Artigos
Adoção internacional: vista pelo sistema jurídico brasileiro -International adoption: viewed by the brazilian legal system
Karoline Fernanda P. Marques [1]
Resumo
Neste artigo procurar-se-á analisar, brevemente, o instituto da adoção internacional e explicar como o processo funciona na prática, mostrando desde o que as legislações brasileiras discursam sobre o tema, as dificuldades, a adoção no Brasil através da história para então abordar como funciona a adoção de crianças estrangeiras na prática, cujas informações foram extraídas nos dias 25 e 30 de março de 2021, via e-mail e entrevista oral, com a empresária carioca Maria Klien, de 40 anos, que adotou a sua filha Ava Glory Klien Machado, atualmente com 7 anos, no Malawi, país africano quando ela tinha 4 anos, após 5 meses de processo.
Palavras-chave: Adoção Internacional. Convenção de Haia. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Abstract
In this article, it had been looked to analyze, briefly, the international adoption and to explain how the process work in practice, showing the brazilian speech based in our legislation, the difficulties and the adoption in Brazil beyond the history so to finally approach the adoption of foreign children. The informations were taken in 2021, March 25th and 30th, by e-mail and interviews with the businesswoman Maria Klien. She has 40 years old, lives in the Rio de Janeiro and adopted Ava Glory Klien Machado, actually with 7 years old, in Malawi, african country, when she was 4 years old, after 5 months of process.
Keywords: International Adoption. Hague Convention. Statute of the Children and Adolescents.
1. INTRODUÇÃO
O presente Artigo Científico tem como objetivo de pesquisa a Adoção Internacional e a sua implementação no ordenamento jurídico, focando na legislação que permite que brasileiros adotem crianças de outros países. O foco deste estudo, é mostrar como funciona a adoção internacional na prática, com opiniões e experiências de quem passou pelo processo.
Com a evolução do Direito de Família, novas perspectivas acerca da formação de novos estilos de família vem ganhando repercussão e proteção no sistema jurídico brasileiro. Não se pode falar que o Estado visa apenas a composição familiar clássica oriunda de um período arcaico cuja esta era composta de um casal que tinha na figura do homem a masculinidade de ser o provedor do lar, e na figura da mulher o ser capaz de gerar, educar os filhos e manter a casa sempre cuidada. Com a evolução social, a família brasileira ganhou configurações diversas e uma das maneiras de realizar o desejo da maternidade e/ou paternidade é através da adoção. A adoção é um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil, onde a posição de filho será definitiva e irrevogável, como dito por Maria Helena Diniz, em sua obra “Curso de Direito Civil Brasileiro”:
“A adoção é, portanto, um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será definitiva ou irrevogável [...]”. (DINIZ, Maria Helena, 2009)
A adoção deve ser feita por maior de 18 anos, independente do estado civil, desde que exista uma diferença mínima de dezesseis anos entre o adotante e o adotado.
Historicamente, o instituto da adoção passou por diversas mudanças no âmbito legislativo, originando a necessidade de dar continuidade à família. Na legislação brasileira, cabe ao Estatuto da Criança e do Adolescente dispor acerca da legitimidade da adoção, prezando sempre para que prevaleça os direitos e o melhor para a criança, artigos como o 39 e 42 da Lei 8.069 conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.
Adoção internacional está promulgada no artigo 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz:
Considera-se adoção internacional aquela na qual o pretendente possui residência habitual em país-parte da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada pelo Decreto n o 3.087, de 21 junho de 1999, e deseja adotar criança em outro país-parte da Convenção. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
A adoção internacional ocorre quando todos os meios para manter a criança em seu país natal foram esgotados. Cabe ao Estatuto da Criança e do Adolescente juntamente com a Convenção de Haia, promulgada no dia 29 de maio de 1993 - que se aplica apenas às adoções realizadas entre países ratificantes - onde logo em seu preâmbulo destacam-se a necessidade dos países ratificantes reconhecerem que, para o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade, a criança deve crescer em meio familiar, em clima de felicidade, de amor e de compreensão. Recordando que cada país deve tomar, com caráter prioritário, medidas adequadas para permitir a manutenção da criança em sua família de origem, reconhecendo que adoção internacional surge para apresentar a vantagem de dar uma família permanente à criança que não a tenha em seu país de origem. Todos os países que integram a Convenção são responsáveis por prever medidas que garantam que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como devem prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças.
