Artigos
Convivência familiar: os desafios da guarda compartilhada em tempos de pandemia
FAMILY LIVING: THE CHALLENGES OF SHARED CUSTODY IN PANDEMIC TIMES.
Heloisa Amabile Faleiros Guariente[1]
Fernanda Martins Simões[2]
Resumo
Dada a importância da convivência familiar, sejam em tempos convencionais ou pandêmicos, o tema é amplamente debatido e desenvolvido constantemente. O Direito de Família tem por base principiológica o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar e não distante, o macroprincípio do melhor interesse da criança. Essa ideia não se alterou, mas é necessário atualmente considerar o fator adaptação aos novos moldes sociais impostos. Em tempos de crise como o vivenciado, o tema de guarda compartilhada e convívio paterno-filial ganhou ainda mais relevo, na tentativa de trazer soluções a fim de preservar o direito fundamental à saúde de todos, de acordo com as recomendações médicas, sem perder o foco da necessária preservação dos vínculos afetivos, do cuidado e da sensibilidade diante das peculiaridade trazidas por cada arranjo familiar. São tempos de distanciamento social, mas não de distanciamento familiar. Para tanto, são empreendidos esforços, seja na seara judicial ou legislativa, para evitar a suspensão de visitas ou a determinação imediata da guarda unilateral para um dos genitores. Para a edificação da pesquisa foi adotado o método de análise bibliográfica e jurisprudencial, bem como posicionamentos doutrinários. Como se vê, apenas em casos excepcionais que a suspensão do convívio deve ser intentada. A regra é a manutenção da guarda compartilhada, das visitações já regulamentadas, da continuidade do convívio entre pais e filhos, da responsabilidade parental, do diálogo e do cuidado.
Palavras-chave: Convivência Familiar. Guarda Compartilhada. Pandemia.
Abstract
Given the importance of family life, whether in conventional or pandemic times, the topic is widely debated and developed constantly. Family law is based on the constitutional principle of the dignity of the human person, of family solidarity and not distant, the macroprinciple of the best interest of the child. This idea has not changed, but it is now necessary to consider the adaptation factor to the new social molds imposed. In times of crisis like the one experienced, the theme of shared custody and paternal-filial coexistence gained even more importance, in an attempt to bring solutions in order to preserve the fundamental right to health of all, according to medical recommendations, without losing focus on the necessary preservation of affective bonds, care and sensitivity in view of the peculiarities brought by each family arrangement. These are times of social distance, but not of family distance. To this end, efforts are made, whether in the judicial or legislative area, to avoid the suspension of visits or the immediate determination of unilateral custody for one of the parents. For the construction of the research, the method of bibliographic and jurisprudential analysis was adopted, as well as doctrinal positions. As can be seen, it is only in exceptional cases that the suspension of coexistence should be attempted. The rule is the maintenance of shared custody, visits already regulated, continuity of interaction between parents and children, parental responsibility, dialogue and care.
Keywords: Family living. Shared custody. Pandemic.
INTRODUÇÃO
Diante do contexto da pandemia, a complexidade das relações familiares aumentaram, exigindo ajustem a adaptação do arranjo familiar, ainda mais diante do tema guarda de filhos.
O tempo atual é marcado por recomendações médicas, distanciamento social, crises financeiras, escolas fechadas, rompimento de relacionamentos, pedidos judiciais de alteração de guarda, aumento do ônus do genitor detentor da guarda, maior demanda dos filhos que estão reclusos em casa, mas, ao mesmo tempo, é uma fase de adaptação, descoberta, maior diálogo, busca da empatia, fortalecimento de vínculos familiares, valorização do tempo em família e um olhar diferenciado sobre o bem-estar individual e coletivo. O hoje é tempo de repaginar o habitual Direito das Famílias.
Tão verdade que foram vividas várias fases neste contexto de pandemia e entendimentos diversos de qual seria a melhor alternativa para a preservação do macroprincípio do melhor interesse da criança e, não tão distante, do princípio da afetividade e da convivência familiar.
