência de testamento
Veridiana Toczeki Santos
Advogada sócia da Probst Werner & Advogados Associados
Resumo
O presente artigo científico possui como objetivo analisar a possibilidade do inventário extrajudicial, mesmo havendo testamento deixado pelo falecido. Sendo possível, destacar-se-á de que forma o procedimento pode ser realizado.
Palavras-chave: inventário extrajudicial, inventário, testamento.
Abstract
This scientific article aims to analyze the possibility of an extrajudicial inventory, even with a will left by the deceased. If possible, it will be highlighted how the procedure can be performed.
Keywords: extrajudicial inventory, inventory, will.
INTRODUÇÃO
Após a morte de um ente familiar que deixou bens a inventariar, é comum que os herdeiros busquem resolver as indivisões de forma célere, evitando assim o prolongamento de situações indesejáveis, como a impossibilidade de alienação de um bem em nome do falecido ou o saque de quantias deixadas em contas bancárias, por exemplo.
Contudo, as partes interessadas podem se deparar com a existência de um testamento deixado pelo autor da herança, muitas vezes desconhecido pela família.
Nesse cenário surge a dúvida sobre a possibilidade de prosseguir com o inventário extrajudicial, realizado por escritura pública, quando os requisitos para tanto já estariam preenchidos, ou seja, herdeiros capazes e concordes, devidamente assistidos por advogado.
Para solucionar o dilema, identificar-se-á qual o entendimento recente do STJ, mesmo que a nossa legislação civil aparentemente direcione o caso em exame para o judiciário.
DA DECISÃO NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL 1.808.767-RJ DO STJ
Segundo o que dita o art. 610 do CPC/15[1], mesmo que preenchidas as condições para a realização do inventário extrajudicial, havendo testamento, proceder-se-á ao inventário judicial, como se vê:
Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Entretanto, em que pese a previsão legislativa, em 15 de outubro de 2019, em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Recurso Especial 1.808.767-RJ, definiu que
É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.
Conforme se observa da ementa e do inteiro teor do julgado, o Ministro Luis Felipe Salomão interpretou o referido dispositivo do CPC de modo a permitir o inventário extrajudicial, mesmo que exista testamento, desde que respeitadas as condições para o procedimento através da lavratura de escritura pública e, ainda, haja o prévio registro judicial do testamento ou expressa autorização do juízo competente, isso porque o §1º do mesmo artigo não indica nenhuma restrição, englobando, portanto, a situação examinada.
No voto, destacou-se que a partilha extrajudicial é instituto crescente em nosso país e ainda que, na linha do art. 5° da LINDB e dos arts. 3°, § 2°, 4° e 8° do CPC, tal procedimento atinge sua finalidade social, já que reduz formalidades e burocracias.
Ficou destacado ainda, na decisão que os notários já vinham lavrando escrituras públicas de partilha amigável, ainda que houvesse testamento, desde que a escritura houve sido levada à juízo para homologação.
No entendimento do ilustre doutrinador Humberto Theodoro Júnior (2018, p. 257):
Entre maiores e capazes que se acham em pleno acordo quanto ao modo de partilhar o acervo hereditário, nada recomenda ou justifica o recurso ao processo judicial e a submissão a seus custos, sua complexidade e sua inevitável demora. Por outro lado, a retirada do inventário da esfera judicial contribui para aliviar a justiça de uma sobrecarga significativa de processos. Essa sistemática, portanto, só merece aplausos.
Extrai-se também do inteiro teor da decisão:
Ora, o processo deve ser um meio e não um entrave à realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em se proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, se socorram da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.
Quanto à validade do testamento perante o Judiciário, bastará que as partes requeiram a abertura, registro e cumprimento do testamento, baseado no art. 128 do Código de Processo Civil, através de procedimento de jurisdição voluntária, sendo que a análise ficará restrita à regularidade da declaração de última vontade do autor da herança e a determinação do seu cumprimento, consoante previstos nos artigos 735 e 736 do Código de Processo Civil.
Ou seja, somente os requisitos formais serão verificados, conforme o que preleciona o art. 1.864 do Código Civil, sendo que eventual vício de vontade apontada por terceiro interessado, por exemplo, teria que ser discutido em demanda contenciosa própria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na prática, denota-se que os herdeiros deverão instaurar o processo judicial somente para abertura e registro de testamento, quando possíveis vícios formais serão apreciados.
Após o registro do testamento e a ordem de cumprimento em processo judicial específico, as partes poderão prosseguir com os trâmites no cartório extrajudicial, o que, por certo, será mais célere do que aguardar a chancela do judiciário, já abarrotado de demandas e incapaz de promover a justiça social com a efetividade necessária.
Caso existam dúvidas sobre o preenchimento dos requisitos necessários e ainda sobre os detalhes e documentos exigidos para o ingresso do inventário, tanto pela via judicial, quanto na esfera extrajudicial, as partes devem buscar advogado especialista no tema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. LEI N. 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Código Civil. Acessado em 01.12.2021.
BRASIL. LEI N. 13.105 DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de processo civil, Brasília/DF, mar 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acessado em 01.12.2021.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2018.
STJ. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL 1.808.767-RJ. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em 15.10.2019. Disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1876717&num_registro=201901146094&data=20191203&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acessado em 01.12.2021.
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