Quando a adoção internacional ocorre com algum país que não aderiu a Convenção de Haia, a adoção se faz possível seguindo o que prevê o artigo 52-D do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n° 8.069, de 13 de junho de 1990. Onde, nesses casos, não há intervenção das autoridades centrais quando um dos países não for ratificante da Convenção. O artigo 52-D do ECA abre três possibilidades diferentes para pretendentes residentes no Brasil que desejam adotar uma criança que resida em país não ratificante da Convenção, é importante que os pretendente conheçam a lei do país de origem da criança, uma vez que é essa lei que indicará a melhor opção:
- Adoção a partir do Brasil: se o país de origem da criança permitir a adoção ocorrendo no Brasil, o adotante deverá requerer a habilitação para a adoção, seguindo os moldes da adoção nacional. Feita a habilitação, a documentação deverá ser traduzida e enviada ao país de origem da criança diretamente pelo adotante. Após a conclusão do processo de adoção no exterior é emitida a nova certidão de nascimento da criança, que deve ser registrada no consulado Brasileiro mediante a homologação da sentença estrangeira no Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme as regras do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
- Adoção no exterior: se a legislação de origem da criança permitir, a adoção poderá ser requerida diretamente no exterior, sem que haja necessidade de habilitação prévia no Brasil. É preciso verificar se o país de origem permite que visitantes possam adotar ou apenas residentes, sejam eles temporários ou permanentes. Concluída a adoção no exterior e emitida a nova certidão de nascimento da criança, ela deve ser registrada no consulado Brasileiro mediante a homologação da sentença estrangeira no Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme as regras do MRE.
- Conclusão da adoção no Brasil: em alguns países, existe a possibilidade que a adoção da criança seja concluída no país de acolhida (neste caso o Brasil). Nesses casos, o pretendente, ou os pretendentes, podem viajar com a criança para o Brasil antes de concluída a adoção. A criança deverá então ser submetida às regras de vistos aplicáveis aos nacionais do seu país. Quando cabível o pedido de visto, deverá ser feito junto ao consulado brasileiro, seguindo as regras do MRE. Ao chegar ao Brasil, a adoção deverá ser requerida na vara da comarca de sua residência e processar a adoção nos termos da adoção nacional.
Esse estudo visa a pesquisa do processo de adoção internacional entre países que ratificaram a Convenção de Haia.
2. NOÇÕES GERAIS SOBRE A ADOÇÃO NO BRASIL
Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227 § 5º está previsto a obrigatoriedade de que a adoção seja assistida pelo Poder Público, que, na forma de lei, irá estabelecer casos e condições que permeiam a sua efetivação e embora ditando regras para a adoção realizada por estrangeiros, as regras aplicáveis a adoção são ditadas pelo Poder Público.
A adoção no Brasil, ganha força com a introdução do Código Civil de 1916, embora na época com muitas exigências e limitações como a necessidade do interessado em adotar ter idade superior a cinquenta anos de idade, e uma diferença mínima de dezoito anos entre o adotante e o adotado.
Percebendo a dificuldade ocasionada pela lei rígida da época, a ex-ministra Esther Figueiredo Ferraz, foi líder ativa do movimento cuja função principal era o reconhecimento da imprestabilidade do instituto de adoção seguindo aqueles moldes, foi então que foi proclamada a Lei n° 3.133, de 08 de maio de 1957 que introduziu grandes mudanças no regime de adoção, ao invés dos 50 anos permissivos anteriores, agora a permissão em adotar era concedida a partir dos 30 anos, com uma diferença de idade necessária de 16 anos.
