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A Viabilidade Jurídica do Contrato de Namoro
A Viabilidade Jurídica do Contrato de Namoro
Maria Carla Fontana Gaspar Coronel,advogada no escritório Gaspar & Moreno;
Elisa Dias Ferreira, advogada no escritório Gaspar & Moreno
Resumo
O Direito é um organismo vivo em constante progresso e evolução. À medida que a população cresce e se desenvolve novos desafios surgem e as normas jurídicas precisam se amoldar para atender à realidade social. Nessa seara caminhou a regulamentação das uniões entre duas pessoas, que antes eram admitidas apenas entre homens e mulheres e hoje já se admite a união com pessoas do mesmo sexo. Se a pessoa é casada as regras já estão pré-estabelecidas. Todavia, o problema surge quando se está diante de uma união estável ou de um namoro qualificado, que nem sempre são facilmente identificáveis e podem se confundir entre si, em especial nos últimos tempos, em que casais de namorados se isolaram, por conta da pandemia de COVID-19. O objetivo do presente artigo é abordar cada um desses institutos e tratar sobre a viabilidade ou não do Contrato de Namororespaldando-se no entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema.
Palavras-chave:
União estável. Namoro qualificado. Intuito de constituir família. Contrato de namoro. Contrato de convivência.
Abstract
Law is a living organism in constant progress and evolution. As the population grows and develops, our challenges arise and the law needs to adapt to meet the social reality. In this area, the regulation of unions between two people, which previously was only allowed between men and women until today that union with people of the same sex is possible. If the person is married, the rules are already pre-established. However, the problem arises when a qualified courtship was faced with a stable union, which are not always easily identifiable and can be confused with each other. Specially during this moment, which due to the pandemic situation, caused by COVID-19, many couples are choosing living together. The purpose of this article will be to address each of these institutes and address the feasibility or otherwise of the Dating Contract supported by the jurisprudential and doctrinal understanding on the subject.
Keywords
Stable union. Qualified dating. Family formation. Dating contract. Coexistence contract.
- Breve histórico das relações a dois
Desde tempos remotos, o Direito intervemnos relacionamentos humanos, por meio de leis que trazem regulamentações, proibições, sanções e limitações, as quais refletem os valores de cada sociedade correspondente às convicções da época. Há não muito tempo atrás a igreja tinha uma forte influência sobre a sociedade e o Estado de modo que o casamento era regulado pelo direito canônico observadas as formalidades religiosas que constituíam a única modalidade de família reconhecida à época.
Todavia, com o passar do tempo e com o avanço social novas relações e modalidades de família foram surgindo abrindo espaço para as chamadas família de fato, que são aquelas que nascem de forma natural na sociedade e que se fundam em outras bases, como a afetividade e a publicidade, e não nas formalidades do casamento.
Como exemplo dessas transformações sociais e que resultaram em regulamentação posterior, podemos citar as uniões ocorridas fora dosditames legais. Até pouco tempo classificávamos tais relações como concubinato, o qual era dividido em concubinato puro entendido pela união de duas pessoas ocorrida sem impedimento matrimonial e no concubinato impuro que se subdividia em concubinato incestuoso(relação entre consanguíneos, membros de uma família)e concubinato adulterino (relação de uma pessoa casada com um terceiro fora do casamento). Tal espécie de união não era bem vista pela sociedade brasileira na época, sendo, inclusive, considerada um termo pejorativo.
Porém, com o aumento no número de relacionamentos informais, o concubinato puro passou a ser aceito socialmente e o Estado passou a reconhecer o concubinato puro como forma legítima de relação, o qual é hoje conhecido como união estável. Desde então o termo “concubinato” passou a abranger apenas a sua forma impura.
Essa marcha de evolução social ganhou força a partir do surgimento do casamento civil 1980, consolidado pela Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891. Antes desse período a celebração do casamento se dava observadas às formalidades religiosas e era indissolúvel, observando a máxima “O que Deus ajuntou não o separa o homem” (Mateus 19:6).
