Artigos
O contrato de namoro e o ordenamento jurídico brasileiro
Clarissa de Castro Pinto Manhães, advogada, sócia do escritório Beserra, Manhães Advogados Associados, pôs graduada em direito civil e empresarial por Damásio Educacional e pós-graduanda em direito Civil por USP/AASP
RESUMO
Devido a evolução da sociedade, com enfoque nas relações interpessoais, o ordenamento jurídico vem tendo que se adequar as novas realidades. Hoje casais modernos buscam manobras para blindar seus patrimônios e afastar a confusão patrimonial. Há também casais de namorados que por uma escolha destes passam a coabitar, no entanto buscam uma forma de não configurar uma união estável, já que entre estes existe apenas um namoro, sem a intenção de constituir família. Por tai motivos, diante da necessidade de uma nova sociedade, surge o contrato de namoro. configurações
Palavras-Chaves: contrato; contrato de namoro; união estável; namoro.
ABSTRACT
Due to the evolution of society, with focus on interpersonal relations, the legal order has been having to adequate to new realities. Nowadays, modern couples search for ways to reinforce your assets and dispel patrimonial confusion. There are also couples who by choice cohabit but seek a way to not configure a stable union, since among them there is no will to “evolve” their relationship to a marriage. For such reasons, upon a need of a new society, arises the “Significant other” contract.
Keywords: Contract; significant other contract; stable union; significant other.
- O CONTRATO
Contrato, para a doutrina, é quase tão antigo quanto o próprio ser humano, quando as pessoas passaram a se relacionar e viver em sociedade surgiu a necessidade dos contratos.
A evolução da teoria contratual vem se modificando ao longo dos tempos, este originou-se na época romana, onde era usado como forma de garantia de cumprimento de uma obrigação. Hoje muitos são os tipos, modelos e finalidades do contrato.
Para Orlando Gomes[1] contato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença de pelos menos duas partes, ou seja, contrato é o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral.
Complementando tal pensamento, Carlos Roberto Gonçalves[2], leciona que, quando de um “negócio jurídico resultar de um mútuo consenso, de um encontro de duas vontades, estaremos diante de um contrato”.
No ordenamento jurídico brasileiro o contrato, como um negócio jurídico que é, terá que preencher alguns requisitos, para assim produzir os efeitos desejados pelos contratantes.
Na visão do jurista Pontes de Miranda[3] todo negócio jurídico deve seguir a estrutura, que ele denominou de, Escada Ponteana. Este estruturou o negócio jurídico em três planos: existência, validade e eficácia. Como todo contrato é um negócio jurídico, este também, deve seguir tal estrutura e seus planos.
No plano da existência estão elencados os elementos mínimos, pressupostos fáticos, os elementos essenciais do negócio jurídico. Nesse plano há apenas substantivos, elementos que formam o suporte fático, sendo esses: agente, vontade, objeto e forma. Caso falte qualquer um dos elementos citados, o negócio jurídico é inexistente.
Já no segundo plano, este denominado de plano da validade, os elementos apresentados no primeiro plano ganham qualificação, agora passam a ser: agente capaz, vontade livre, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Neste plano, havendo vício ou defeitos, em regra, o negócio jurídico será nulo, mas há casos em que o negócio jurídico poderá ser anulável.
No plano da eficácia, terceiro e último plano, encontram-se os elementos relacionados com as consequências e os efeitos gerados pelo negócio jurídico em relação as partes e também em relação a terceiros. Aborda principalmente regras para inadimplemento do negócio jurídico, aplicando multa, juros e entre outras consequências.
A Escada Ponteana leciona que um plano não pode existir sem o plano anterior. Sendo assim para que o contrato ou o negócio seja eficaz, deve ser existente e válido, para ser válido, deve existir. Desta forma a Escada Ponteana valida os atos jurídicos.
No atual Código Civil, em seu artigo 104, traz claramente o plano da validade abordado por Pontes de Miranda, sendo assim, preenchendo os incisos de tal artigo o negócio jurídico, torna-se válido e existente.