A partir da percepção da morosidade dos processos de adoção que geram a retenção de crianças e adolescentes em abrigos e instituições encarregadas, surgem diversas iniciativas em forma de leis e projetos de leis com o intuito de reformular o sistema facilitando a introdução à convivência familiar, a exemplo do Projeto de Lei do Senado - PLS n° 394, de 2017 que dispõe sobre o Estatuto da Adoção de Criança ou Adolescente, Lei 12.010 de 03 de agosto de 2009, e a Lei n° 13.509 de 22 de novembro de 2017 também dispondo sobre a adoção. A partir dessas concisas mudanças, o instituto da adoção se torna fortalecido e passa a priorizar a inserção do adotado a uma família.
2.1. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O INSTITUTO DA ADOÇÃO
A Lei n° 9.069 de 13 de julho de 1990 é a responsável por dispor sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e suas devidas providências, desta fica a cargo do artigo de número 39 reger-se-á a respeito da adoção.
Carlos Roberto Gonçalves define a adoção como “Adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha” (GONÇALVES, 2009, p. 341).
A adoção é, portanto, um ato solene que a lei veda a sua existência por meio de procuração. Pelas normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, é necessário configurar os seguintes requisitos para que esta seja possível:
- O adotante deve ser maior de dezoito anos, independente do seu estado civil;
- Se casal, que estejam ligados por matrimônio ou união estável;
- Que seja comprovada a estabilidade familiar;
- O adotando deve ter pelo menos dezesseis anos a mais que o adotado;
- Esteja devidamente inscrito no cadastro estadual e nacional de adoção e devidamente habilitado.
Os efeitos da adoção se iniciam assim que transitado em julgado, como dito no artigo 47 da lei referida acima, o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial.
2.2. AS DIFICULDADES DA ADOÇÃO NO BRASIL
Edgar Morin define a burocracia como uma patologia administrativa em que o excesso de centralização e o excesso de hierarquia anulam toda e qualquer iniciativa daqueles que só podem obedecer:
“A burocracia pode ser considerada uma patologia administrativa em que o excesso de centralização e o excesso de hierarquia anulam toda e qualquer iniciativa daqueles que nada podem além de obedecer, o que é agravado pelo excesso de especialização que encerra cada agente em sua função”. (MORIN, Edgar, 2020)
Desde 2002, o dia 25 de maio é celebrado como o Dia Nacional da Adoção, o dia foi criado a fim de promover a conscientização e debates a respeito do assunto. Os números da adoção no Brasil são alarmantes, movidos pela busca do “filho perfeito”, o desejo por um infante específico faz com que crianças mais velhas permaneçam em abrigos e o tempo de espera na fila de adoção aumente.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (pesquisa feita no dia 11 de Dezembro de 2020, os dados podem variar após essa data) existem 30.509 crianças acolhidas, destas 5.158 crianças estão postas para adoção, o número cai perante as crianças em processo de adoção: 3.957. O número de pretendentes disponíveis é de 35.276, uma conta que não fecha. A dificuldade de fechar a conta se dá pela morosidade do processo juntamente com a seletividade dos pretendentes em adotar: 26,6% desejam uma criança branca, 11.858 aceitam crianças de até 4 anos de idade, 25,3% desejam uma menina, 60,7% querem adotar apenas uma criança e uma maioria alarmante negam crianças com: doença infectocontagiosa (93,6%), deficiência física (92,7%) e doenças aceitas (57,5%).
A espera na fila de adoção pode ser longa e durar anos, já no caso dos acolhidos, aos 18 anos precisam deixar as casas de acolhimento.
3. O BRASIL E A ADOÇÃO INTERNACIONAL
No dia 29 de maio de 1993 foi ratificado a Convenção de Haia, que unida ao Estatuto da Criança e do Adolescente configura a legalidade da adoção internacional, tanto de adotantes estrangeiros com crianças brasileiras, quanto de crianças estrangeiras por adotantes brasileiros.