Depois disso outros temas começaram a ganhar visibilidade como a própria dissolução do casamento. Oreconhecimento das relações extrapatrimoniais, por sua vez, teve seus primeiros indícios de resguardo a partir dos anos 40, quando alguns decretos, leis e decisões passaram a reconhecer e conceder benefícios aos “concubinos”, como o direto de pensão à companheira de servidor civil falecido se comprovado que conviveu com o parceiro por pelo menos cinco anos previsto na Lei 4.297/1963.
Posteriormente, com a Constituição Federal de 1988, a união estável foi reconhecida como entidade familiar, retirando-a do campo do direito das obrigações como sociedade de fato e colocando-a no direito de família como entidade familiar merecedora da proteção estatal da mesma forma que o casamento. Tal instituto passou por um longo e árduo caminho até finalmente ser reconhecido e amparado pelosdireitos de família.
Essas evoluções se assemelham ao surgimento do contrato de namoro, que apesar da pouca aceitação atual pode progredir e se tornar então uma forma legal de relacionamento entre duas pessoas amparada pelo Direito e com a devida proteção e zelo do Estado.
- Namoro, união estável e casamento
Chega a ser natural que a união estável e o casamento comecem com um namoro. Aliás, é raro imaginar, pelo menos no Ocidente, uma união que atualmente se inicie de maneira estável. A prática comum nos países ocidentais é encarar o relacionamento como um processo, que passa por diversas fases até se tornar estável.
Porém, conforme cita em uma de suas frases o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”.Nessa linha, Bauman(apud SERRANO, 2020. p. 95) explica que as formas de convivência contemporânea se assemelham pela vulnerabilidade e fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça um estado temporário nas relações sociais. Com isso, podemos identificar um fenômeno recorrente no Brasil e no Ocidente: as pessoas andam casando cada vez menos.
Segundo dados do IBGE[1], considerando dados do registro civil de 2019, o número de casamentos reduziu pelo quarto ano seguido, representando uma queda de 2,7% comparado a 2018. O órgão constatou ainda que os casamentos têm durado menos tempo. Em 2009 a média era de 17,5 anos e em 2019 caiu para 13,8. Com base nestes dados fica quase impossível visualizar a tênue linha que separa o namoro da união estável, e a união estável do casamento.
Como bem ensinou o professor REALE (2003, p. 57), na Teoria Tridimensional do Direito, fatos jurídicos são acontecimentos, previstos em norma de direito, de ordem física e social, em razão dos quais nascem, se modificam, subsistem e se extinguem as relações jurídicas, surgem como fatos e terminam baseados em valores.
Portanto, é preciso deixar claro que um fato apenas terá relevância para o Direito, se for considerado algo jurídico. A união estável é considerada ato jurídico lícito e se configura “na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, nos termos que dispõe o artigo 1.723 do Código Civil.
Noutro passo,o casamento exige a manifestação expressa da vontade de ambas as partes de estabelecer, perante o Juiz, um vínculo conjugal, fato que o caracteriza como “fato jurídico”, versado no art. 1.514 do Código Civil.
Apesar de não normatizado,o namoro já é uma realidade social que vem se consolidando massivamente entre jovens e adultos em decorrência da mudança dos costumes, da diminuição do número de casamentos e da flexibilidade e facilidades das relações informais.
No namoro, o foco é a busca por novas experiências, o conhecimento da outra pessoa, o desbravamento da vida em conjunto ou a adequação de costumes e características entre duas pessoas que nutrem sentimentos mútuos, mas que tem outros objetivos e buscam evoluir também em suas vidas particulares, na sua carreira e estudos.