A dúvida reside em como ponderar a seguinte equação: filhos que desejam ter convívio com o genitor não residente, pais que, em contraposto, detém interesse na guarda unilateral e suspensão do direito de visitas do outro genitor, visando o não contágio da família em razão deste trânsito do filho em residências distintas e preservação da saúde de todos os familiares, sejam eles de grupo de risco ou não.
Neste aspecto, perante a alta demanda pandêmica de pedidos, o Poder Judiciário se deparou com a reflexão de qual a melhor saída para a preservação dos vínculos afetivos familiares, sem prejudicar a formação do menor e, a partir disso, necessária a análise de cada caso concreto dos arranjos familiares, visando a regra que existia, ou seja, a guarda compartilhada entre os genitores do filho, devendo utilizar para tanto, do bom senso de todas as partes.
ASPECTOS DA GUARDA COMPARTILHADA E O CULTIVO DO AFETO EM TEMPOS DE COVID-19
O dia 13 de março de 2020 certamente foi um marco histórico em que deu-se uma nova realidade, um novo molde em que o Direito das Famílias, a partir de então, passou a pautar-se e estruturar-se. Existia uma forma de entender cada arranjo familiar e sua dinâmica e, atualmente, neste contexto pandêmico, demanda-se uma compreensão mais sensível e diversa. Partindo dessa noção, leciona José Fernando Simão:
O dia 13 de março de 2020, foi para o Brasil, o último dia de uma antiga realidade que vou chamar de realidade A. A realidade A era pautada por um sonho, vivíamos um sonho de abundância e felicidade perpétuas em que o adjetivo INCURÁVEL tinha sido riscado do Dicionário. Na realidade A, o direito de família era o da filosofia dos estetas: belo e fantasioso. Cheio de glamour e de premissas frágeis. Na época de abundância, em que o homo sapiens se sente eterno, há muito espaço para a filosofia e pela busca da felicidade em um mundo hedonista. (SIMÃO, 2020, p. 3).
O Direito das Famílias, em sua essência, foi construído sob pilares que sempre demandaram atualização, seja pela rápida evolução da família, seja pelas demandas urgentes advindas das relações parentais. Portanto, no passado existia um contexto, descrito por alguns como a “bellé epoque”, hoje prevalece uma nova realidade transitória e, em tempos futuros, existirá um inteiramente novo, mas, para compreensão de toda essa evolução passa-se a uma análise contida da precedente realidade.
Em tempos de outrora, com a promulgação da Carta Magna, houve sinais eloquentes da família-instrumento, da individualização do arranjo familiar e de suas particularidades, ou seja, da consolidação da família democrática. Deu-se a valorização da pessoa humana, do princípio da afetividade e do caráter eudemonita. É neste sentido que a autora Ana Carolina Brochado Teixeira apregoa que:
Busca-se uma família mais livre, sem massificação, com valorização da liberdade individual mas também da reciprocidade, com uma vivência mais solidarista, em cada qual pensa e vive a família como resposta às suas aspirações de desenvolvimento pessoal, mas também com base na ajuda mútua e no diálogo. A família solidarista é o novo paradigma, que vem substituir o da família patriarcal. Não é mais o patrimônio o valor fundamental, mas sim, a pessoa humana. (TEIXEIRA, 2005, p. 34).
A partir desse viés democrático, adveio a ideia fundamental de preservação da igualdade parental com a priorização da guarda compartilhada, uma vez que esta serve como regra no ordenamento nacional. Mesmo com o rompimento e discordância dos pais, mesmo com a fragilidade emocional existente, ambos permanecem detentores do poder familiar (lembrando-se que guarda difere-se do poder familiar). Assim, não havendo motivo que configure risco ao menor ou que desabone a figura parental, o vetor deve ser a preservação do convívio com ambos os pais como garantia ao pleno desenvolvimento do filho.
