Artigos
Comissão específica IBDFAM: o desafio para desenvolver a transdisciplinaridade
Paulo Ricardo d’Oliveira e Gicela Hansen
Como um conjunto de pessoas admitidas por uma autoridade ou assembleia, as comissões são criadas para finalidades distintas e podem ser definitivas ou temporárias. As denominadas Comissões Específicas do IBDFAM, criadas, organizadas em sua composição pelo Conselho de Administração, tem a finalidade de prestar auxílio às funções da Diretoria Executiva do instituto e são desprovidas dos poderes deliberativo e administrativo.
Por sua vez a Comissão de Saúde da Família IBEDERMANA no Rio Grande do Sul, como órgão auxiliar, portanto, articulada e coordenada pela Vice-Presidência IBDFAM local, é composta por este conjunto de pessoas, profissionais de distintas áreas do conhecimento (jurídica, médica, odontológica, psicológica, etc.), admitidas como associadas do instituto e que devem reunir esforços para, quando instada, auxiliar a Diretoria Executiva em suas funções e, no seu âmbito, promover estudos, pesquisas e/ou debates sobre tema específico da saúde da família em suas relações internas e externas e transmitir conhecimento/informação a todos os seus membros e à sociedade.
Formada por pessoas vindas de diferentes áreas (disciplinas), o primeiro desafio consiste em buscar saber como proceder a interação entre os integrantes para que se exerça a função como órgão de auxílio e para a escolha de temas a serem estudados, pesquisados ou debatidos de forma que se atualize o modelo interdisciplinar. O mundo está em constante mudança, necessitando cada vez mais de um olhar integrado pelas diferentes disciplinas. Os temas atuais são da ordem da complexidade. A cooperação, para que se construa o todo, ou seja, o conhecimento, é necessária. O trabalho de equipes multiprofissionais exige um processo para além do modelo interdisciplinar, isto é, para além do que é comum a duas ou mais disciplinas e que produza ações, conhecimentos e intercâmbio. A intersecção de várias áreas de conhecimento promove ganhos inestimáveis, ampliando o conhecimento e, como consequência, propiciam uma melhor abordagem dos assuntos e na busca da resolução de problemas.
Para o sociólogo francês Edgar Morin, desde o início da vida escolar, somos levados a ver as diferentes formas de conhecimento separadamente e, essa fragmentação do saber em disciplinas estanques segue a vida profissional. A percepção das conexões entre as áreas torna-se esmaecida. A naturalização de um entendimento não articulado entre as áreas converte-se em um modo cristalizado de agir e pensar profissional. As consequências disso aparecem numa ampla gama de problemas sociais, ambientais e humanos vistos de maneira especializada e tratados de forma compartimentada, levando a muitos impasses cada vez mais complexos às fronteiras entre as áreas do saber.
A transdisciplinaridade, por sua vez, apoia-se em três pilares: a complexidade, a lógica do terceiro incluído e os níveis de realidade. Possibilita o resgate da relação de interdependência e a transmissão de uma visão de mundo mais complexa e integrada, enquanto a interdisciplinaridade é uma resposta para a articulação entre as disciplinas acadêmicas. As duas perspectivas permitem uma articulação forte entre subjetividade e objetividade presente nas diferentes áreas integrantes da Comissão.
O termo transdisciplinaridade, criado em 1970 pelo cientista suíço Jean Piaget, refere-se à abordagem conjunta e universal das disciplinas escolares, promovendo um conhecimento mais amplo, composto de numerosos elementos e temas interligados. Consoante a esse pensamento, um enfoque menos fragmentado possibilita um ensino mais lógico e racional, permitindo uma aprendizagem mais eficiente.
O diálogo integrado entre distintas áreas de conhecimento é um enorme desafio, pois demove a natural resistência pela sensação de conforto e segurança que cada profissional sente em sua área por dominar aquele particular conhecimento. Para o entendimento de uma questão sob enfoques diferentes é preciso estar aberto à construção do conhecimento que não está restrito a determinada disciplina, portanto, têm relação da ordem de formação e de características pessoais. Para Nicolescu (1999), a transdisciplinaridade incentiva, para além de uma nova relação entre as diferentes áreas do conhecimento, uma relação de inclusão entre diferentes pessoas.
De acordo com de Freitas, Morin e Nicolescu, integrantes da comissão responsável pela redação Carta da Transdisciplinaridade, como conclusão do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, ocorrido em Convento da Arrábida (PT) em 1994, existe um conjunto de princípios para que o desenvolvimento de um trabalho de uma comissão possa ser efetivamente transdisciplinar:
- O ser humano é complexo e não cabe em única definição segmentada;
- A realidade se dá em diferentes níveis regidos por lógicas distintas;
- A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir dessa confrontação das disciplinas dados novos que se articulam entre si; oferece-nos uma visão da natureza e da realidade. Não busca o domínio de uma disciplina sobre outras, mas a abertura de todas naquilo que as atravessa e as ultrapassa;
- A unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas para sua sustentação;
- Uma racionalidade aberta por um novo olhar, sobre a relatividade das noções de definição e objetividade. O formalismo excessivo, rigidez das definições e absolutismo da objetividade comportando a exclusão do sujeito levam ao empobrecimento;
- Ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e a sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiencia espiritual;
- Multidimensional (interdisciplinaridade e multidisciplinaridade) levando em conta as concepções do tempo e da história, não exclui a existência de um horizonte trans histórico;
- Não constitui uma nova religião, uma nova filosofia, ou uma nova metafísica ou uma ciência das ciências;
- A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O surgimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria, e as gentes pertencente a uma nacionalidade ou nação, mas título de habitante da Terra. Ser transnacional.
Compreendemos a transdisciplinaridade como a capacidade de entender, comunicar e articular conceitos entre múltiplas áreas de conhecimento profissional. A partir dessa definição, busca-se a interação e integração dos diferentes saberes dos integrantes da comissão. Essa conexão permite o trabalho em conjunto com variados enfoques, viabilizando uma compreensão mais ampla e integrada do tema em questão, suplantando inúmeros entraves.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM