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O sigilo processual como regramento fundamental nas ações relacionadas ao Direito das Famílias
Por: Danilo de Menezes Vasconcelos Leite
O presente artigo pretende ressaltar a importância do sigilo processual nas ações que tenham a temática baseada no Direito das Famílias, especialmente diante de movimentações em redes sociais, seja pelas próprias partes ou por seus patronos, vezes por profissionais que sequer possuem o conhecimento de toda a questão discutida em determinado processo, uma vez que protegido pelo segredo.
Primeiramente é importante entender que o sigilo processual é regramento fundamental nas ações relacionadas ao Direito das Famílias, não havendo, sequer, margem para o próprio julgador retirá-lo.
Na Constituição Federal de 1988, o sigilo processual está previsto dentro dos princípios referentes ao Poder Judiciário, pois, ainda que os atos sejam públicos, conforme disciplina o artigo 93, inciso XI, deve ser protegida a intimidade do interessado.
Em que pese muito pouco se falar do Código de Processo Civil de 1939, registra, a título de curiosidade, que a única previsão ao sigilo processual daquela época, no que diz respeito ao Direito das Famílias, era a respeito da dispensa dos proclamas na habilitação ao casamento, quando o pedido se fundasse em crime contra a honra da mulher e, assim,essa dispensa seria precedida de audiência dos contraentes, em separado.
Já no Código de Processo Civil de 1973, após redação acrescentada pela Lei nº 6.515, de 26/12/1977, o segredo de justiça passou a ser regramento nos processos que tratassem de casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.
Portanto, naquela desde aquela época, o legislador atribuiu uma obrigatoriedade ao dispositivo normativo, pois, conforme a própria leitura do caput do artigo 155 do CPC/73, devem correr em segredo de justiça.
A Lei 13.105/15, que é o atual Código de Ritos, manteve, basicamente, a previsão do artigo 155, inciso II do CPC de 1973.
O artigo 189, inciso II do CPC/15 determina que:
Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
(...)
II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
O Código de Processo Civil atual trouxe ainda a proteção à vida íntima, com previsão no inciso III do artigo 189, que acaba sendo inerente às questões tratadas no inciso II, ou seja, às relações familiares estudadas em processos judiciais.
Sem dúvida alguma que as questões das famílias são de natureza intimas e, então, o próprio inciso III reforça a necessidade de proteção pelo inciso II.
A grande diferença do art. 155, II do Código de Ritos de 1973 para o artigo 189, II do atual Código de Ritos é o acréscimo da união estável, todavia desde 1996, com o advento da Lei nº 9.278, que regulou esse instituto familiar na Constituição Federal de 1988, já era assegurado o segredo de justiça.
Assegurado foi o termo utilizado pelo legislador no artigo 9º da Lei nº 9.278/96, reforçando a importância do sigilo processual nas ações relacionadas com o Direito das Famílias.
Ora, a vida privada da pessoa natural é inviolável, conforme disposto no artigo 21 do Código Civil Brasileiro, e o interessado poderá acionar o Poder Judiciário para que sejam determinadas medidas para impedir ou fazer cessar ato contrário à referida norma.
Vem se tornando bastante comum a exposição com o intuito de desqualificar a parte adversa, seja nas redes sociais ou em programas de televisão, vezes até para criar um engajamento pessoal e aumentar o número de seguidores através de uma comoção coletiva baseada numa narrativa parcial.
Portanto, nestas hipóteses, o segredo de justiça deve sempre serdecretado e violação dessa regra fundamental pode trazer consequências.
A parte que desrespeitar o sigilo processual utilizando as redes sociais, em conta pessoal ou não, ou até mesmo buscar a exposição em outros meios de comunicação, como jornais, poderá responder por perdas e danos.
Violar segredo processual, por si só, já representa ato ilícito que pode causar dano, ainda que moral, decorrendo, daí, o dever de indenizar previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil. Ademais a transgressão desse sigilo significa também uma agressão ao direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, protegido pela própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X.