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Já o plano da eficiência, no Código Civil vigente, encontra amparo no capítulo III, do livro DOS FATOS JURÍDICOS, nos artigos 121 e seguintes. Sendo assim, os elementos apresentados por Pontes de Miranda e seus diferentes planos de aplicação, foram abraçados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
- Princípios Fundamentais do Contrato
O Direito Contratual está envolto em quatro princípios fundamentais: o da autonomia da vontade; o consensualismo; a força obrigatória; e a boa-fé.
Os três primeiros princípios podem ser definidos como os princípios tradicionais. Já a boa-fé, embora já estivesse presente no código comercial de 1850, na doutrina contemporânea, assumiu um papel de destaque.
O princípio da autonomia da vontade pode ser resumido como a liberdade de contratar. Ou seja, toda pessoa capaz tem a liberdade para “provocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se”[4].
Os contratantes são livres para determinar o conteúdo do contrato, nos limites da lei. A liberdade de contratar é o poder conferido aos contratantes de determinar os efeitos que pretendem produzir, prevalecendo a vontade das partes.
Já o princípio do consensualismo, no pensamento jurídico recente, versa sobre o simples consentimento dos contratantes, ou seja, a concordância das partes basta para gerar um contrato, uma obrigação, não se tem mais a necessidade do formalismo e do simbolismo.
O princípio da força obrigatória determina que o contrato é lei entre as partes, uma vez que respeitado os requisitos de validade, deverá ser executado pelas partes “como se suas clausulas fossem preceitos legais imperativos.”[5]
Como reza o artigo 422 do Código Civil: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
Apesar do presente artigo só mencionar o princípio da boa-fé na conclusão e na execução do contrato é sabido que a boa-fé deve ser empregada em todas as fazes contratuais, inclusive nas fases pré e pós-contratual.
O princípio da boa-fé pode ser traduzido como um interesse social de segurança jurídica ou ainda como uma obrigação entre as partes de agir com lealdade e confiança recíproca.
A boa-fé pode ser objetiva ou subjetiva, nos contratos é aplicado a boa-fé objetiva, onde esta, diferente da boa-fé subjetiva, passa das crenças internas, do saber ou não saber dos fatos, a boa-fé objetiva vai além, é concreta, visa a honestidade, a moral e a ética.
Sendo assim, o contrato que cumpre todos os requisitos de valida, existência e eficácia, e ainda, segue todos os princípios fundamentais, está apto a produzir efeitos no mundo jurídico e vincular as partes contratantes.
- CONTRATO DE NAMORO
Recentemente alguns casais de namorados começaram a celebrar, o que foi denominado de contrato de namoro. Um documento assinado entre as partes, arquivado em cartório de forma pública, que busca disciplinar a relação em que vive o casal e resguardar a situação patrimonial.
- O Namoro
O namoro é uma relação afetiva, interpessoal, que há séculos existe na sociedade, tal tema já foi usado como inspiração para diversas obras literárias e artísticas, mas, a partir deste momento, passa a ser usada como tema de estudo jurídico.
Etimologicamente falando, a palavra namoro é originária da expressão Espanhola estar en amor, que acabou formando o verbo enamorar, que se transfigurou para namorar e deste ato veio o que atualmente é conhecido por namoro. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo[6].
No ordenamento jurídico brasileiro não há natureza jurídica para o namoro, portanto pode ser definido como um status social[7] que decorre de um fato da vida, costume, onde duas pessoas vivem um relacionamento amoroso sem compromissos futuros.
Como leciona Euclides de Oliveira:
Passo importante na escalada do afeto ocorre se o encontro inicial revela o início de uma efetiva relação amorosa. Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois o amor vai se consolidando aos poucos, com encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo. [8]
Portanto, para tal doutrinador, o namoro é visto como uma escalada de afeto, uma fase mais seria do relacionamento amoroso, mas onde ainda não há uma entidade familiar e sim a expectativa de constituição de uma.
O pensamento recorrente na melhor doutrina considera que o namoro pode ser definido como uma fase pré casamento, ou seja, uma fase pré contratual e ainda ser diferenciado em namoro simples ou qualificado.
3.2 Namoro Simples x Namoro Qualificado
Existe nas relações costumeiras do namoro, conforme determinado e dividido pela doutrina, duas categorias: namoro simples e namoro qualificado.
