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Fim do silêncio
Fonte: Boletim do IBDFAM nº 30
Como pano de fundo, os debates sobre a mediação tiveram visibilidade privilegiada em importante evento internacional que serviu de vitrine para expor os movimentos brasileiros em prol da mediação - em paralelo à experiência canadense - que muito surpreenderam pela qualidade e pela extensão das experiências que têm sido implantadas de norte a sul do Brasil. "Novas Perspectivas em Mediação" foi o título dado às Jornadas de Estudos Brasil-Canadá, realizadas em São Paulo, em 28 e 29 de setembro p.p., promovidas pelo Documentário Mediação Familiar, que recebe apoio da UNESCO, da CIDA - Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional, e do IBDFAM, dentre outras instituições comprometidas com o desenvolvimento e a promoção da mediação.
Os mediadores canadenses Marie-Claire Belleau e Aldo Moroni, ambos do Québec, representaram a participação estrangeira no evento, com importante contribuição sobre o trabalho que realizam no exercício da função mediadora, num País que pode ser considerado o mais avançado na implantação da mediação familiar, tanto sob o ponto de vista legislativo, como no reconhecimento desta prática pelo Judiciário e pelos profissionais de ciências jurídicas, contribuindo para a efetiva e eficaz sedimentação de instrumento de exercício de cidadania.
Primeiramente, os convidados internacionais esclareceram o polêmico caráter obrigatório da mediação prevista na Lei canadense. Trata-se de prática de objetivo meramente informativo, e a Lei prevê, com minúcias, as várias hipóteses de compor esta sessão inaugural. Este primeiro encontro com a mediação pode ser realizado de modo individual ou em grupo, de acordo com a escolha do casal. Quando os cônjuges ou companheiros optam por participações individuais e, simultaneamente, escolhem grupos diferentes, cada qual pode se inscrever no serviço de mediação de sua preferência, exclusivamente para a sessão de informação, com outro critério para as sessões sucessivas.
Outro aspecto destacado pelos mediadores canadenses é a questão da remuneração pelo trabalho desta função. Aceita a instância de mediação pelas partes, as cinco sessões serão pagas diretamente pelo Estado aos mediadores credenciados e, caso seja ultrapassado este número de sessões, a remuneração será paga pelos mediandos diretamente ao mediador. É preciso contextualizar esta gratuidade dos serviços para a realidade canadense, que não pode servir de parâmetro para a realidade brasileira. Trata-se de mecanismo tributário, que redireciona os altos impostos pagos pelo cidadão a ele próprio, por meio de serviços prestados ou oferecidos pelo Estado, que, neste caso particular, converte-se em mediador entre o cidadão e a atividade privada dos mediadores. Assim, conclui-se que a prestação de serviços realizada pelos mediadores é regiamente remunerada e indiretamente paga pelos mediandos via Estado.
No tocante à participação brasileira, o grande ganho deste evento foi a publicidade da conquista de uma efetiva discriminação entre mediação e conciliação e, em relação à confusão entre mediação e arbitragem, já não se menciona, posto que completamente afastado este equívoco. Outra notícia nacional, bastante alvissareira, é o significativo número de TCC - Trabalho de Conclusão de Curso - sobre mediação que tem sido apresentado em todo o País, assim como monografias, dissertações e teses produzidas nos cursos de pós-graduação.
As novas perspectivas da mediação no Brasil estão sobejamente embasadas em exemplar produção de pesquisa. Algumas experiências regionais ainda estão em nível pragmático, outras já superaram este estágio na busca de um conceito norteado pelo rigor científico. Mas o importante é constatar que esta realização Brasil-Canadá está servindo de veículo para a divulgação e desenvolvimento de um modelo brasileiro de mediação. Esta vitrine da mediação demonstra que se tornou indispensável a inclusão da disciplina Mediação Familiar em todos os cursos de Direito, pois o silêncio sobre este conhecimento representa uma formação incompleta e reacionária.
NOTA
Em Ementa datada de 18/11/2004, respondendo a uma consulta formulada pela Subsecção de Jundiaí, o Tribunal de Ética da OAB/SP manifestou-se contrário à participação do advogado na implantação do instituto da mediação, em projeto de pioneirismo de iniciativa da juíza titular da Vara de Família e das Sucessões da Comarca de Jundiaí.
O parecer que fundamenta a Ementa contém assertivas com erros conceituais, merecendo profunda análise, pois divorciadas do conceito de mediação que vem se construindo ao longo de 15 anos, por responsáveis pesquisadores brasileiros que buscaram na experiência francesa, dentre outras, o embasamento teórico deste instituto.
A título de exemplo, a Ementa afirma que o advogado não pode participar de mediação posto que se trata de "aconselhamento das partes", e, ainda, que o "Instituto da Mediação vem sob pretexto de agilização da justiça", e, para encerrar este elenco "as técnicas de compreensão do ser humano não se apreendem a curto ou médio prazo, exigindo penetrar em sua alma para a solução das tragédias pessoais".
Esta Ementa que, num primeiro momento, pode parecer contra o desenvolvimento da mediação, ao contrário, representa a oportunidade de instalar um debate aberto aos profissionais do Direito e àqueles das áreas afins, que lidam com o sofrimento e o desenvolvimento humano. Evidencia-se a rejeição de uma atitude de acolhimento do conhecimento de um conceito jurídico de mediação.
Depreende-se, é certo, que há um preconceito em torno da mediação, posto que vista apenas pela ótica pragmática de um Direito eivado de positivismo, quando a tendência mundial caminha para a ampliação do conhecimento por meio da interdisciplinaridade, em prol da humanização do Direito.
O IBDFAM, dando continuidade às iniciativas que vem implantando em torno da revisão e atualização dos conceitos e princípios do Direito de Família, assume esta missão de sistematizar o conhecimento da mediação interdisciplinar abrindo um amplo debate nacional para o reconhecimento do conceito brasileiro deste novo instituto, para deixar claro que esta linguagem não ameaça nenhuma profissão, nem a prestação jurisdicional.
A mediação interdisciplinar é a linguagem do terceiro milênio, portanto, quem não estiver disposto a aprender esta forma de comunicação que exige muito mais estudo e conhecimento, ficará para trás, como preconizou Josserand: "Se o jurista não se adapta ao seu tempo, este passará sem ele".
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