Com a lei 13.058/2014, a preferência legal foi marcada pelo compartilhamento (art. 1.583,
O melhor interesse da criança e do adolescente é a diretriz que se deve perseguir na atuação da autoridade parental e traduz princípio constitucional extraído da interpretação conjunta do art. 227 da Constituição Federal e do art. 3.1 da Convenção sobre direitos da Criança. Isso significa dizer que, embora o melhor interesse deva ser investigado no caso concreto, tem-se que, como núcleo essencial a preservação e o exercício dos direitos fundamentais dos filhos por meio da relação parental. (TEIXEIRA; DADALTO, 2019, p. 41).
De fato, a família deve ser encarada como um instituto que garante igualdade entre cônjuges e, principalmente, aos filhos. Anteriormente, a convivência contínua das crianças e adolescentes com os pais e avós, era algo a ser alcançado incansavelmente, visando a formação saudável dos menores. Porém, a contemporaneidade, é marcada por escolhas trágicas, advindas de um mundo pandêmico e de confinamento, onde a Covid-19 é transmitida por conhecidos próximos e, muitas vezes, pelos familiares que mais amamos. É um modelo atípico, temporário, mas que desafia os modelos tradicionais aplicados (SIMÃO, 2020, p. 5).
É uma complexidade intensa, de valores e interesses a serem ponderados, sejam eles individuais e coletivos, cada qual com sua importância. A pandemia exige, ainda, condutas excepcionais, para a manutenção do confinamento social, resguardando a priori a saúde e interesse público, mas atentando-se ao bem maior, que é a preservação dos vínculos familiares. A solução dos conflitos atuais sobre a convivência física de pais e filhos não residentes, por certo, tem por base a análise das peculiaridades do caso concreto, mas a problemática vai muito além da máxima “cada caso é um caso.”
Muitas foram as fases – e distintas – vividas ao longo da pandemia, com interpretações diversas do que configura a melhor solução para cada família, permeado por decisões arbitrárias e unilaterais de genitores que limitavam o convívio do filho com o outro genitor não detentor da guarda.
No início da pandemia, pais desejavam a guarda unilateral do filho, por tempo indeterminado, visando o não contágio da família e o contato simultâneo entre familiares de mais de um núcleo familiar, sendo que muitos utilizavam desse pretexto sanitário como respaldo para a prática de Alienação Parental, prevista na Lei 12.318/2010. Neste início, decisões liminares foram concedidas, mantendo o status quo da criança (GIMENEZ, Conjur) e mesmo o CONANDA expediu recomendação acerca do tema em 25 de março de 2020, traçando critérios para a solução dos conflitos de convivência paterno-filial:
- recomenda-se que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência - previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. (CONANDA, 2020)
Com o passar do tempo e a continuidade da pandemia, a limitação da convivência com um dos genitores definitivamente não se apresentou a solução mais salutar, trazendo danos tanto ao genitor confinado ao filho, alimentando incertezas sociais e econômicas vivenciadas, tempo indefinido de afastamento do outro genitor, angústia vivenciada pelo menor, privação de alimento, diminuição ou perda do vínculo paterno-filial de afeto e risco das crianças permanecerem nas ruas sozinhas, sem escolas, como bem defende a magistrada Angela Gimenez, e, por esta perspectiva:
Os juízes passaram, então, a apreciar cada pedido de convívio sob a ótica do modelo legal vigente, que é o compartilhamento do tempo dos filhos com seus dois genitores e, não havendo diferenciação das condições entre pais e mães, tais como a ausência de comorbidades, a custódia física de ambos restou garantida, sempre com a adoção dos cuidados de higiene e de prevenção recomendados pela OMS e as autoridades nacionais. Percebeu-se, também, que não se podia generalizar a situação dos avós, porque ser avô não é sinônimo de ser idoso, ante à existência de um grande contingente de jovens avós. Esse mais um fator a ser verificado caso a caso. (GIMENEZ, Conjur)