A Convenção de Haia-Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional reconhece que cada país deve tomar, em caráter prioritário, medidas adequadas que permitam a manutenção da criança em sua família de origem, reconhece também que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de fornecer uma família permanente à uma criança que não possa encontrar uma família adequada em seu país de origem. As adoções internacionais devem ser feitas primeiramente, observando o interesse superior da criança e respeitando seus direitos fundamentais, a fim de prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças. São esses os objetivos da Convenção:
- Estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe conhece o direito internacional;
- instaurar um sistema de cooperação entre os Estados Contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em consequência, previna o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças;
- assegurar o reconhecimento nos Estados Contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção
O artigo 2° da CONVENÇÃO DE HAIA DE 29 DE MAIO DE 1993-Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional decreta:
A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual em um Estado Contratante ("o Estado de origem") tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado Contratante ("o Estado de acolhida"), quer após sua adoção no Estado de origem por cônjuges ou por uma pessoa residente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoção seja realizada no Estado de acolhida ou no Estado de origem.
Cabe às autoridades competentes do Estado de origem:
- Determinar que a criança é adotável;
- verificar as possibilidades de manter a criança em seu Estado de origem, e só então afirmar que uma adoção internacional atende as necessidades e interesses superiores da criança;
- tenham assegurado que as pessoas, instituições e autoridades envolvidas tenham consentido conhecendo as consequências do mesmo, como por exemplo a ruptura dos vínculos jurídicos entre a criança e a sua família de origem;
- tenham assegurado, mediante observância da idade e o grau de entendimento da criança que a mesma tenha sido orientada e informada sobre o processo, levando em consideração suas vontades e opiniões e que quando exigido o seu consentimento, tenha sido feito de maneira livre e cônscia por escrito.
As adoções só podem ser configuradas quando o Estado de acolhida verificar que os pais adotivos são habilitados e aptos para a execução da mesma, for configurado a certeza da orientação destes e garantir que a criança foi ou será autorizada a entrar e a residir permanentemente no Estado de acolhida.
No Brasil, as legislações que configuram a adoção internacional e a possibilitam juntamente com a convenção de Haia são: Primeiramente o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n° 8.069, de 13 de junho de 1990 que em seu artigo 51 fundamenta adoção internacional como:
Considera-se adoção internacional aquela na qual o pretendente possui residência habitual em país-parte da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada pelo Decreto n° 3.087, de 21 de junho de 1999, e deseja adotar criança em outro país-parte da Convenção. (Redação dada pela Lei n° 13.509, de 2017)
O Decreto n° 3.087, de 21 de junho de 1999, promulga a Convenção de Haia, Relativa à Proteção das Crianças à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional. Fica a cargo do Decreto n° 3.174, de 16 de setembro de 1999, designar as Autoridades Centrais encarregadas de dar cumprimento às obrigações impostas pela Convenção de Haia de 1993 e a regulamentação de organismos estrangeiros e nacionais de adoção internacional é feita pelo Decreto n° 5.491, de 18 de julho de 2005.
4. A ADOÇÃO INTERNACIONAL NA PRÁTICA
Após o casal de atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso adotarem uma menina e um menino, ambos malawianos, muitos olhares se abriram sobre essa vertente do direito civil, e de certa forma “humanizaram” a adoção internacional, trouxeram para mais perto da população brasileira, o que antes foi visto em casos semelhantes com as norte-americanas Angelina Jolie e Madonna. Pelo desconhecimento e falta de informação, muitos questionamentos surgem. Mas e na prática? Como se dá o processo de adoção internacional visto por alguém que passou pelo processo, afinal, o objetivo deste artigo é tornar o tema em questão o mais "palpável" possível, guiado por uma história real.