O namoro considerado como simples seria aquele sem muito compromisso, pouco divulgado, sem continuidade e de tempo curto, este, em via de regra, não produz consequências jurídicas relevantes.
Já o namoro qualificado chega a ter uma margem tênue com uma união estável, uma vez que este o relacionamento é público, contínuo, duradouro e em alguns casos existe até a coabitação, sendo estes uns dos principais pontos caracterizadores da união estável, se diferenciando, eventualmente e principalmente, pela falta de vontade de constituir família.
Por tal motivo o judiciário vem sendo acionado com uma certa frequência na busca de diferenciar tais conceitos e determinar onde um termina e o outro começa. Já que nesta situação, mesmo que não haja a intenção entre o casal da constituição de família, pode ser configurada uma união estável por falta de provas contrarias e assim decorrendo vários efeitos jurídicos indesejados.
Recentemente foi julgado um recurso especial: REsp 1.761.887/MS[9] pela 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça que buscava o reconhecimento de união estável entre um casal que, após um mês e meio de namoro, moraram juntos por quinze dias e teve o fim do relacionamento devido ao falecimento do convivente.
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão[10], relator do recurso, apesar da legislação não estabelecer um tempo certo para o reconhecimento da união estável, tal requisito é fundamental para seu reconhecimento, sendo assim, este determinou que dois meses de convivência não é tempo suficiente caracterizador para a união estável, declarando assim o relacionamento em discussão como um namoro.
Já em julgamento, de matéria semelhante, sobre agravo em recurso especial: AREsp 1279631 PR 2018/0088569-6, determinou o Superior Tribunal de Justiça reconhecida a união estável entre o casal que convivia há oito meses, fundamentando sua decisão no fato do encerramento do relacionamento ter ocorrido devido a um acidente fatal com um dos conviventes.
Neste caso, considerou o julgador que por se tratar de um término contra a vontade das partes, “onde a cessão da convivência se deu por fato inesperado e absolutamente imprevisível”[11], o quesito durabilidade deve ser analisado de forma razoável e não como única caracterizadora da união estável.
Em ambos os casos a cessão da convivência do casal se deu por fato inesperado, a morte de um dos conviventes, mesmo assim o quesito durabilidade foi julgado de forma diferente para a configuração da união estável, ou não.
Sendo assim, fica evidente que tal tema ainda é muito controvertido em nossos tribunais, não havendo ao certo definido o tempo razoável para caracterizar a união estável nem ao menos os requisitos para diferenciar aquela de um namoro.
- SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL
A união estável foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 3º “Para efeito de proteção do estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.
Sendo a união estável uma relação amorosa entre duas pessoas que visam a constituição de família e cumprem todos os requisitos que a lei estipula, sendo estes: convivência duradoura, pública e contínua.
Neste sentido, a lei não estipula um prazo mínimo para a constituição da união estável, nem exige a coabitação das partes, sendo, portanto, necessário a análise de caso a caso para determinar se há ou não presente tal relação.
Como mencionado pelo doutrinador Flávio Tartuce[12] “constata-se que os elementos essenciais para configuração da união estável são abertos e subjetivos” e por tais motivos, existe a dificuldade em diferenciar este instituto do namoro qualificado.
Atualmente novos conceitos de família e relacionamentos foram criados, devido a constante mutação da sociedade que, por diversas vezes, acaba sobressaindo-se as leis vigentes.
O namoro muito se assemelha a união estável uma vez que entre o casal possui um relacionamento afetivo entre as partes, de forma pública, continua e por tempo duradouro sendo estas as principais características, também, da união estável.
O ilustríssimo doutrinador Zeno Veloso assim disserta:
Nem sempre é fácil distinguir essa situação – a união estável – de outra, o namoro, que também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual –, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de 'namoro qualificado', os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro qualificado –, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo. [13]
Seguindo a linha de raciocínio do jurista supramencionado, hoje a principal distinção entre o namoro qualificado e a união estável é à vontade, ou não, de constituir família, o animus familiae[14].
O Superior Tribunal de Justiça tem concluído que nas relações de namoro qualificado as partes não assumem a condição de conviventes porque assim não desejam, são livres e desimpedidos, mas não buscam naquele momento ou com aquela pessoa, formar uma entidade familiar.