Além disso, a conduta pode configurar ato de alienação parental se comprovado se tratar de uma campanha de desqualificação do(a) genitor(a), tal como previsto no artigo 2º, inciso I da Lei nº 12.318/10.
Com relação aos servidores do Poder Judiciário, em tese, configura a prática de crime previsto no artigo 325 do Código Penal, uma vez que estão em atividade e, portanto, o sigilo passa a ser funcional, sendo vedado que revele fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou mesmo facilitar-lhe a revelação.
Aos causídicos habilitados nos processos que tramitam em segredo de justiça, além da responsabilização civil, que pode ensejar o dever de indenizar o prejudicado pela exposição em decorrência da quebra do sigilo processual, podem ainda ser representados através de processo ético-disciplinar perante a Ordem dos Advogados, pois a conduta viola o artigo 33 do Código de Ética da OAB, precisamente os incisos I, II e V:
Art. 33. O advogado deve abster-se de:
I – responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;
II – debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio ou patrocínio de colega;
III – abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que o congrega;
IV – divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas;
V – insinuar-se para reportagens e declarações públicas.
Mas as medidas em desfavor daquele que rompe o sigilo processual podem não ficar somente restritas àqueles que atuam, ou atuaram, no processo, como é o caso de advogado que não possui acesso aos autos, uma vez que não fora constituído por nenhuma das partes, para debater, em qualquer meio de divulgação, a causa patrocinada por colega, o que se torna bastante comum nas redes sociais.
A responsabilidade civil e o deve de indenizar pode ainda recair sobre os meios de comunicação, uma vez que a vida privada, especialmente quando discutida em processo protegido pelo segredo, nos termos da lei, não é, a priori, de interesse público.
Portanto, para os meios de comunicação, sejam páginas nas redes sociais ou jornais em sites, televisão ou rádio,o Código de Ética dos Jornalistas Brasileirosveda a divulgação de informação que viole o direito à privacidade do cidadão, o que se deve considerar, principalmente, a respeito de assuntos tratados em processos judiciais que tramitam em segredo de justiça.
Art. 9° – É dever do jornalista:
– Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público;
– Lutar pela liberdade de pensamento e expressão;
– Defender o livre exercício da profissão;
– Valorizar, honrar e dignificar a profissão;
– Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem;
– Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação;
– Respeitar o direito à privacidade do cidadão;
– Prestigiar as entidades representativas e democráticas da categoria;
O Código Civil Brasileiro, no seu artigo 17,dispõe que“o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”.
É inegável que a exposição de fatos da vida privada tratadas em processo sob sigilo, pelos meios de comunicação, através de suas publicações, tende a enaltecer uma das partes, precisamente aquela que é a fonte, em detrimento do outro, que recebe o desprezo do público.
Ora, as questões do processo devem ser discutidas no próprio processo, havendo enorme risco de que o engajamento nas redes sociais ou a opinião pública em matérias jornalísticas possam interferir no regular andamento da ação, seja na prática dos atos ou mesmo no convencimento do julgador.
Portanto, é imperiosa a proteção das informações que possuem segredo em processo judicial, quando a lei autorizar ou determinar, como nas ações relativas ao Direito das Famílias, sob pena de serem aplicadas medidas, a exemplo de aplicação de multa em desfavor daquele que rompeu o sigilo e até mesmo que visem a reparação dos danos em favor daquele que tevea sua privacidade violada, sem ignorar, ainda, possíveis penalidades ético-disciplinares aos causídicos recalcitrantes desse direito ou mesmo que estimulem a transgressão.
Dessa forma, conclui-se que o sigilo processual não é uma mera faculdade e nos processos que tenham relação ao Direito das Famílias é regramento fundamental para a preservação da vida privada das partes, e também do andamento regular da ação sem interferências externas causadas pelo rompimento desse direito.
Minicurrículo:
Graduado em Direito pela Faculdade Dois de Julho, no ano de 2011, e pós-graduado em Direito Civil pela Faculdade Baiana de Direito em 2018. Advogado atuante no Direito de Família e de Sucessões, associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFam desde 2019.
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