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Audiência pública perante a Câmara dos Deputados
Audiência pública 27/05/2021 perante a Câmara dos Deputados
Maria Berenice Dias Advogada e vice presidente do IBDFAM
Projeto de Lei 4.302/2016.
Acrescenta um parágrafo ao artigo 1º da Lei 9.278/1996:
É vedado o reconhecimento de união estável conhecida como “união poliafetivas” formada por mais de um convivente.
Audiência pública 27/05/2021 perante a Câmara dos Deputados
Gostaria de cumprimentar o Deputado Alexandre Padilha pela iniciativa de realizar esta audiência pública, para tratar de tema tão sensível, como o são todas as questões que envolvem as relações afetivas.
De primeiro cabe consignar que existe um erro técnico no projeto de lei, pois pretende acrescentar um parágrafo a lei que não mais se encontra em vigor.
A Lei 9.278/1996 foi absorvida pelo Código Civil, do ano de 2002, que passou a regulamentar a união estável, e que, em seu art. 1.727 estabelece:
As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
O impedimento é de algum do par ser casado e não estar separado de fato.
Além disso, a proposta acaba com a união estável, pois não reconhece a união formada por “mais de um” convivente. Ou seja, duas pessoas não constituem uma união estável!
Também na questão de fundo, a proposta legislativa é de todo inadequada.
O fato é que - historicamente - sempre houve enorme resistência do legislador pátrio em reconhecer como família as uniões constituídas sem o selo do casamento.
Levou 70 anos até ser reconhecida a união estável, que antes era chamada de concubinato e depois de sociedade de fato.
Claro que durante todo este período as mulheres restavam sem nada quando da separação ou da morte do companheiro. Não tinham direito a alimentos, partilha de bens ou direitos sucessórios.
Foi a Constituição da República que, seguindo as pegadas da jurisprudência, reconheceu a união estável como entidade familiar.
Ou seja, são reconhecidas como família as uniões que se constituem em razão de um vínculo afetivo.
Assim é possível afirmar que a Constituição emprestou proteção jurídica ao afeto.
E esta nova concepção foi o que fez o Supremo Tribunal Federal, há 10 anos, reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar.
Para o reconhecimento de uma união estável é necessário comprovar que se trata de uma união: pública, continua e duradoura, com a finalidade de constituir família.
Assim, presente estes requisitos, não há como simplesmente dizer que não elas não existem.
Ainda quando o homem - sempre ele - mantenha duas entidades familiares concomitantes. É uma realidade que existe e sempre existiu. E não atribuir responsabilidades a quem mantém um casamento e uma união estável – ou duas uniões estáveis - é um verdadeiro incentivo a quem assim age: não pega nada!
O mesmo se diga com relação às uniões poliafetivas em que mais de duas pessoas, de forma até mais transparente e autêntica, constituem uma entidade familiar.
Esta também é uma realidade que existe - e sempre existiu - e não ver, não reconhecer direitos e nem impor obrigações entre seus integrantes é a forma mais perversa de condenação à invisibilidade, circunstância que gera enormes injustiças.
Reconhecer estas famílias não afronta e nem compromete as demais estruturas de convívio. Não afronta o tal do princípio da monogamia que nem princípio constitucional é.
Quem quiser manter uma família pelo casamento, que o faça.
Quem quer manter uma união estável, também.
São vínculos que geram obrigações recíprocas.
Ora, o fato de alguém manter duas ou mais entidades familiares, ou uma entidade familiar entre mais pessoas, que também o faça. Mas terá que assumir as responsabilidades decorrentes. Sob pena de a lei incentivar estas práticas. E não as punindo, como parece ser o que pretende a proposta legislativa ora em debate.
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