Nem por isso vão manter tal relacionamento escondido, estes vão realizar viagens juntos, como também vão ser vistos em festas, podem acabar, até, por conhecer a família um do outro, e até pernoitam um na casa do outro com frequência, ou seja, mantem verdadeira convivência amorosa, porém sem o objetivo de constituir família.
Sendo assim, na visão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também é de forte importância a intenção de constituir família para a configuração da união estável.
- A FAMÍLIA
O conceito de família vem evoluindo ao longo dos anos. Anterior a Constituição de 1988 a família era caracterizada exclusivamente pelo casamento entre homem e mulher, onde seus filhos e esposa se organizavam em um lar sob a autoridade do patriarca, o pátrio poder.
O Artigo 226 da Constituição Federal de 1988 disciplinou o que é família:
A família, a base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§1º. O casamento é civil e gratuito a celebração.
§2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei
§3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§5º. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e a mulher.
§6º. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.
§7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Posterior a Constituição de 88 foi estabelecida a isonomia entre homem e mulher no casamento, modificando assim o pátrio poder. Reconhecendo os costumes da sociedade regulamentou a União Estável como entidade familiar e ainda reconheceu a família formada por um dos pais e seus descendentes.
Tal Constituição tem a característica de humanitária, sendo assim o Direito de família, atualmente, é analisado muito mais pelo lado afetivo, sobrepondo-se ao lado estritamente legal. Neste ponto voltamos a colidir com a margem tênue entre o namoro qualificado e a União Estável, já que a família passa a ser caracterizada pela afetividade, publicidade e continuidade. Por tal motivo nasce a necessidade de um contrato de namoro.
- ORIGEM DO CONTRATO DE NAMORO
A origem do contrato de namoro ainda é desconhecida, no entanto sabe-se que seu surgimento é graças as alterações ocorridas na lei de união estável[15], que extinguiu o prazo de convivência e, também, a prole em comum, sendo assim muito se assemelhou ao namoro.
Por este motivo alguns casais modernos de namorados acharam prudente a celebração de um contrato, onde deixam claro que o relacionamento deles é apenas um namoro, e que não possuem a intenção de constituir família, neste momento.
Maria Berenice dias conceituou tal contrato como “um contrato para assegurar a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade do patrimônio presente e futuro”.[16]
- O CONTRATO DE NAMORO E A DOUTRINA
Muito tem se discutido sobre a validade deste contrato, há doutrinadores que se posicionam a favor e também os que são contra, segundo Maria Berenice Dias[17] tal contrato é inexistente e desprovido de eficácia no seio do ordenamento jurídico, vejamos:
Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito. Não se pode olvidar que, mesmo no regime da separação convencional de bens, vem a jurisprudência reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum. O regime é relativizado para evitar enriquecimento injustificado de um dos consortes em detrimento do outro. Para prevenir o mesmo mal, cabe idêntico raciocínio no caso de namoro seguido de união estável. Mister negar eficácia ao contrato prejudicial a um do par.
Para Flávio Tartuce[18] tal contrato deve ser considerado nulo nos casos em que já tenha se constituído uma União Estável. Defende tal doutrinador que o mesmo contrato é uma forma de renúncia dos direitos e obrigações inerentes ao instituto da União Estável, segundo este o contrato é nulo porque busca fraudar a lei.
No entanto, tais doutrinadores assumem como verdade tácita que a intenção de todos que estipulam esse contrato é fraudar a lei, mas tal presunção não pode ser tida como realidade absoluta, afinal a boa-fé sempre será presumida, enquanto a má fé deverá ser provada.
Se assim fosse todos os tipos de contratos deveriam ser tidos como nulos, uma vez que a fraude existe a longo tempo no ordenamento jurídico, inúmeros são os casos de contratos forjados, simulados, com a intenção de fraudar uma das partes ou até mesmo a terceiros.
Rotular todos os contratos de namoro como nulos ou inexistentes fere diretamente a Teoria Geral dos Contratos e seus princípios fundamentais, principalmente o princípio da boa-fé.