É um tipo de relação formada por um par onde o Estado não se faz presente, portanto não existem obrigações assistenciais tampouco responsabilidades, características que diferem do casamento e da união estável, onde existe uma experiência de casamento informal. Em ambos os modelos de união as pessoas passam a ser sujeitos de direitos e obrigações e principalmente tendem ou buscam formar uma família e assumem um vínculo perante um Juiz, fatores determinantes na diferenciação das formas de relacionamento com o namoro, pois apresentam em comum fatores como a publicidade, continuidade e a estabilidade.
Desta maneira para fins estritamente jurídicos, o namoro vinha sendo considerado irrelevante, e por este motivo nunca foi estudado com afinco pelos juristas brasileiros. Contudo, dado o crescente aumento de pedido de reconhecimento de união estável, famílias mais abastadas começam a se preocupar com eventuais namoros.
A relação de dois jovens que namoram e convivem em um apartamento alugado durante o período de estudos na faculdade, esta convivência é namoro ou união estável? É cada dia mais comum que jovens casais passem a viver juntos, dividir contas, mas sem jamais cogitar casar ou ter filhos. Como devemos encarar juridicamente esta relação?
A situação tem gerado ainda mais debate ultimamente por conta do estado de calamidade pública, estabelecido através do Decreto n. 6, de 2020. Em razão da ordem de isolamento e distanciamento social, em razão da pandemia de Covid-19, muitos casais acabaram indo morar juntos, para enfrentar a situação sob o mesmo teto.
Mas será que o desejo de morar juntos pode ser visto como desejo de constituir família, requisito indispensável para configuração da união estável?
Essas são uma das questões que se pretende elucidar nesse artigo.
- Características das formas de relacionamento
Para que seja possível melhor compreender a divergência entre o namoro e a união estável é salutar que elenquemos os requisitos para configuração da união estável. Parte desses elementos estão previstos em lei e outros são definidos pela doutrina e devem ser analisados com cautela no caso concreto em especial por conta da subjetividade de alguns deles.
Vale registar que a maioria desses elementos podem estar presentes no namoro, mas há um elemento responsável pela segmentação, conforme se verá adiante.
- Estabilidade
No entendimento jurídico brasileiro o tempo é um fato importante na constituição de uma união. Assim, o relacionamento deve ser duradouro, estável, sólido e inabalado. Fundado nisso, até pouco tempo atrás,a Lei 8.971/94 exigia um tempo mínimo de cinco anos de convivência para que se configurasse uma união estável entre um casal e se aplicassem os direitos aos bens e de herança.
No entanto, hoje em dia não se fala mais em prazo predefinido para classificação da união. A inexistência de prazo faz com que o fator determinante seja então a tendência da durabilidade da relação, ou seja, a análise dos fatos concretos que levam a crer que o vínculo do casal irá perdurar no tempo e não apresenta fatores que levam a crer que seu fim é possível ou previsível.
- Unicidade de vínculo
A população brasileira e consequentemente sua moral, ética e valores sempre foram muito influenciados pela religião, sendo um país heterogêneo, existem dentro do território nacional vários tipos de crenças. Apesar das diferentes formas de se relacionar com a fé, grande parte delas mantêm um ponto em comum: a monogamia.
É garantida ao cidadão brasileiro a liberdade de se relacionar com quem quiser e com quantas pessoas quiser, mas para que exista a tutela do Estado, garantindo direitos, é necessário que arelação seja composta apenas entre duas pessoas.
- Notoriedade
Outro parâmetro indicativo da união é a publicidade, se o casal é conhecido dessa forma perante a sociedade, no ciclo familiar, profissional de amigos e até mesmo nas redes sociais. O casal que se apresenta como família, comparece junto a eventos, compartilha de viagens e momentos, são conhecidos perante a sociedade como se cônjuge fossem detêm a notoriedade.Encontros casuais, esporádicos, ocultos, ainda que de longa duração não caracterizam uma união notória.
