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Filho não é, nunca foi e jamais será visita
Filho não é, nunca foi e jamais será visita
Renata Silva Ferrara1
Silvia Felipe Marzagão 2
Como advogadas familiaristas, somos constantemente chamadas a orientar e auxiliar famílias em momentos de transformação. O mais comum deles é o fim da união de um casal. Quem não conhece alguém que já passou por uma separação ?
No momento em que os plano e sonhos dão lugar a uma imensa escuridão, todas as questões vêm à tona. Borbulham preocupações, angústias e expectativas. Nesse cenário, pensar a vida dos filhos, preservar e fomentar seus afetos é tarefa especialmente sensível e relevante: eles serão impactados para sempre pelas decisões tomadas ali, em meio à escuridão.
Expressões e palavras como “melhor interesse do menor”, “poder familiar”, “guarda compartilhada”, “guarda unilateral”, “visita”, “convivência”, rapidamente passam a integrar o vocabulário dos pais. Multiplicam-se as explicações, os conceitos e, muitas vezes, as disputas, os conflitos e os impasses.
Independentemente das definições jurídicas, há algo poderoso e simples que pode ajudar a clarear a escuridão. Há algo que precisa ser compreendido pela alma de mães, pais e incorporado pela sociedade: filho não é, nunca foi e jamais será visita.
Consequentemente, as palavras, “visitar”, “visita”, visitação”, “visitante” e todas as que daí derivam, precisam ser aposentadas. A conversa sobre o exercício da parentalidade no cenário pós-separação não pode ser permeada por essas palavras. Se você agora está achando que isso é frescura, mi-mi-mi e querendo interromper a leitura por aqui, você tem duas escolhas: ler até o fim e assumir a responsabilidade que lhe cabe como cidadão ou seguir fingindo que não é com você.
Se está lendo esse parágrafo, bem-vindo! Você é alguém que quer ser a mudança que espera ver no mundo. Pessoas como você são pontos de luz na escuridão que aguarda pelas próximas gerações. São esperança para que os filhos do futuro encontrem um mundo onde o cuidado não seja mais visto e sentido como uma questão de gênero. Sem isso, mudar o paradigma na parentalidade parece uma missão impossível.
Certamente você já ouviu dizer que as palavras têm poder. Isso não é novidade, mas em tempos de necessário escancaramento de obviedades, nunca é demais lembrar: a força semântica de uma palavra é capaz de moldar um pensamento, um comportamento, uma relação familiar.
Na última década, a legislação pátria deu sinais de que preza o compartilhamento de cuidados, responsabilidades, diretos e deveres na relação dos filhos com suas mães e seus pais. No entanto, ano após ano, continuamos vendo relações moldadas pela impropriedade das palavras que mencionamos acima.
O dicionário define visitar como o ato de ir ver alguém, basicamente por cortesia, no local em que se encontra. A ideia é de algo transitório, descompromissado e supérfluo, que pode ou não acontecer, sem consequências relevantes. Nem de longe, essa palavra é capaz de expressar a importância e a complexidade da relação de cuidado e da manutenção do vínculo dos filhos com ambos os genitores. Para isso, a palavra a ser usada é convivência: viver com proximidade. Oxalá ela possa logo ganhar o mundo, reinar soberana e esse texto seja apenas lembrança de tempos antigos.
[1] Renata Silva Ferrara é advogada, Conselheira Seccional da OAB/SP (2019-2021), membro da Comissão Especial de Direito de Família da OAB/SP, do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), do Grupo de Estudos de Empresas Familiares da Fundação Getúlio Vargas – DIREITO SP (GEEF - FGV - Direito SP), do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas (IBPC) e da International Academy of Collaborative Professionals (IACP), sócia em Renata Ferrara Família e Sucessões.
[2] Silvia Felipe Marzagão é advogada, mestranda em Direito Civil pela PUC-SP, membro da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB/SP, do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), diretora estadual do IBDFAM/SP, sócia em Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas
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