- CONTRATO DE NAMORO E A JURISPRUDÊNCIA
Por tratar-se de tema muito novo no ordenamento jurídico brasileiro poucas são as decisões que versam sobre tal tema, no entanto os tribunais vêm entendo que tal modalidade contratual por si só não é suficiente para afastar o reconhecimento de uma união estável e seus efeitos.
Além dos efeitos do afastamento da configuração da união estável, o contrato de namoro pode ser usado como uma tentativa de afastar, também, as situações de indenização por danos morais suscitadas por um dos parceiros após o rompimento do namoro.
Em ação julgada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a autora alegava que o réu nutriu no relacionamento a expectativa de um casamento futuro, após o rompimento do casal e a desistência da parte em celebrar o casamento, a autora entrou com a ação de reparação por danos morais.
APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXPECTATIVA DE CASAMENTO. AUSENCIA DE PROVA DO ATO ILÍCITO E DO DANO. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. - Nos termos do art. 333, I do Código de Processo Civil, incumbe ao autor a prova quanto ao fato constitutivo de seu direito. - Os danos morais indenizáveis dependem da prova de ato ilícito, sem a qual o pedido não merece ser julgado procedente. - Alegação genérica de danos morais suportados em decorrência de frustração da expectativa de contrair casamento, sem qualquer prova da evidência de prejuízos à honra e imagem, impede a procedência do pedido de indenização[19]
Neste caso a ação foi julgada improcedente por não ter a autora comprovado o compromisso futuro, a expectativa do casamento, no entanto em situações em que houver a quebra de promessa de casamento o dano moral estará configurado.
Conforme leciona José Fernando Simão[20], deverá se observar a grave quebra de confiança e da boa-fé objetiva, por um dos noivos ou namorados, com notória repercussão social para se configurar o ilícito.
Desta forma o contrato de namoro busca disciplinar a relação afetiva existente entre o casal, visando afastar a expectativa de um casamento futuro, vez que o casal deixa claro, e por escrito, que o que vivem é um namoro e que não há a promessa ou intensão, naquele momento, de um casamento futuro ou de constituir uma família.
- A PERDA DA VALIDADE DO CONTRATO DE NAMORO
Voltando a Escada Ponteana, já elucidada ao longo deste trabalho, temos o plano de validade, onde um negócio jurídico, para ser valido, deve conter os seguintes elementos: agente capaz, vontade livre, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
O atual Código Civil, acrescentando aos elementos elucidados na Escada Ponteana, apresenta em seu artigo 166 as possibilidades de nulidade do negócio jurídico, e ainda, em seu artigo 167[21], deixa expressamente nulo o negócio jurídico que for simulado.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Sendo assim, aplicando a lei vigente nos casos de contrato de namoro e em sua aplicação prática, temos que tal contrato perde sua validade, principalmente, nos casos de simulação, como já defendeu alguns doutrinadores no corpo deste trabalho.
Mas há casos em que o contrato se originou válido, entre os contratantes verdadeiramente existia uma relação de namoro e estes buscavam apenas disciplinar tal relação, mas, por situações da vida, tal relação evoluiu para uma união estável de fato, neste caso, o contrato perde sua validade de forma tácita, uma vez que passa a violar lei vigente, a lei da união estável.
- A PROLE EM COMUM E O CONTRATO DE NAMORO
Houve um tempo em que a prole em comum era prova suficiente para a caracterização de uma união estável, mas com o advento da nova lei e também com o artigo 226 da Constituição Federal foi reconhecida como entidade familiar qualquer um dos pais com seus descendentes.
Sendo assim em casos onde há um contrato de namoro este não será revogado pelo simples fato da prole em comum, vez que esta não configura mais a união estável.
A revogação do contrato dependerá da forma com que o casal passe a se portar perante a sociedade posterior a prole, caso a relação evolua para união estável de fato então o contrato terá sua revogação tácita, mas caso o casal mantenha a relação como se namorados fosse o contrato ainda terá validade.
Em uma visão ampla, pode-se afirmar que a validade do contrato de namoro esta estritamente ligada a forma em que o casal se porta perante a sociedade, ou seja, o contrato de namoro é valido enquanto entre o casal existir de fato um namoro, no entanto, se por algum fato extracontratual, a relação entre esses evoluir para uma união estável, ou ficar caracterizada uma família existente entre eles, o contrato perde sua validade.