- Continuidade
De caráter mais subjetivo a continuidade é avaliada caso a caso, ela é representada pelo convívio ininterrupto, que não sofra com abalos e deslizes, o casal que se mantém junto evitando términos e os famosos “tempos” tende a demonstrar maior continuidade e propósito.
Cabe ao julgador analisar os casos concretos, pois semelhante à estabilidade, não existe um prazo mínimo para que a união seja considerada contínua, desta forma essa característica está mais relacionada à firmeza atribuída ao casal.
- Ausência de formalismo
A ausência de formalismo é outra característica que difere as formas de união, está relacionada à união estável e ao namoro, ou seja, uniões extramatrimoniais.
O casamento é uma celebração solene e formal, perante o Juiz onde, segundo redação do Código Civil, o homem e a mulher manifestam sua vontade de estabelecer vínculo conjugal. O casamento homoafetivo apesar de não estar previsto na lei, se tornou um direito garantido pela Justiça por meio da resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça.
Por outro lado, a união estável e o namoro são dotados de informalidade, não são necessárias medidas legais para a sua concretização, a formalidade da união estável é meramente optativa e caracterizada pelos elementos elencados neste artigo. O Estado se posta a garantir direitos e deveres até mesmo em relações informais, mas não faz menções ao namoro. Nesta hipótese, algumas pessoas optampor celebrar um contrato, a fim de afastar eventuais problemas com a divisão de bens, pensão ou herança.
- Intenção de constituir família
O último elemento aqui destacado é o elemento decisivo a definir se estamos diante de uma união estável ou namoro. Isto porque na união estável os companheiros têm intuito de constituir família o que não se verifica no caso no namoro.O namoro não tem por objetivo a formação de uma família, desta forma não é protegida pelo Estado, não está sujeito às normas do direito de família.
Porém, na prática se torna extremamente sensível e delicada a demonstração do objetivo de constituir família, justamente pela subjetividade.Em algumas situações é fácil se distinguir o namoro da união estável. Em contrapartida em outras a semelhança pode confundir e a dúvida paira exatamente no elemento ora em análise. Por conta dessa nebulosidade é que alguns defendem a viabilidade de um contrato de namoro.
- Natureza jurídica e viabilidade do contrato de namoro
Como já ventilado acima, não há uma classificação legal do que é o namoro. O mais próximo que nossa legislação contempla é a união estável, o qual já se sabe se distingue do namoro por pequenas nuances. Nessa linha, a doutrina e a Jurisprudência vêm para nos auxiliar a desmistificar esse termo com o surgimento da expressão namoro qualificado.
Referida expressão foi citada pelo STJ no julgamento do REsp 1454643, no qual restou estabelecido que “O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.”. No caso dos autos o STJ entendeu que as partes “não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar”.
Segundo se extrai do julgado acima, o namoro qualificado e a união estável possuem basicamente as mesmas características, com a exceção de que na união estável há nítido propósito de constituir entidade familiar, a qual é reconhecida, nos termos da Lei 9.728/97, pelaconvivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com objetivo de constituição de família. Temos, pois, que na união estável o casal está unindo esforços e estão imbuídos, no momento presente, pelo desejo de formar uma família.
No namoro qualificado a convivência duradoura, pública e contínua podem até estar presentar, mas há ausência desse desejo atual da constituição de família. E neste ponto que reside a distinção.
É importante pontuar que a vida em comum sob o mesmo teto não é um elemento essencial à classificação de união estável. É possível que o casal habite no mesmo teto e não tenha a união estável reconhecida, assim como é possível que o casal não habite no mesmo teto e tenha a união estável reconhecida.
Nesse sentido definiu o STJ no julgamento do REsp 474962esclarecendo em sua ementa que “Não exige a lei especifica (Lei nº 9.728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável”.
Em decorrência dessa linha tênue existente entre namoro e união estável, situações que na prática são bem difíceis de se distinguir e demonstrar, e considerando ainda os reflexos que o término de um relacionamento poderia resultar – união estável há patilha de bens e no namoro não – a celebração de um contrato de namoro se mostra de extrema relevânciapossibilitando que os enamoradosmantenham resguardados seus patrimônios e evitem uma futura indesejada partilha de bens.
