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A alienação parental do idoso e a possibilidade de aplicação da lei nº 12.318_10 por analogia
“Verbetes
Infância - A vida em tecnicolor.
Velhice - A vida em preto-e-branco”.
Vitória Barboza Alves[1]
Luciane de Freitas Mazzardo[2]
RESUMO: O idoso, assim como a criança e adolescente, tem específica tutelaConstitucional. São responsáveis pela proteção destes sujeitos, a família, a sociedade e o Estado, de modo que a eles também foram conferidas legislações especiais: Estatuto do Idosoe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ademais, para a criança e adolescente, é garantida proteção contra a alienação parental, consagrada na Lei nº 12.318/10, cujo texto trata não faz referência às pessoas idosas. A lógica é a de que os menores de idade são pessoas em desenvolvimento, uma vez que não possuem capacidade civil plena, enquanto os idosos são civilmente capazes (com exceção dos interditos), pois já se desenvolveram. No entanto, os idosos também podem ser vítimas de alienação parental, tendo em vista que, em razão de sua idade avançada, é natural que se encontrem em situação de fragilidade. O Estatuto do Idoso, por sua vez, é omisso quanto à proteção do idoso frente à alienação parental. Nesse contexto, emerge a questão: seria possível a aplicação da Lei nº 12.318/10 ao idoso, por analogia? Os Tribunais têm entendido de formas diversas a respeito do tema. A ausência de proteção aos idosos na Lei nº 12.318/10 não implica em deixá-los à mercê de atos alienatórios, sendo incabível que o Judiciário recuse sua aplicação analógica. Cumpre ao Estado efetivar a gama de direitos e garantias conferidos a esta parcela da população, sendo que a leitura mais abrangente da lei, contemplando os idosos, um mecanismo eficiente para tal fim.
Palavras-chave: Alienação parental. Aplicação por analogia. Proteção ao Idoso. Lei nº 12.318/10.
ABSTRACT:The elderly, as well as childrenandadolescents, havespecificconstitutionalprotection. The family, societyandtheState are responsible for protectingthesesubjects, sothatspeciallegislationwasalsoconferredtothem: the Elderly StatuteandtheChildandAdolescentStatute (CAS). Furthermore, for childrenandadolescents, protectionagainst parental alienationisguaranteed, enshrined in Law 12.318/10, whosetextmakes no referencetotheelderly. The logicisthatminors are developingpeople, sincethey do nothavefull civil capacity, whiletheelderly are civillycapable (withtheexceptionofinterdicts), sincetheyhavealreadydeveloped. However, theelderlymayalsobevictimsof parental alienation, since, duetotheiradvanced age, it is natural thatthey are in a fragilesituation. The Elderly Statute, in turn, issilent as totheprotectionoftheelderlyagainst parental alienation. In thiscontext, thequestionarises: would it bepossibletoapply Law 12.318/10 totheelderly, byanalogy? The Courtshaveunderstoodtheissue in differentways. The absenceofprotection for theelderly in Law 12.318/10 does notimplyleavingthematthemercyofalienatingacts, and it isunacceptable for theJudiciaryto refuse its analogicalapplication. It isuptotheStatetoenforcethe range ofrightsandguaranteesgrantedtothisportionofthepopulation, anda more comprehensivereadingofthelaw, contemplatingtheelderly, isanefficientmechanism for thispurpose.
Keywords:Parental Alienation. Applicationbyanalogy. Elderly Protection. Law nº. 12,318/10.
- CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Constituição Federal prevê, em seus artigos 227[3] e 230[4], especial proteção à criança e ao adolescente, como também ao idoso, sendo um dever tanto da família, quanto do Estado e da sociedade, a proteção de seus direitos. A esses sujeitos são conferidas garantias especiais e uma legislação própria: à criança e ao adolescente, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e, ao idoso, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003).
Os artigos 3º do ECA[5] e 2º do Estatuto do Idoso[6]possuem uma redação muito parecida. Ambos discorrem a respeito do gozo de todos os direitosfundamentais inerentes à pessoa humana e a proteção integral de seus tutelados. Semelhantes são as legislações quanto às garantias da criança e do adolescente e do idoso. E isso porque, ambas encontram relevância em razão da vulnerabilidade em que os tutelados estão inseridos, devido a sua idade (BRASIL, 1990).
Posto isso, há de se verificar que, para a criança e o adolescente, ainda é conferida proteção quanto aos atos de alienação parental. Da leitura da lei nº 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental, tem-se que o fenômeno ocorre com a criança e/ou adolescente durante o exercício do poder familiar, o qual cessa com o implemento da maioridade civil e, logicamente, não seria aplicável à pessoa idosa.