Neste ponto, válida a ressalva de que a resposabilidade parental perante o filho persiste. Nas mais variadas casuísticas, é necessário avaliar o grau de risco de contaminação do Coronavírus apresentado pelo genitor, antes de se pensar em impor limites à guarda compartilhada, até mesmo para evitar o ônus a apenas um dos genitores, visando o melhor interesse do menor, como se vê:
PODER JUDICIÁRIO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1008329-06.2020.8.11.0000 AGRAVANTE: GREICE KELLY SILVA DOS SANTOS AGRAVADO: ANDERSON FERREIRA DA SILVA DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA – NÃO CONHECIMENTO POR AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ARTIGO 1.016 DO CPC – ARGUIÇÃO INFUNDADA - PRELIMINAR REJEITADA – ACORDO PELA GUARDA COMPARTILHADA – ALTERAÇÃO PARA A MODALIDADE UNILATERAL – MANUTENÇÃO DOS FILHOS COM O AGRAVADO DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19 – RISCO DE CONTAMINAÇÃO NO TRABALHO PELA AGRAVANTE - NÃO COMPROVAÇÃO - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO. Se foram cumpridos os requisitos elencados nos incisos I, II e IV do artigo 1.016, do CPC, não cabe arguir o não conhecimento do Recurso. Não se justifica privar a agravante de ver os filhos durante a pandemia do Coronavírus pelo simples fato de trabalhar em hospital, se não demonstrado que, em razão da atividade que exerce, os exponha ao risco de contrair a doença, até porque não há data prevista e nem muito menos definida para que essa situação termine. Diante disso, impõe-se a manutenção da guarda compartilhada acordada judicialmente na Ação de Divórcio. (BRASIL, TJ-MT - AGR: 10083290620208110000 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 24/06/2020, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/06/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA UNILATERAL A FAVOR DO GENITOR. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. ÔNUS PROBATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Nas ações em que se discute a guarda de menor, preponderam os interesses da criança ou do adolescente quando em confronto com quaisquer outros, inclusive os dos pais. 2. Inexistindo prova cabal nos autos que desaconselhe a permanência da criança no ambiente familiar paterno ou motivo grave que justifique a alteração da situação fática com a qual a criança se encontra adaptada, deve ser mantida a guarda com o genitor, estando o menor está de fato sob seus cuidados faz 08 (oito) anos. Desta forma, a manutenção da sentença é medida que se impõe. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (BRASIL, TJ-GO - APL: 00290277120118090113, Relator: SIVAL GUERRA PIRES, Data de Julgamento: 29/07/2020, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 29/07/2020)
Um dos ingredientes para que o bem-estar familiar prevaleça é o diálogo, a adaptação, e o bom-senso dos pais, evitando-se prejuízos definitivos na vida do indivíduo infanto-juvenil em consequência deste contexto temporário e fugaz.
Desta maneira, um efeito colateral da pandemia é o aumento expressivo do uso da tecnologia é não seria diferente na dinâmica das relações familiares. A fim de evitar a suspensão de visitas de genitores, uma eventual alteração na guarda do menor, ou rompimento dos vínculos afetivos, uma alternativa tem sido o uso do contato virtual, seja por meio telefônico, uso de aplicativos, videoconferência, entre outros.Este é o entendimento jurisprudencial majoritário:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VISITA PATERNA AOS FILHOS MENORES. COVID-19. VISITAS NO MODO VIRTUAL. O convívio com o pai não guardião é indispensável ao desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes. Situação excepcional configurada pela pandemia de COVID-19 e recomendação do Ministério da Saúde para manutenção do distanciamento social que apontam para o acerto da decisão recorrida, ao determinar contato do pai com o filho por meio de visita virual diária, pelo menos por ora. Medida direcionada não só à proteção individual, mas à contenção do alastramento da doença. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (BRASIL, Tribunal de Justiça do RS, Agravo de Instrumento Nº 70084141001, Sétima Câmara Cível, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020, Data de Publicação: 17/04/2020).