O documento seria, portanto, a declaração expressa da vontade das partes de que não estão inseridas em uma união estável,que não almejam naquele momento a constituição de família e que, consequentemente, desejam manter a incomunicabilidade de seus patrimônios. Nessas condições, segundo defende Zeno Veloso, o ex-parceiro não teria direito de exigir da outra parte, em tribunais ou fora deles, nenhum tipo de direito advindos de sua antiga posição:
Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta. (VENOSO, 2009)
No entanto, esse não é o posicionamento majoritário no nosso ordenamento jurídico, sendo que o contrato de namoro divide opiniões tanto na doutrina como na Jurisprudência. A corrente contrária a Venoso aduz basicamente que tal contrato poderia caracterizar uma forma de burlar a lei e se demonstrados os requisitos da união estável a mesma deve ser reconhecida e o contato deve ser considerado nulo.
No âmbito jurisprudencial o posicionamento sobre o tema ainda é tímido. Em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no julgamento da Apelação 70075248823 o acórdão registra um sinal de possibilidade e admissibilidade do contrato de namoro ao afirmar que “Destaco que tampouco se desincumbiu o falecido de evitar mal entendidos acerca de seu relacionamento com a autora, o que poderia ter feito, por exemplo, formalizando um contrato de namoro, que afastasse a hipótese de que estivesse vivendo em uma união estável”. Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo se posiciona em sentido diverso:
AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE CONTRATO DE NAMORO CONSENSUAL. Falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. Inicial Indeferida. Processo Julgado Extinto. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 10254811320158260554 SP 1025481-13.2015.8.26.0554, Relator: Beretta da Silveira Data de Julgamento: 28/06/2016, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/06/2016).
Notoriamente o contrato de namoro visa afastar os direitos e deveres contemplados na união estável com o fito de ser utilizado como elemento probatório para evitar que o ex-parceiro lucre com o término do relacionamento. Poderia, inclusive, argumentar que tal contrato visa evitar enriquecimento ilícito de um dos ex-parceiro.
Apesar do nosso ordenamento jurídico não ter se consolidado sobre tema, alguns casais têm buscado Cartórios de Notas para registrar seus contratos, que na realidade nada mais são que uma declaração.
O tema em questão está em voga nos últimos tempos por conta da pandemia que se instaurou. Diante da necessidade de isolamento social, muitos casais de namorados decidiram se unir nesse período e residir sob o mesmo teto. No entanto, como já suscitado acima, a mera convivência sob o mesmo teto não é hábil a caracterizar união estável. Reforça-se que, apenas o intuito de constituir família pode configurar a existência desse instituto.
Em casos como esse, a celebração do contrato de namoro se amoldaria bem e resguardaria o real interesse dos enamorados, evitando que futuramente se submetam a um conflito no qual se discutiria se havia ou não o intuito de constituir família durante a relação, especialmente se um deles vier a falecer enquanto coabitam. Vale registrar que não existem requisitos legais para a formação do contrato, entretanto, como qualquer escritura pública é necessário que ambas as partes compareçam ao cartório e firmem sua vontade de afastar a união estável e sua divisão de bens através atestando a ausência de interesse em constituir família.
Todavia, válido reforçar que ainda não temos um entendimento pacificado sobre a validade ou não deste contrato. Nesta senda, aqueles que pretendem de fato resguardar seu patrimônio podem sevaler de meios alternativos como o contrato de convivência.
Não obstante, cumpreregistrar que o Código Civil admite a celebração de contratos atípicos, no qual poderia se enquadrar o contrato de namoro, motivo pelo qual acreditamos que há embasamento para celebração do mesmo.