Enquanto as crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, por não possuírem capacidade civil plena, o idoso, por outro lado, é, em regra, civilmente capaz (com exceção dos interditos), pois já se desenvolveu. Contudo, não se pode desconsiderar que o idoso também pode ser sujeito passivo de atos de alienação parental.
Nesse contexto, cabe questionar a possibilidade de aplicação da Lei da Alienação Parental ao idoso, por analogia. A análise do tema proposto possui como objetivo investigar se é possível aplicar a Lei nº 12.318/10, por analogia, aos idosos que estão sujeitos à alienação parental, por meio do estudo das legislações pertinentes.
Academicamente, o estudo justifica-se em razão da escassez de material sobre o assunto, por tratar-se de tema pertinente, podendo ser utilizado como fonte para novas pesquisas. Social e juridicamente, justifica-se uma maior visibilidade ao tema,na medida em que é dever da família, do Estado e da sociedade promoverem a proteção do idoso, considerando que o envelhecimento é causa natural.Com o tempo, as pessoas envelhecem, estando também sujeitas a sofrer alienação parental.
2. O QUE É A ALIENAÇÃO PARENTAL
A Lei nº 12.318/10 conceitua, em seu artigo 2º, a alienação parental como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie o outro genitor ou prejudicar o estabelecimento ou a manutenção de vínculos com aquele (BRASIL, 2010).
Ainda, o parágrafo único traz um rol exemplificativo dos atos de alienação parental, sendo alguns deles: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade/maternidade (inciso I), dificultar o exercício da autoridade parental (inciso II), dificultar contato da criança ou do adolescente com o genitor (inciso III), omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço (inciso V) (BRASIL, 2010).
Conforme a advogada Melissa Teles Barufi, os atos de alienação parental têm por finalidade afastar o filho daquele que o ama, levando em contradição sentimentos íntimos e rompendo laços afetivos, de modo que este aceita como verdadeiros os relatos incessantemente transmitidos (BARUFI, 2014, p. 82). Dessa forma, há evidente prejuízo à convivência familiar.
A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da convivência familiar saudável e prejudica as relações de afeto, constituindo-se como um abuso moral contra a criança e o adolescente, bem como um descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar – inteligência do artigo 3º da Lei nº 12.318/10 (BRASIL,2010).
Das disposições da Lei da Alienação Parental, depreende-se que somente a criança e o adolescente podem ser sujeitos passivos dos atos de alienação. Contudo, não é porque a Lei nº 12.318/10 não se estende às pessoas idosas, que estas não sofrem ou não podem vir a sofrer alienação parental em seu meio familiar.
3. ALIENAÇÃO PARENTAL DO IDOSO
A Constituição Federal de 1988 consagrou a proteção da família. O caput do artigo 226[7] prevê que a família é a base da sociedade e goza de especial proteção do Estado. No §8º do referido diploma está disposto que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, 1988). São alguns desses mecanismos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e a Lei nº 12.318/10, que trata da Alienação Parental.
Enquanto legislação destinada à proteção das pessoas que possuem sessenta anos de idade ou mais, o Estatuto do Idoso busca regulamentar os direitos desta significativa parcela da população, inclusive amparando-o em situação de maus tratos. Contudo, não há qualquer referência quanto à proteção em casos de alienação parental.
Em que pese a Lei nº 12.318/10 tenha sua aplicação voltada à criança e ao adolescente, não se pode desconsiderar que, com o avançar da idade, o idoso esteja inserido em condição de fragilidade e vulnerabilidade, tanto física, quanto mental, sendo dependente de sua família ou do(s) familiar(es) responsável(eis).
Nesse ponto, cabe destacar que, assim como a criança e o adolescente, o idoso também possui direito ao convívio familiar. Conforme Roberto Mendes de Freitas, ao conviver com a sua própria família, o idoso recebe a atenção e os cuidados devidos, desfrutando do amor e carinho que une os integrantes do núcleo familiar, de modo que a existência de conflitos em certos núcleos familiares não é motivo para que se afaste o direito que assiste o idoso de conviver com a própria família (FREITAS JÚNIOR, 2015, p. 143-144).