A empresária carioca Maria Klien, me concedeu uma entrevista nos dias 25 e 30 de março de 2021 onde respondeu alguns questionamentos acerca do processo de adoção internacional, sendo a primeira via e-mail e a segunda entrevista via chamada de vídeo. A primeira indagação feita foi sobre como funciona o processo de adoção na prática, a respeito disso a brasileira conta que o processo se iniciou no Brasil, e que devido a burocracia o processo se estendeu demais. Ela frisa o momento em que descobriu que o processo levaria mais tempo do que o esperado e, em uma conversa com o Juiz ouviu que o prazo de espera seria maior do que o desejado:
“Quando completou um ano de espera fomos conversar com o Juiz que nos disse para “nos prepararmos para uns 5 anos de espera”!!! Aquelas palavras foram uma faca no meu peito. A essa altura eu já sentia que minha filha(o) - não sabia se seria uma menina ou menino, apesar de que já sonhava com minha filha (o) - estava me esperando”. (KLIEN, Maria)
Após perceber sobre a morosidade do processo de adoção no Brasil, ela começou a pesquisar a adoção em outros países, a sua ideia inicial era adotar uma criança da Síria, mas, a ONU não permite adoção de crianças em países que estão em guerra, partindo do princípio de que as famílias podem vir a se encontrar após a guerra:
“Minha primeira opção era adotar uma criança da Síria, devido a guerra existem muitos órfãos sofrendo e isso me parte o coração. Porém a ONU não permite adoção em países que estão em guerra, partindo do princípio que as famílias podem vir a se encontrar após a guerra”. (KLIEN, Maria)
Quando a Síria foi descartada pela impossibilidade de adotar, a brasileira, ao ver um filme ela conta de outro país em que, por questões burocráticas, a adoção também não foi possível:
“Então, como tinha visto um filme sobre um órfão na Índia, achei que lá seria o país onde encontraria meu filho (a), mais uma vez fui frustrada pela burocracia das castas etc. Se era para esperar e lidar com a burocracia, minha escolha então seria insistir no Brasil”. (KLIEN, Maria)
Os atores Giovanna e Bruno também tiveram ligação no caso do processo de adoção vivido por Maria, como mostrado em outro trecho da entrevista:
“Mal sabia eu que o Universo já tinha tudo preparado para meu reencontro com a Ava. Um amigo conhecia o Bruno e a Giovanna, pais da Titi e promoveu o encontro com eles e com o Rafael Lima, advogado deles que com muita eficiência e mais carinho ainda nos ajudou a entender o processo no Malawi. Desse dia foram 5 meses até o dia da audiência no Malawi”. (KLIEN, Maria)
4.1. O MALAWI E A ADOÇÃO INTERNACIONAL
Localizado na África, o Malawi é considerado um dos países mais pobres do planeta, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) mais da metade (55%) dos 18 milhões de habitantes sobrevivem abaixo da linha de pobreza. A população malawiana sofre com diversos problemas socioeconômicos, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país é um dos menores do mundo: 0,385. A subnutrição atinge 29% da população do país e a taxa de mortalidade infantil é extremamente preocupante: são 80 óbitos a cada mil nascidos vivos. Para que a adoção internacional seja efetivada, é necessário respeitar as leis do país, no caso do Malawi, não é permitido adoção por homoafetivos, já que no Malawi a homossexualidade é crime. Solteiros também não são permitidos a adotar no país. A respeito da rigidez quanto às normas de prevenção do direito da criança, Maria Klien enfatiza a seriedade do processo, e a :
“Foi uma surpresa! Na verdade um grande aprendizado, porque eu achava que por ser um país muito pobre o processo seria uma grande bagunça, mas foi exatamente o oposto! Para você ter ideia, não pude fazer nenhuma doação em dinheiro para o Orfanato onde a Ava estava até o processo ser finalizado, porque poderia constar como suborno e eu perderia o direito da adoção. Nos pediram inúmeros documentos e também o fato de já estarmos no cadastro nacional de adoção do Brasil nos facilitou bastante. O processo demorou 5 meses, o que é infinitamente menos do que a média Brasileira. Como eles trabalham como "common law" ' como na Inglaterra, onde não existe a necessidade de cartórios porque o próprio advogado tem a competência de autenticar as assinaturas, a burocracia quase não existe”. (KLIEN, Maria)