De fato, pode ser que durante o namoro as condições se alteram e os enamorados passem a ter interesse em constituir família, mas deixem de substituir este contrato por um contrato de convivência ou até mesmo um casamento. Porém, nesta hipótese as partes poderiam acionar o judiciário a fim de demostrar a alteração dos fatos e, desde que demonstrada a modificação do status da relação, comprovando a presença da união estável, poderia se reconhecer a união estável com a aplicação de seus efeitos.Todavia, nos parece prematura deixar de resguardar as relações de namoro de casais que de comum acordo celebrem um contrato para proteger seus interesses.
- Contrato de convivência
Um casal que se uniu e visa se proteger ou simplesmente deseja estabelecer regras diversas da disposta no Código Civil, o qual prevê que se aplica as regras da comunhão parcial de bens à união estável, pode celebrar contrato de convivência.
O contrato de convivênciaadvém do princípio da autonomia privada é o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem as regulamentações e regras que irão disciplinar a relação. É considerado um pacto informal que podeou não ser registrado em cartório. Pode até mesmo conter disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenha a manifestação bilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo pelas partes (JOSÉ CAHALI, 2010, p. 184).
É de se esperar que ninguém inicie um relacionamento com o objetivo de que elechegue ao fim. De toda forma, é importante que as pessoas se resguardem e estabeleçam as regras que irão reger a união, dispondo não só sobre a partilha de bens que se aplicaria ao caso, mas como também sobre outras regras que fizeram sentido para aquele casal como relações familiares e desde que não contrariem a ordem pública, não podendo afastar ou suprimir direitos e garantias estabelecidos em lei em favor dos companheiros, como o direito aos alimentos, herança, direito real de habitação, pensão previdenciária, entre outros.
Importante esclarecer que referido contrato pode ser celebrado a qualquer tempo, mesmo durante a união estável e é exigida a anuência de ambos os companheiros, não podendo decorrer de ato unilateral. Note-se que a regra é dispositiva e a qualquer momento o contrato escrito pode ser modificado pelos companheiros.
- Conclusão
Analisamos neste artigo as nuances sobre o contrato de namoro, seus elementos, características, distinções em relação as outras formas de relacionamento e sua validade, analisando elementos da Jurisprudência e doutrina, bem como suas consequências no âmbito jurídico.
Segundo constatamos, o contrato de namoro ainda não está sedimentado no nosso âmbito jurídico existindo entendimentos para ambos os lados. No entanto, entendemos o namoro qualificado reflete uma modernização das relações e da população como um todo, potencializada pela situação pandêmica que vivenciamos,devendo nosso ordenamento se inclinar a esta nova realidade e se ajustar aos novos costumes.
Essa modalidade de contrato asseguraria os interesses, em especial de casais mais jovens, que ainda não possuem interesse em constituir família, mas querem viver um relacionamento mais sério sem a pressão de no futuro se submeterem a um regime de relacionamento que não corresponde a sua realidade.
Válido salientar, que se após a celebração do contrato houver alteração nos interesses do casal estes, em caso de término do relacionamento, não necessariamente ficariam desprotegidos. Isto porque, se restar verificada a existência de elementos da união estável, a validade do contrato poderia ser questionada judicialmente, quando o magistrado analisaria o caso concreto e verificaria se o contrato foi fraudulento ou se foi uma medida prévia e válida tomada para estipular as alternativas requisitadas pelo casal.
Apesar de defendermos a viabilidade do contrato de namoro, diante da instabilidade jurídica sobre o tema, para aqueles que efetivamente querem se proteger, a melhor saída pode ser o contrato de convivência, no qual as partes estipularão os termos para sua relação.
De toda forma, nos mantemos esperançosos para que num futuro próximo nosso ordenamento jurídicose renove e transpareça a evolução social e resguarde os relacionamentos de casais de não almejam constituição de família.
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[1] Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29647-casamentos-reduzem-pelo-quarto-ano-seguido-e-passam-a-durar-menos-tempo
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