E em último caso, se o contrato tiver sido celebrado na constância de uma união estável, com a intenção de fraude, então este é nulo de pleno direito.
- CONCLUSÃO
O presente trabalhou buscou esclarecer a nova modalidade de contrato, chamado de contrato de namoro, uma vez que o presente tema é novo no ordenamento jurídico brasileiro e ainda versa muita dúvida sobre a validade o mesmo.
Conforme demonstrado o contrato de namoro é um contrato declaratório que emana da vontade das partes de deixar de forma escrita que a relação em que vivem é apenas um namoro, buscando assim afastar o instituto da união estável e ainda busca afastar uma possível de ação indenizatória por danos morais entre os contratantes.
Fica evidenciado por este trabalho que o contrato de namoro é valido de pleno direito, vez que respeita e cumpri todos os requisitos estabelecidos pela teoria geral dos contratos: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei.
No entanto o simples contrato não é prova cabal para afastar o instituto da união estável, vez que tal relação decorre de um fato da vida, do cotidiano. Se, havendo provas de existência de uma união estável o contrato cai por terra e para de produzir efeitos no mundo jurídico.
Sendo assim, pode-se dizer, que o contrato de namoro é valido enquanto entre as partes existir, única e exclusivamente, uma relação de namoro, se, por algum motivo, durante a vigência do contrato a relação dos contratantes mudar de um namoro para uma união estável este será reincidido tacitamente.
Sua validade esta condicionada diretamente a relação que de fato exista entre os contratantes, da forma como se tratam perante a sociedade. E em ultima analise, coso o contrato tenha sido formulado na tentativa de uma fraude, este será nulo de pleno direito.
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[1] Contratos/Orlando Gomes; atualizadores Edvaldo Brito; Reginalda Paranhos de Brito. – 27.ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019
[2] GONÇALVES, Carlos Robero. Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação – 2018. P. 22
[3] Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda GCIP (São Luis Do Quitunde, 23 de abril de 1892 — Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1979) foi um jurista, filósofo, matemático, advogado, sociólogo, magistrado e diplomata brasileiro.
[4] Contratos/Orlando Gomes; atualizadores Edvaldo Brito; Reginalda Paranhos de Brito. – 27.ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, pg. 21
[5] Contratos/Orlando Gomes; atualizadores Edvaldo Brito; Reginalda Paranhos de Brito. – 27.ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, pg.32
[6] EUCLIDES DE OLIVEIRA, 2006 apud TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. 256 p.
[7] o termo status social foi empregado a fim de prevenir confusões ao que tange o estado civil.
[8] OLIVEIRA, Euclides, 2006 apud TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. P. 256.
[9] O relacionamento do casal teve um tempo muito exíguo de duração: dois meses de namoro e duas semanas de coabitação. Não permite a configuração de estabilidade necessária para o reconhecimento da união estável. Não há como excluir o requisito da estabilidade, havendo necessidade de convivência mínima entre o casal, permitindo que se dividam alegrias e tristezas, que se compartilhem dificuldades e projetos de vida, sendo necessário para tanto um tempo razoável de relacionamento
[10] Luis Felipe Salomão (Salvador, 18 de março de 1963) é um magistrado brasileiro, atual ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
[11] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/622038087/agravo-em-recurso-especial-aresp-1279631-pr-2018-0088569-6?ref=serp
[12] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.
[13] VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém: ANOREGPA, 2018. p. 313
[14] É a vontade das partes de constituir família; é aquele que tem vontade de assumir juridicamente os ônus e os bônus da relação afetiva.
[15] Lei n. 9278 de 1996, revogou parcialmente a lei anterior, lei n. 8971 de 1994, retirou os critérios objetivos, convivência superior a 5 anos e prole em comum
[16] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 7. Ed. São Paulo: RT, 2010, 181 p.
[17] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 186.
[18] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família - v.5, 14. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 2
[19] TJ-MG, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 10/06/2014, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL
[20] SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. Direito Civil. São Paulo: GEN/Método, 2008. 106-111 p.
[21] Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
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