A regra, portanto, é o esforço para a manutenção do convívio paterno-filial e apenas em casos excepcionais, em que o contato físico entre pais e filhos configure risco à saúde da família, poderá haver a suspensão temporária da convivência presencial, como é o caso dos profissionais da saúde que estão na linha de frente da pandemia. (TARTUCE, 2020, p. 167)
UM OLHAR DA GUARDA ALTERNADA NA PANDEMIA
Embora a vivência atual pandêmica traga novas demandas, algumas problemáticas jurídicas perduram-se como é o caso da confusão diante da aplicação da guarda compartilhada e da guarda alternada. Como se sabe, a guarda alternada não tem previsão legal no ordenamento brasileiro, sendo que a regra do regimento pátrio é a guarda compartilhada e a aplicação do convívio paterno-filial “de forma equilibrada”, e, neste sentido, destaque-se o entendimento jurisprudencial:
GUARDA. Ação proposta pela genitora contra o genitor. Sentença de parcial procedência, fixando a guarda compartilhada da filha, com residência de referência fixada no lar paterno. Inconformismo da ré/genitora. Confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada. Guarda compartilhada que pressupõe a divisão da responsabilidade legal sobre a prole e uma residência fixa. Instituto diferente da guarda alternada, onde a menor reside, alternadamente, durante determinado período de tempo com o pai e outro com a mãe. Guarda compartilhada que não pressupõe o compartilhamento do tempo entre os genitores. Genitora que alega possuir melhores condições de cuidar da filha e requer a fixação da guarda unilateral em seu favor. Guarda compartilhada que foi bem fixada na r. sentença e se mostra benéfica à menor. Conflitos existentes entre as partes que são pontuais e não inviabilizam o exercício da guarda nessa modalidade. Partes que devem se esforçar em benefício da menor. Criança que está residindo com o pai há cerca de 04 anos, após a mãe a ter entregue, durante um período de vulnerabilidade. Apesar de não existirem fatos que desabonem a autora, é certo que a menor já se encontra adaptada ao lar paterno, sendo benéfica a sua manutenção. Genitor que presta todos os cuidados necessários à filha. Decisão que leva em conta os interesses da menor. Manutenção da r. sentença que é de rigor. RECURSO NÃO PROVIDO. (BRASIL, TJ-SP - AC: 10142231520188260032 SP 1014223-15.2018.8.26.0032, Relator: Ana Maria Baldy, Data de Julgamento: 08/10/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/10/2020)
O marco de 13 de março de 2020 não trouxe significativas alterações no que tange à importância da guarda compartilhada em detrimento da guarda alternada, sendo que aquela pressupõe uma qualidade no exercício do poder familiar, e não a mera posse física dos filhos que terminam confinados em duas moradias distintas. Com a guarda compartilhada os pais efetivamente participam das decisões fundamentais na vida do filho, com a divisão de tarefas e deveres advindos do menor (MADALENO, 2020, p. 458).
A aplicação da guarda compartilhada na prática gera confusão, ainda mais que fala-se em responsabilização conjunta dos genitores e tempo de convívio equilibrado para com os filhos, sem quecontudo sejam ditados os critérios objetivos e concretos de como efetivar esse tipo de guarda.
Na guarda alternada, ainda que não haja expressa disposição normativa, sua aplicação se mostra mais simplificada, com a distribuição de tempo da guarda, a cada semana com um genitor. O filho, neste critério, tem como referência de casa tanto a residência de ambos pais, o que tem gerado severas críticas a este modelo, ainda mais para a formação do menor, que é chamado por alguns de “criança mochila”.
Na guarda compartilhada há distribuição, a partir das condições do caso concreto, entre os pais das responsabilidades advindas do filho, semana a semana, sem deixar de assumir sua responsabilidade parental, há um equilíbrio da distribuição de tarefas, enquanto que na guarda alternada se vê distribuição de tempo em que, quando o filho está com determinado genitor, este é possui responsabilidade exclusiva por suas demandas e seu cuidado.