Partindo desta premissa, é possível compreender que o idoso também está sujeito a sofrer alienação parental. Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso no IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, exemplifica que:
[...] tal tipo de alienação parental contra pessoas com mais de 60 anos observa-se, em geral, quando as mesmas tiveram mais de uma família, com filhos provenientes de duas ou mais uniões. Porém, ela também não é rara dentro de uma mesma família, quando um de seus membros, que tem mais influência sobre o idoso, dificulta seu acesso aos outros familiares. A alienação pode se dar com a privação do direito de ir e vir do idoso, mas também por meio de manipulação, fornecendo informações falsas sobre o alienado. Outro recurso, mais radical, é a interdição de pais e mães – antes de zelar pelo bem-estar do idoso, o pedido pode ser, muitas vezes, movido por interesse financeiro ou pessoal do alienador (CRUZ, 2017, sp).
Denota-se que a alienação parental do idoso pode ocorrer de diversas maneiras, sobretudo aquela voltada à desconstrução da imagem de filho(s) ou demais familiares do idoso, bem como o seu afastamento, com o intuito de prejudicar a convivência familiar e os laços afetivos.
Como se verifica, o idoso também pode sofrer alienação parental, assim como a criança e oadolescente. Contudo, este, diferente daqueles, não é amparado pela Lei da Alienação Parental. Com o intuito de sanar a problemática, então, indaga-se: seria possível a aplicação da Lei nº 12.318/10 em proteção ao idoso, por analogia?
4. A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI Nº 12.318/10 AO IDOSO
Demonstrado que o idoso pode ser sujeito passivo de alienação parental, se faz necessária a busca de mecanismos que possam assegurar sua dignidade e bem-estar. Nos termos dos artigos 8º e 9º do Estatuto do Idoso, “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente”, sendo que compete ao Estado “[...] garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade (BRASIL, 2003).
Nesse sentido, destaca-se que o Projeto de Lei nº 9.446 de 2017, que propõe alterações no Estatuto do Idoso, está em tramitação. Uma das mais importantes alterações propostas pelo PL 9.446/17 é a inclusão do §4º no artigo 10 do Estatuto do Idoso, com a seguinte redação: “§4º. O abandono afetivo ou alienação parental contra o idoso por seus familiares implicará na responsabilização civil” (BRASIL, 2017). Para elucidar a importância do PL, colaciona-se abaixo trecho de sua justificativa:
Apesar de o dever de cuidado das famílias para com os idosos seja regulamentado no artigo 98 da Lei 10.471/03 – Estatuto do Idoso, grande parte dos idosos sofre os mais variados tipos de abandono e maus tratos, geralmente cometidos pelos próprios familiares. Um caso que se torna cada vez mais comum é o de alienação parental do idoso, que significa o seu afastamento do convívio com os demais membros da família, deixando-o totalmente desamparado e vulnerável a várias formas de pressão, coação e constrangimento para obtenção de vantagens psicológica e material (BRASIL, 2017).
O PL 9.446/17 demonstra ser a via mais adequada para a proteção do idoso frente à alienação parental, pois busca preencher a lacuna jurídica existente. Sua aprovação e respectiva sanção presidencial oportunizariam que as devidas ações fossem manejadas, buscando as medidas pertinentes junto ao Judiciário. No entanto, o projeto se encontra estagnado desde2018, aguardando apreciação do Plenário, sem previsão de votação.
Não se pode desconsiderar, também, a possibilidade de rejeição do projeto ou de veto presidencial. Enquanto há incerteza quanto ao destino do PL e delonga na sua tramitação, o que então podem fazer as famílias que se encontram vivendo esse tipo de situação?
A aplicação da Lei da Alienação Parental mostra-se uma saída razoável para o enfrentamento da problemática. Contudo, o tema vem sendo tratado de formas diversas pelos diferentes Tribunais brasileiros, acolhendo ou rejeitando de plano a leitura ampliada da lei, quanto aos sujeitos, possíveis vítimas dos atos alienantes.
Em 2018, houve tentativa, no Rio Grande do Sul, de aplicar a Lei nº 12.318/10 à pessoa idosa. Os filhos do idoso ingressaram com ação declaratória de alienação parental que estaria ocorrendo com o pai, todavia, o Juízo de primeiro grau determinou que fosse emendada a inicial, adequando-a em conformidade com o Estatuto do Idoso. Os autores interpuseram Agravo de Instrumento, ao qual foi negado seguimento por decisão monocrática do relator:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. IDOSO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE OCORRÊNCIA DE ALIENAÇÃO PARENTAL. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INICIAL PARA ADEQUAR FUNDAMENTOS E PEDIDOS AO ESTATUTO DO IDOSO. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO CPC. INADMISSIBILIDADE. É descabida a interposição de agravo de instrumento em face de decisão que determinou a emenda à inicial para alteração dos fundamentos e pedidos aos preceitos da Lei 10.741/03, por não se vislumbrar ser caso de aplicação analógica da lei de alienação parental. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, POR MONOCRÁTICA(Agravo de Instrumento, Nº 70076907096, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 08-03-2018).
