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A mulher na pandemia
Ufa, que cansaço!
Estressada, estafada, preocupada, mas não pode deixar a peteca cair e nem parecer histérica. Afinal, a sociedade, estruturalmente machista, nos delegou a gratificante e maravilhosa tarefa de sermos responsáveis pela harmonia do lar e das relações entre seus habitantes.
A pandemia faz vítimas lá fora e gera o aumento das atividades cá dentro. Do dia pra noite, sem qualquer treinamento, viramos professoras de nossos filhos ou netos; responsáveis pelo aprendizado escolar.
Meu Deus, como vou ensinar uma coisa que nem quando estava lá, naqueles mesmos bancos, aprendi? - “Ah...fazer o quê? Esse é o novo normal.... você é guerreira e vai conseguir... Mas, seu marido te ajuda, né? Como você, ele também está trabalhando em casa, nesse tal de ‘home Office’?”
Sem graça, na maioria das vezes, até porque o cansaço nos consome, respondemos que nossos maridos “ajudam sim...”. O constrangimento, acompanhado do desalento, é tanto que preferimos não polemizar. - “É para eles apenas ‘nos ajudar’? Se uma ajuda deve ser recebida como benesse, isso não é o mesmo que dizer que as tarefas são sempre nossas? Que devemos ficar agradecidas quando um abençoado tão bacana se dispõe a nos auxiliar?”.
Aliás, a maioria de nós, as mais modernas, não as mais novas, nos acostumamos a seguir o senso comum e comparar nossos parceiros homens com os que recusam qualquer tarefa, de casa ou com as crianças. Passamos a nos acostumar a pensar: - “ainda bem que ele participa! Não é o ideal, mas vejo tantos outros homens que não fazem nada!”. E, com esse pensamento, “passamos pano pra macho”, como diz a linguagem da juventude militante feminista.
Não gostou do termo acima? Ora, bobagem. Um pouco de humor é necessário! O que significa isso? Basta lembrar que passamos pano quando limpamos as sujeiras. Na pandemia, mais exploradas e oprimidas que o habitual, passamos mais pano ainda!
Passar pano para macho nada mais é que ser complacente com suas atitudes, tipo, justificar que “ele não assume, na casa, nenhuma tarefa porque tem um trabalho que exige muito”.Sacou?
Sofro ao ver os dados de aumento da violência doméstica na pandemia, pelo fato das pessoas passarem mais tempo juntos. O desgaste é imenso para os casais em “home office”, desempregados ou aposentados e, com a perda, parcial ou total da individualidade, a violência física, psicológica e emocional tem aumentado, nos ambientes que deveriam proporcionar acolhimento e aconchego para as mulheres.
“Caramba, como somos menosprezadas, desvalorizadas, espezinhadas!” Jovenzinha, escrevi isso, em 1979, no jornal do Cursinho onde estudava! Apesar de reconhecer avanços, caso do aumento das denúncias das violências físicas praticadas contra as mulheres e dos demais, incursos na Lei Maria da Penha, a estrutura social discriminatória, machista e misógina permanece quase que intocável!
Amigos queridos; caríssimos homens conscientes do nosso papel na sociedade, não me refiro a vocês e sim ao machismo estrutural! Tá?
Não se ofendam... Uma amiga me conta que, enquanto limpa a casa e cuida das crianças, o marido vê TV. Politizado e informado, quando ela já serve o almoço e todos comem, ele, todo sabido, comenta as notícias do dia. Como ela reage fazendo cara de paisagem, ele, inconformado, pergunta: - “nossa, você não viu isso?”.
Com ironia, a mesma amiga também conta que consegue se libertar do instinto assassino que a toma por uns dois minutos, mas que a comida quase não desce. Logo depois, já pensando “na vida pra levar”, se acalma e vai executar o trabalho externo que tem que entregar no final do dia; já antevendo as múltiplas interrupções dele e dos pequenos, igualmente estressados e fartos, por terem que ficar em casa, distantes dos amigos, sem liberdade para brincar.
- “Brinquem com o tablet, crianças, mamãe tem que trabalhar!” Pede encarecidamente a mãe, também recreadora. - “Melhor que mandar na escola e correr o risco de pegar Covid !”.
Vai condenar, mais uma vez, por ela dar o tablet? Ora, o que você faria? Poupem-nos de seus cancelamentos!
Se a pandemia durar muito mais tempo, como o panorama atual vem nos indicando, além de milhares de perdas irreparáveis causadas pelas mortes e seqüelas de conseqüências imprevisíveis, deixadas em tanta gente, ocasionadas pela falta de políticas públicas e pelos descasos dos desgovernos, a começar pelo negacionista federal, os efeitos negativos sobre todos serão incalculáveis. Sobre as mulheres, castradores, devastadores.
Na passagem do Dia Internacional das Mulheres, nesse 8 de março de 2021, quando escrevo essa quase reflexão, advertindo que não tenho a intenção de teorizar sobre a questão das mulheres, nem pensar sobre lugar de fala ou centrar no corte de classe, que sabemos ser devastador, penso que só há um jeito de solucionar tantas aberrações: juntos, “homens convertidos” e mulheres oprimidas e exploradas, promovermos a incessante, contundente e árdua contestação à sociedade patriarcal, machista e capitalista. Do jeito que der. Nesse momento, por conta da pandemia, pode ser virtual mesmo!
Mais do que comemorar, temos que mudar nossos hábitos e adotar atitudes concretas que contribuam diretamente na construção de um país e de um mundo solidário, onde prevaleça a igualdade entre os seres!
Quem sou eu? O que eu faço? Sou mulher. Nesse momento, faço o que posso!
* Cidinha (Ci) Borges é advogada atuante, mediadora de conflitos e militante dos movimentos de mulheres
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