Feitas estas inserções, noções básicas trazidas que vinham mesmo em tempos pretéritos da pandemia, com a Lei 13.058/2014, da Guarda Compartilhada. Em decisão recente, mostra-se cristalina a ideia de que se mantem a regra da guarda compartilhada, sendo que a guarda alternada configura prejuízos ao pleno desenvolvimento do indivíduo infanto-juvenil:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Modificação de guarda combinada com declaratória de prática de alienação parental – Genitora em face do genitor, este último titular da guarda da filha menor de ambos – Tutela de urgência – Fixação de guarda alternada (15 dias com cada genitor) ou subsidiariamente, obrigar o genitor a cumprir com o regime de visitas fixados anteriormente, determinando, ainda, a realização de estudo psicossocial com as partes – Decisão que negou a medida – Insurgência da genitora/autora – Alegação de que a guarda alternada melhor atenderia aos interesses da criança – Descabimento – Guarda alternada que não se confunde com guarda compartilhada – Alternância de residências que, na primeira infância da menor, é medida que prejudica a sua sadia e integral formação – Impossibilidade de realização de visitas e do estudo psicossocial que esbarrou no impedimento físico oferecido pela pandemia – Decisão mantida – AGRAVO DESPROVIDO. (BRASIL, TJ-SP - AI: 21709553520208260000 SP 2170955-35.2020.8.26.0000, Relator: Miguel Brandi, Data de Julgamento: 19/03/2021, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/03/2021)
Em sentido contrário, José Fernando Simão discorda desta ideia, defendendo que:
Pode-se, ainda, seguir a sugestão de João Aguirre, neste momento de suspensão de aulas presenciais e de ensino à distância. Permitir às crianças que residam 15 dias com o pai e 15 dias com a mãe, já que boa parte das pessoas se encontra em home office. Isso tem duas vantagens: a criança convive com pai e mãe e não fica afastada de nenhum deles por período longo, o deslocamente se dará duas vezes por mês apenas (o que o confinamento permite), e ajuda pai e mãe a produzirem em home office, pois terão os 15 dias do mês sem a preocupação com os cuidados que os filhos exigem. (SIMÃO, 2020, p. 6)
Noutro vértice, com a finalidade de instituir normas de caráter transitório e emergencial das relações jurídicas de Direito de Família, foi proposto o Projeto de Lei n° 2.947, de 2020, em que, traz como alternativa:
Art. 5º O regime de convivência de crianças e adolescentes, qualquer que seja a modalidade de guarda, fica mantido durante o período de quarentena ou isolamento social.
§ 1º Na hipótese de suspensão das atividades escolares presenciais, a convivência poderá ocorrer tal como no período de férias, ou com o agrupamento dos dias de convivência.
§ 2º Em circunstâncias absolutamente excepcionais e em atenção ao melhor interesse da criança, poderá haver a suspensão judicial ao regime presencial de convivência por prazo não superior a 30 (trinta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta), garantindo-se o convívio telepresencial por meio virtual e, em sua ausência, por telefone. (Site do Senado)
Por assim dizer, as inovações legislativas trazem como exceção a suspensão da convivência de qualquer dos genitores, enquanto que as decisões judiciais tem seguido a mesma linha de tempos de outrora, visando o melhor interesse da criança e sua sadia formação, independentemente de complexidades atuais apresentadas pela pandemia, conduzindo esforços no sentido de promover a guarda compartilhada do filho e o diálogo entre os genitores, contudo, medidas diversas tem sido pensadas visando a prevalência da convivência familiar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, soluções alternativas tem sido buscadas para a prevalência da convivência familiar no contexto de pandemia, seja pela convivência física, quando possível, ou por meio da convivência virtual, com o uso de aplicativos, ligações de vídeo e telefônicas entre o genitor e o filho. Em casos excepcionais, em que o diálogo não se dá, a busca pela judicialização deve ser intentada. Mas, o ideal é sopesar não apenas os interesses parentais ou mesmo visar imoderadamente o isolamento de cada núcleo familiar, mas visar uma solução mais ponderada em que os direitos fundamentais da população infanto-juvenil sejam preservados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Pós-graduanda pela FEMPAR – Universidade Positivo - Londrina/PR. Graduada em Direito, pela Universidade Estadual de Londrina, email: heloisa.guariente@gmail.com.
[2] Mestre em Direitos da Personalidade pelo Centro Universitário de Maringá/PR (CESUMAR). Especialista em Direito Aplicado pela EMAPAR e em Direito de Família e Sucessões pela UEL. Docente na Universidade Positivo - Faculdade Londrina/PR. Advogada e sócia do IBDFAM.
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