O relator fundamentou que não cabe Agravo de Instrumento para decisão que determina emenda da inicial, por não se enquadrar no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, sem realizar qualquer análise da matéria, atentando-se apenas à forma.O que se vê, é o não acolhimento do magistrado gaúcho, da aplicação da lei da alienação parental à pessoa idosa, restando aos autores duas opções: atenderem a determinação de emenda, modificando a inicial e fundamentando o pedido em maus tratos, que é o mais próximo de alienação parental que se encontra no Estatuto do Idoso; ou postular a desistência da demanda, deixando de atender ao comando judicial. Ambas não aparentam alcançar a tutela jurisdicional pretendida.
Já o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão recente, entendeu pela aplicação da Lei da Alienação Parental por analogia ao idoso:
[...] AÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL - Pretendida supressão do direito de visitas da filha à genitora, com pedido alternativo de modificação do regime de convivência - Propositura pelo curador da interditada, diagnosticada com quadro demencial - Divergência entre irmãos - Aplicação analógica da Lei 12.318/10 em casos de alienação parental contra idosos - Demonstração dos atos praticados pela ré-reconvinte caracterizadores da alienação parental - Evidente a conduta da apelante em denegrir a figura do autor-reconvindo perante a genitora das partes - Dispensável perícia judicial para constatação da alienação parental diante do vasto conjunto probatório - Ademais, manifestou-se a apelante alegando ser desnecessária a produção da referida prova - À luz do melhor interesse da idosa e no intuito de garantir sua integridade psicológica e bem-estar, mostrou-se prudente a imposição de medida protetiva consistente na restrição das visitas da apelante à genitora, nos exatos termos expostos na r. decisão recorrida, a saber, quinzenalmente, aos domingos, das 17h às 19h, na residência do curador e mediante supervisão pelas cuidadoras da idosa - A ampliação do horário das visitas não é recomendável em razão da gravidade dos atos alienadores praticados pela apelante - Inviável, ainda, alterar o local da visitação, qual seja, a residência do autor-reconvindo, já que restou proibida a presença dele no recinto por ocasião das visitas - Também deverá ser mantida a proibição de contato telefônico entre a ré-reconvinte e a genitora e a presença de terceiros quando da visitação, além das cuidadoras - Medidas impostas pelo juízo monocrático que foram adequadas diante das peculiaridades do caso, não se admitindo a aplicação de sanção menos gravosa como pretende a apelante - Pedidos não acolhidos. [...] - Sentença reformada em parte - Aplicação do disposto no artigo 252 do Regimento Interno desta Corte - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível nº1032680-57.2019.8.26.0001 – Voto nº 39.227, Relator: ELCIO TRUJILLO,10ª Câmara de Direito Privado, data de julgamento: 22/01/2021).
O relator fundamenta o seu voto sob o argumento de que a aplicação por analogia se justifica em razão da semelhança de tratamento que a lei confere aos idosos e às crianças e aos adolescentes, bem como não havendo previsão específica de alienação parental no Estatuto do Idoso, é necessário utilizar outras fontes do Direito para assegurar o amparo jurisdicional mais adequado ao caso. Destaca-se o seguinte trecho da fundamentação do voto:
[...] comprovada a ocorrência de alienação parental e, ainda, à luz do melhor interesse da idosa, sempre no intuito de garantir sua integridade psicológica e bem-estar, mostrou-se prudente a imposição de medida de proteção consistente na restrição das visitas da apelante à genitora, nos exatos termos expostos na r. sentença [...]. (BRASIL, 2021, p.18)
Ao utilizar-se da analogia, para aplicar a Lei nº 12.318/10 à idosa vítima de alienação parental, o TJSP foi capaz de aplicar as medidas cabíveis para preservar sua dignidade e bem-estar, contemplando os fundamentos (artigo 1º, III, CRFB/88) e objetivos (artigo 3º, IV, CRFB/88) da República Federativa do Brasil.
Por conseguinte, não cabe ao Judiciário negar-se em aplicar a Lei da Alienação Parental aos idosos, frente às graves consequências que os abusos podem causar. Maria Berenice Dias exemplifica que a idade avançada não resulta em incapacidade ou deficiência, porém traz limitações físicas e psíquicas, de modo que se justifica a intervenção estatal quando houver interferência indevida na livre consciência da pessoa idosa. Segundo ela, é fundamental coibir que alguém próximo ao idoso, que exerça sobre ele qualquer tipo de influência, venha a aproveitar-se de sua fragilidade para que passe a ignorar ou repudiar seus familiares (DIAS, 2015, p. 659).