As diferenças culturais não implicaram no processo, como mostra a empresária em alguns momentos da entrevista:
“O fato de não falar Chichewa, que é o dialeto oficial do Malawi, dificultou sim, mesmo que a grande maioria das pessoas falem inglês (lá foi colonizado pelos ingleses, até os carros tem o banco do motorista do lado direito como na Inglaterra). É claro que depois de alguns meses eu já sabia as palavras principais (até para poder me comunicar com a Ava, rs), mas não é a mesma coisa. O Rafael, nosso advogado no Brasil cuidou de tudo e nos apresentou uma advogada local que dominava a legislação o que facilitou muito sim”. (KLIEN, Maria)
Segundo ela, a parte mais “cara” do processo foram as diversas idas ao Malawi até que o processo fosse concretizado de fato:
"Para que a adoção seja aprovada os pais têm que entrar no país ao menos duas vezes ao longo do processo, não sei te dizer se precisam ser os dois porque no meu caso o Arthur, pai da Ava, esteve presente o tempo todo. Desde o momento que vi a Ava já sabia que ela era a filha que há tanto tempo esperava, por isso não conseguia mais ficar muito tempo longe dela. Como tenho a Valentina, minha filha mais velha, precisei me dividir entre Malawi e Brasil e foi o que fiz ao longo dos cinco meses do processo. Usei todas as minhas milhas e ficava 2 semanas lá e duas semanas no Brasil. Em qualquer um dos dois meu coração estava dividido, foi muito difícil”. (KLIEN, Maria)
O intercâmbio de culturas não impediu que Maria e Arthur se sentissem acolhidos pelos órgãos competentes:
“Nos sentimos acolhidos sim, apesar de ser uma outra cultura. Tiveram alguns episódios desagradáveis porque algumas pessoas têm a mentalidade de que estamos "roubando" as crianças, mas eu tenho muita compaixão porque entendo que exista o medo de não darmos continuidade à cultura mãe. O que posso te dizer é que aqui em casa honramos a ancestralidade da Ava, assim como a da Valentina. Tenho muito orgulho de ambas. E uma gratidão eterna pela África”. (KLIEN, Maria)
Após 5 meses de processo, Ava - ela não foi ouvida durante o processo de adoção - nessa época com 4 anos (o processo iniciou quando ela tinha três anos e meio) deixou de ser cidadã do Malawi para se tornar cidadã brasileira, já que o Malawi não permite dupla cidadania:
“Uma vez finalizado o processo, a criança recebe o passaporte do Malawi com visto do Brasil, regressa ao Brasil e aguarda até o TJ reconhecer que a adoção foi feita obedecendo às leis brasileiras. Uma vez que isso acontece, um dos pais (a criança não precisa voltar lá) retorna ao Malawi para então concluir a cidadania brasileira da criança. O Malawi não permite dupla cidadania, tem até uma história engraçada, o pai da Ava e eu queríamos ser cidadãos do Malawi e enfatizamos isso para a advogada de lá, levamos uma gargalhada dela na cara! rsrs Ela disse; '’só se vocês forem doidos de trocar!" A África tem esse estigma de não ser um país abundante mesmo sendo o mais abundante de todos, uma pena isso”. (KLIEN, Maria)
Ava não tinha qualquer vínculo familiar em seu país de origem, mesmo sendo da vontade dos pais conhecer a história que originou a filha deles:
“Ava foi encontrada em um casebre, sozinha. Não temos nenhuma informação da família de origem dela, por mais que eu tenha procurado muito tanto no Malawi quanto nos países vizinhos. Procurei pela mãe dela, mas não encontrei. Todo dia eu rezo para essa mãe ter paz no coração e sentir, de alguma forma, que nossa filha é uma menina linda, muito especial, carinhosa, feliz, saudável e muito amada. Sempre me emociono quando penso nisso, agora você me fez chorar”. (KLIEN, Maria)
O tabu a respeito da adoção e das origens da sua filha não fazem parte do dia a dia da família Klien, como dito em alguns trechos da entrevista:
“Somos muito transparentes, respondemos toda a verdade à medida que as perguntas vão surgindo. Ela ainda não me perguntou o porquê da mãe biológica não ter podido cuidar dela, ela fará essa pergunta quando estiver preparada para ouvir a verdade porque ela sabe que jamais vou mentir para ela. Vai ser muito doído para mim ter que dizer para minha filha que eu não sei o porquê, apesar de ser a única resposta possível, porque de fato eu nada sei sobre isso.”. (KLIEN, Maria)
