Cíntia Regina Portes[1]

RESUMO

O presente artigo tem como foco promover uma reflexão sobre os impactos da violência doméstica na vida das crianças e adolescentes que, juntamente com a vítima, sofrem as consequências dessa cruel e repugnante realidade. Os filhos da violência podem desenvolver diversos problemas de ordem psicológica, assim como ter comprometido seu saudável e íntegro desenvolvimento físico e mental, em razão dos traumas vivenciados nos anos em que presenciam os atos de violência praticados no seio familiar. A reflexão do tema se mostra salutar pois, é da ordem constitucional brasileira a atenção ao melhor interesse da criança e adolescente e sua proteção integral.

PALAVRAS-CHAVE: Violência doméstica. Criança. Adolescente. Proteção integral.

ABSTRACT

This article focuses on promoting a reflection on the impacts of domestic violence on the lives of children and adolescents who, together with the victim, suffer the consequences of this cruel and repugnant reality. Children of violence can develop several psychological problems, as well as have compromised their healthy and complete physical and mental development, due to the traumas experienced in the years when they witness the acts of violence practiced within the family. The reflection on the theme proves to be healthy because it is within the Brazilian constitutional order to pay attention to the best interests of children and adolescents and their full protection.

KEYWORDS: Domestic violence. Kid. Adolescent. Full protection.

Nas últimas semanas, os noticiários e redes sociais foram tomados pelas cenas de violência praticadas contra a esposa do chamado “DJ Ivis”. Sem dúvidas, são cenas devastadoras e que trazem indignação e repúdio pois, a violência doméstica é uma crescente em nosso país, mesmo após 15 anos da entrada em vigor da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Mas, um fato que merece atenção é que, a violência foi praticada na presença da filha do casal, de tenra idade, que presenciando os atos praticados pelo pai contra sua mãe, estava registrando em suas memórias as mais perversas imagens em relação a uma pessoa que dela deveria zelar, cuidar e ser exemplo de proteção.

E não se olvide que a criança registre na memória o que vê e sente em casos de violência, seja física ou psicológica, praticadas no seio familiar.

 Em 17 anos na Advocacia, vários deles dedicados ao Direito das Famílias, atendi muitas mulheres que sofreram violência física, psicológica, patrimonial e, nestes atendimentos, ouvi tristes relatos, analisei fotografias e vídeos que chocariam tanto quanto as cenas que foram mostradas nas redes sociais.

Mas, sempre me chamou a atenção o relato de crianças e adolescentes e sua percepção em relação a violência praticada pelos pais contra as suas mães. Destaca-se, por oportuno, o caso de um adolescente de 16 anos que bateu a porta do escritório, transtornado e pedindo ajuda pois, não suportava mais ver a mãe apanhando calada e pedindo que “fizéssemos o divórcio dos pais”, pois não sabia mais por quanto tempo ele poderia segurar a raiva que sentia e o medo de que algo pior pudesse acontecer.

Recordo-me ainda do relato de uma criança de 4 anos de idade que, durante um atendimento (que destaca-se, não era afeto a direito de família), após ouvir uma porta batendo, mostrou-se muito assustada e disse que “aquilo era muito ruim”.

Questionada do porque a porta batendo era “muito ruim”, a criança relatou que o pai xingava muito sua mãe, e depois ele saia, batia a porta bem forte e a mãe chorava muito porque ele não voltava para casa. E completou dizendo que, “não gostava quando a mãe chorava mas, que gostava quando o pai não voltava para casa”.

São apenas dois relatos, de inúmeros. Mas servem apenas para que possamos pensar nas nefastas consequências da violência doméstica em crianças e adolescentes que, sofrem junto com a mulher agredida as dores da agressão.

Estudos da psicologia e da pedagogia revelam que, as consequências da violência doméstica podem ser muito sérias, pois crianças e adolescentes aprendem com cada situação que vivenciam, seu psicológico é condicionado pelo social e o primeiro grupo social que a criança e adolescente tem contato é a família. O meio familiar ainda é considerado um espaço privilegiado para o desenvolvimento físico, mental e psicológico de seus membros um lugar “sagrado” e desprovido de conflitos.[2]

Assim, é louvável e relevante que as campanhas contra a violência doméstica se intensificam diante de novos casos escancarados pela mídia e que servem de exemplo para o fim da impunidade e para que as mulheres tenham coragem de pedir ajuda.

Mas, precisamos refletir também sobre o fato de que, mesmo sendo a mulher a vítima principal da violência, os reflexos de sua condição, de sua dor e sofrimento são sentidos também pelos filhos, trazendo para estas crianças e adolescentes em desenvolvimento, problemas de ordem psicológica e modificações significativas na formação de sua personalidade, notadamente, pelo comprometimento das relações que esses filhos terão com o agressor.

Temos que reconhecer que a violência contra a mulher é um problema enraizado na sociedade e que demandará muita luta para que um dia esse seja um assunto esquecido.

Contudo, é também salutar reconhecer que, precisamos falar sobre este assunto à luz dos direitos da criança e do adolescente, travando um debate adequado sobre o tema e colocando efetivamente estas pessoas em desenvolvimento na condição de detentores de real proteção integral, como determina a ordem Constitucional Brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência doméstica continua endêmica em nosso país, mesmo após quinze anos após a edição da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Vale ressaltar que, a palavra violência vem carregada de um forte significado, que leva à conclusão de ocorrência de condutas agressivas, dolorosas, envolvendo a vida não só da mulher vítima mas, de seus filhos que com ela vivenciam essa cruel realidade, seja esta violência física, moral, sexual ou psicológica.

Os atuais esforços legislativos são louváveis e tentam minimizar este mal. Inclusive, no último dia 29/07, a Lei 14.188/2021 criou o chamado programa sinal vermelho, alterando o Código Penal em seu art. 129 e criando o art. 147-B, criando novo tipo penal de violência psicológica.

Mas sabe-se que, ainda há muito que se fazer para que tenha-se efetiva proteção da integridade dos vulneráveis envolvidos nessa trama que, espera-se um dia, possa ser assunto meramente histórico/acadêmico.

Por enquanto, o assunto é atual, relevante e continua nos mostrando que a violência doméstica é mal que parece não ter fim.

Por isso, diante de briga de marido e mulher, salve a mulher. Mas não esqueça de salvar os seus filhos.

REFERENCIAS

BRASIL, Lei 11.340 de 07 de Agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 30.07.2021.

BRASIL, Lei 14.188 de 28 de Julho de 2007. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2021/lei-14188-28-julho-2021-791620-norma-pl.html. Acesso em 30.07.2021.

ROSAS, Fabiane Klazura; CIONEK, Maria Inês Gonçalves Dias. O impacto da violência doméstica contra crianças e adolescentes na vida e na aprendizagem. Disponível em https://www.mprs.mp.br/media/areas/infancia/arquivos/impacto.pdf. Acesso em 30.07.2021.