Além da família e da sociedade, é também do Estado o dever de assegurar ao idoso sua tutela. Não se pode confundir cuidado com proteção. Cuidado pressupõe elementos subjetivos, como carinho e afeto, os quais só podem ser oferecidos pela família, ao passo em que a proteção é objetiva e diz respeito aos direitos fundamentais cuja garantia de manutenção é obrigação primária e exclusiva do Estado (BRAGA, 2011, p. 15).
Assim, o que se verifica é que a aplicação por analogia da Lei da Alienação Parental aos idosos, surge como uma tentativa eficaz de garantir-lhes a proteção adequada, prevista constitucionalmente, quando da ocorrência de atos de alienação parental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme se verificou, há grande semelhança entre o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) no que concerne às garantias e direitos conferidos aos seus tutelados. Do mesmo modo, a Constituição Federal prevê que são responsáveis pela sua proteção a família, a sociedade e o Estado.
A alienação parental trata-se de fenômeno passível de ocorrência em qualquer núcleo familiar. Embora a Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/10) faça menção tão somente às crianças e aos adolescentes, os idosos não estão excluídos de sofrerem atos de alienação durante a velhice, momento em que se encontram em maior condição de fragilidade, decorrente do próprio envelhecimento.
A busca pela proteção em face da alienação parental decorre do princípio da dignidade humana, porquanto os abusos psicológico e emocional violam diretamente tal princípio, o qual é um dos fundamentos da República. Merece destaque, além disso, que um dos objetivos fundamentais da República é a promoção do bem-estar de todos, motivo pelo qual, a alienação parental infringe também este dispositivo constitucional.
A aplicação da Lei nº 12.318/10 ao idoso,por analogia, visa trazer tão somente benefícios às pessoas idosas, que gozam de proteção especial do Estado e merecem ter seus direitos preservados. Enquanto não são promulgadas modificações para incluir a alienação parental no Estatuto do Idoso, não há óbices à aplicação analógica da lei, tendo em vista a analogia constituir-se uma das fontes do Direito.
A ausência de menção aos idosos na Lei nº 12.318/10 não é motivo para que estes sejam deixados à mercê de práticas alienatórias. Cumpre ao Estado fazer valer os direitos constitucionalmente consagrados aos idosos, sendo incabível ao Judiciário abster-se de analisar os casos concretos à luz da já consagrada Lei da Alienação Parental.
Portanto, o envelhecimento, enquanto direito social, deve ser garantido com oadequado manejo de políticas públicas, considerando que qualquer forma de violência contra o idoso configura uma questão de saúde pública. Assim sendo, é com o aprimoramento da proteção legal aos idosos que se pode promover um envelhecimentosaudável, em condições de dignidade, coibindo quaisquer atos que violem seus direitos, quiçá imprimindo em sua existência mais momentos emtecnicolor, como diria o saudoso Mario Quintana.
REFERÊNCIAS
BARUFI, Melissa Teles. O ato de perdão é personalíssimo. In: SILVA, Alan Minas Ribeiro. A morte inventada: alienação parental em ensaios e vozes. Alan Minas Ribeiro da Silva e Daniela Vitorino Borba (Org.). São Paulo: Saraiva, 2014. [Livro Eletrônico].
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011.
[Livro Eletrônico]
BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21maio 2021.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. Lei nº 8.069/90. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 21 maio 2021.
BRASIL. Estatuto do Idoso. Lei nº 10.741/03. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 21maio 2021.
BRASIL. Lei da Alienação Parental. Lei nº 12.318/10. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm. Acesso em: 21maio 2021.
CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Os idosos e o convívio. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2017. Disponível em:
https://www.ibdfam.org.br/artigos/1242/Os+idosos+e+o+conv%C3%ADvio.Acesso em: 22 set. 2020.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina,
jurisprudência e legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. [Livro Eletrônico]
[1] Advogada, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Endereço eletrônico
[2] Advogada,graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, , especialista em Fundamentos da Educação e graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Franciscano. Docente do curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Professora orientadora do Grupo de Estudos da Comissão Especial do Jovem Advogado – OAB/RS, no eixo temático de Direito de Família e Sucessões. Endereço eletrônico
[3] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[4] Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
[5] Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
[6]Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
[7] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (BRASIL, 1988).
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