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A Inconstitucionalidade da MP que limita os objetivos do Marco Civil da Internet
Patrícia Corrêa Sanches
Presidente da Comissão Nacional de
Família e Tecnologia do IBDFAM
No dia 06 de setembro de 2021, foi editada a MP 1.068/21, que dispõe sobre o uso das redes sociais, alterando a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
O Marco Civil da Internet é uma lei que tem por fundamento a liberdade de expressão como direito fundamental, e tem por objetivo a promoção de garantias e deveres para o uso da internet no Brasil. A lei entrou em vigor somente após a promoção de um amplo debate público, que reuniu diversos setores da sociedade civil, especialistas, políticos e juristas.
Uma das importantes disposições dessa lei é chamar as plataformas de conteúdo da internet à responsabilidade social, fazendo com que realizem o controle de atos que disseminem notícias falsas, desinformação, discursos de ódio, dentre outras atitudes lesivas aos direitos e às garantias fundamentais, individuais e coletivos. Esses tipos de manifestações não encontram amparo no princípio constitucional da “liberdade de expressão”, pois são atos de natureza ilícita, contrários ao princípio do neminem ledere – não causar mal a outrem.
Advém daí, o dever das empresas provedoras de internet - como, por exemplo, Facebook, Youtube, Instagram, Twitter, entre inúmeras outras – que, por esta responsabilidade social, passaram a controlar os discursos de ódio e a desinformação nas redes, fenômeno que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) trata como “infodemia”[1], a pandemia da desinformação.
A MP 1.068/21, em total descompasso com a proteção e as garantias previstas no Marco Civil da Internet, incluiu diversos dispositivos no artigo 8º que dificultam e inviabilizam o controle desses ilícitos. Como exemplo, o artigo 8º-B, cria a “justa causa e a motivação” para exclusão, cancelamento ou suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais que realizam discursos de ódio e disseminam desinformação.
Com este dispositivo, o poder das plataformas de moderar conteúdos ficou limitado à caracterização da justa causa que deve ser somada à motivação – elementos definidos em um rol restrito de hipóteses, onde não foram incluídos a disseminação de desinformação, as fake News, e os discursos de ódio.
Ou seja, essa alteração promovida, da noite para o dia, no Marco Civil da Internet, irá criar dificuldades jurídicas para as plataformas combaterem o avanço desses ilícitos, principalmente quanto à pandemia da COVID-19 e o processo eleitoral-democrático, onde os conteúdos nocivos têm potencial para causar danos coletivos imensuráveis.
O poder das empresas provedoras de realizar a mediação de conteúdo infringente, tem por base sua reponsabilidade social e o Marco Civil da Internet, não se justificando a limitação desse controle somente às hipóteses de justa causa e motivação, e após inúmeros procedimentos que passaram a ser obrigatórios pela MP 1.068/21.
A citada Medida Provisória também demonstra inconstitucionalidade frente à normativa do art. 62 da Constituição Federal de 1988, que permite a edição de medidas de caráter provisório, apenas em caso de relevância e urgência, sendo certo que também não se faz presente, a aplicação do princípio da razoabilidade com a equação: necessidade x proporcionalidade x adequação.
Partidos políticos e entidades representativas vêm buscando, através de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, a suspensão imediata dos efeitos da MP 1.068/2021 e o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.
A desinformação é uma pandemia que precisa ser controlada, e o discurso de ódio é um ilícito – e não devem ser confundidos com direito de expressão. A liberdade de expressão, especialmente na internet, é um tema complexo e que necessita da atenção dos legisladores em debate com especialistas e a sociedade civil para sua regulamentação, tendo por norte o arcabouço principiológico da Constituição Brasileira de 1988 e do Marco Civil da Internet, de forma a não permitir prosperarem retrocessos nos avanços jurídicos-sociais.
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