O incentivo para que sua filha se orgulhe da sua história, a luta contra o racismo e a busca por representatividade fazem parte dos dias da Maria. Ao ser indagada se ela incentiva a sua filha a se orgulhar de suas origens, ela enfatiza isso:
“COM CERTEZA!! Ela sempre diz: "mamãe você precisa morrer e nascer de novo para ter uma pele brilhante igual a minha!" Tem mais fofa?“. (KLIEN, Maria)
A indaguei se a situação do país escolhido influenciou no processo de adoção, afinal, os direitos da criança tem de ser priorizados:
“Acredito que sim. A questão é priorizar a criança, acolher as famílias, e reduzir ao máximo a burocracia, mas para isso o Brasil tem que crescer muito, ainda estamos engatinhando, no que diz respeito a civilidade e responsabilidade social então! Somos recém nascidos”. (KLIEN, Maria)
Muitos pais que adotam seus filhos por meio da adoção internacional sofrem críticas de pessoas que, muitas vezes pela falta de informação, julgam quem escolhe adotar uma criança estrangeira:
“Não vejo como algo negativo (a adoção internacional), porque toda criança tem o direito de ter uma família, africana, brasileira, indiana, japonesa. O que difere é apenas o país onde essa alma nasceu, concorda? O que fica é uma frustração de não ter podido fazer isso "em casa", sabe? Tenho um Instituto e fazemos diversos projetos sociais, conheço de perto a realidade brasileira de crianças sem lar ou com lares desestruturados. Tenho o sonho de poder contribuir para que o processo de adoção aqui possa, de fato, priorizar essas crianças e não o sistema”. (KLIEN, Maria)
Por ser um país com uma legislação diferente da brasileira, e como a homossexualidade é considerado crime no Malawi, não é permitido a adoção por para pais homoafetivos e nem homens solteiros, não faz parte da
Considerações Finais
Embora seja um instituto novo e para muitos desconhecido, a adoção internacional constitui forma tradicional de parentesco civil, unindo a vontade de constituir família do adotante com os direitos de ter uma família independente das barreiras referentes a localidade. Maria Berenice Dias, trouxe, em seu conceito doutrinário a adoção como um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial:
“A adoção é um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial.
Cria um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação
biológica.” (DIAS, Maria Berenice,2013, p.497)
Não se trata, portanto, de um negócio jurídico, a adoção é um ato jurídico em sentido estrito. Ter filhos por meio da adoção já representa uma forma de realização dos desejos para as pessoas, matrimônios ou uniões estáveis sem descendência, priorizando o melhor para a criança. O instituto da adoção deixou de priorizar a realização pessoal dos adotantes e passou a prestigiar os interesses superiores da criança e do adolescente, substancialmente integrando uma célula familiar capaz de proporcionar efetiva felicidade ao adotado.
Com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e a Convenção de Haia (29 de maio de 1993), Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, que entrou em vigor no Brasil em 21 de junho de 1999, Decreto n° 3.087/1999, adotar crianças estrangeiras se tornou possível, uma vez que respeitando os direitos da criança e do adolescente e existindo cooperação entre os Estados.
Referências
FRANCISCO, Wagner de Cerqueira e. “Malauí”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/malaui.htm#:~:text=Densidade%20demogr%C3%A1fica%3A%20128%2C8%20hab,rural%3A%2080%2C74%25. Acesso em 31 de março de 2021.
JUSTIÇA.GOV. ADOÇÃO INTERNACIONAL. Procedimentos de Adoção. Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/adocao-internacional/procedimentos-de-adocao. Acesso em 31 de mar de 2021.
KLIEN, Maria. Entrevista I. [mar. 2021]. Entrevistadora: Karoline Fernanda P. Marques. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no título 4 deste artigo. Realizada em 25 de março de 2021.
KLIEN, Maria. Entrevista II. [mar. 2021]. Entrevistadora: Karoline Fernanda P. Marques. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no título 4 deste artigo. Realizada em 30 de março de 2021.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de via as lições do coronavírus, 1.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único. 5.ed. São Paulo: Método, 2015.
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