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A sucessão dos ascendentes em caso de multiparentalidade
A sucessão dos ascendentes em caso de multiparentalidade
Italo Bondezan Bordoni[1]
RESUMO
A constante evolução da sociedade gerou transformação na construção da família. Os arranjos familiares plurais são agora legitimados porque possuidores de direitos e deveres, tornando a sociedade um lugar plural, dando continuidade à busca incessante por igualdade. O instituto: família, passou a ter seu nome com flexão no plural, em face da diversidade da qual é composta; agora: famílias. Por conseguinte, a base das famílias constituídas pelo elemento principal – o afeto – levou à nova parametrização de vínculos de filiação ou parentais. O vínculo genético não é a máxima do fundamento da família. A convivência e a história da pessoa humana foram levadas em consideração no ordenamento jurídico, consagrando a filiação socioafetiva. As relações humanas passaram a imperar, de modo que a verdade emocional constitui fator essencial para a formação das famílias. O artigo 1.593 do Código Civil disciplina que pode ser civil ou natural o parentesco, originando-se da consanguinidade ou socioafetividade. A multiparentalidade (biológica e socioafetiva) produz eficácia jurídica, tanto na linha descendente, quanto na linha ascendente. O presente artigo científico abordará o direito sucessório dos ascendentes em caso de multiparentalidade e como ocorrerá a distribuição da herança para a família biológica e para a família socioafetiva. Certo que nos próximos anos, referido tema ainda será amplamente discutido, por ausência de dispositivo legal específico. Os temas de repercussão geral, jurisprudências predominantes e enunciados que regem o ordenamento pátrio no que concerne à sucessão dos ascendentes em caso de multiparentalidade serão abordados no presente trabalho de forma técnica, sucinta e objetiva.
Palavras-chave: Sucessão. Multiparentalidade. Sucessão dos ascendentes multiparentais.
- INTRODUÇÃO
A evolução da estrutura familiar, nos últimos anos, proporcionou positivas transformações no ordenamento jurídico brasileiro no que atine a natureza da instituição chamada “família”. O reconhecimento de origens distintas de parentesco pela legislação e Judiciário – seja biológico ou socioafetivo – provocou necessidade extrema de debates que sirvam de base para novas regulamentações, tanto no que tange o direito de família, quanto no direito sucessório.
O objetivo principal do presente artigo científico é o estudo dos direitos sucessórios na linha ascendente em caso de famílias multiparentais, formadas por parentesco biológico e socioafetivo. Certo ainda, que embora indispensável, o direito enquanto positivado necessita estar sempre conectado à transformação da sociedade e voltado ao empirismo, objetivando à efetiva entrega dos direitos fundamentais familiares, que são os pilares de qualquer estado minimamente organizado. A família multiparental é legalmente reconhecida e merece atenção quanto aos direitos sucessórios a ela relacionada, principalmente na linha ascendente.
O presente artigo tem como base a sistematização de dados, materiais, jurisprudências, precedentes, doutrinas, enunciados e conteúdos bibliográficos pertinentes à sucessão da linha ascendente em caso de família multiparental. O tema ainda é inovador, carente de positivo legal específico e será amplamente discutido nos próximos anos pelos juristas brasileiros. O trabalho abordará de forma sucinta a multiparentalidade, os direitos sucessórios e como ocorrerá a sucessão da linha ascendente em caso de família multiparental. Em conclusão final haverá resolução da problemática relacionada aos direitos sucessórios e à partilha de bens aos ascendentes socioafetivos e biológicos.
- A SUCESSÃO DOS ASCENDENTES MULTIPARENTAIS
O objetivo do presente artigo científico é o estudo dos direitos sucessórios dos ascendentes multiparentais do inventariado. Para tanto, é necessário introduzir os conceitos e definições de parentesco e multiparentalidade, bem como, as questões atinentes à sucessão legítima, o que se faz nos subtópicos abaixo.
- O PARENTESCO E A MULTIPARENTALIDADE.
O parentesco é abordado no Código Civil Brasileiro, dos artigos 1.591 ao 1.595.[2] Para melhor compreensão do tema objeto de estudo do presente trabalho, é necessário que seja explanado o conceito de parentesco e suas distinções jurídicas.
No Direito Civil Brasileiro são admitidas três modalidades de parentesco, quais sejam, a um: o parentesco consanguíneo; a dois: o parentesco por afinidade; a três: o parentesco civil.[3]
O vínculo sanguíneo entre pessoas de mesma origem biológica caracteriza o parentesco natural ou consanguíneo, como o próprio nome já diz.
O vínculo existente entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro caracteriza o parentesco por afinidade. O vínculo existente entre marido e mulher, por exemplo, não caracteriza parentesco por afinidade, mas sim aquele decorrente de convivência; ou ainda a conjugalidade.
Acerca do parentesco por afinidade, pode-se citar as mudanças trazidas com o advento do reconhecimento da união estável:
O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro (art. 1.595 do Código Civil). Desse modo, há parentesco por afinidade na linha reta ascendente em relação ao sogro, à sogra e seus ascendentes até o infinito. Na linha reta descendente, em relação ao enteado e à enteada e assim sucessivamente até o infinito. Na linha colateral, entre cunhados. Na linha reta, até o infinito, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável, havendo um vínculo perpétuo (art. 1.595, §2º do Código Civil).[4]
Há também um parentesco que não decorre da afinidade, nem da consanguinidade. Este, por sua vez, é o parentesco civil, que foi originado na adoção. Outras duas formas de parentesco civil são admitidas no ordenamento jurídico brasileiro:
Enunciado 103 do CJF/STJ: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho. – I Jornada de Direito Civil.[5]
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu valioso acórdão para o ordenamento jurídico pátrio. O caso em questão versava sobre maternidade socioafetiva e preservação da maternidade biológica; a decisão respeitou a memória da mãe biológica falecida. “A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade”.[6]
No ano de dois mil e quatorze a décima quinta Vara da Família da Capital do Rio de Janeiro contribuiu para o instituto da multiparentalidade, vez que a Magistrada Excelentíssima Doutora Maria Aglae Vilardo (componente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família) reconheceu o direito de três irmãos à dupla maternidade (afetiva e biológica) em seus assentos de nascimento.[7]
Outra importante decisão acerca do parentesco civil foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal no ano de dois mil e dezesseis no Recurso Extraordinário 898.060, Relator Ministro Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no Informativo n. 840 do STF: “a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.[8]
Diante da referida decisão, foi reconhecida a possibilidade da multiparentalidade; ou seja, múltiplos vínculos parentais; concretizando a socioafetividade como parentesco civil.[9]
Sem dúvida, o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no ano de dois mil e dezesseis reconheceu a multiparentalidade, ainda que contra a vontade das partes em alcançar o reconhecimento desse duplo vínculo ou não. A multiparentalidade, portanto, prevalecerá em casos de controvérsia entre o parentesco biológico e socioafetivo.
Acerca do referido tema, importante citar Maurício Bunazar:
A partir do momento em que a sociedade passa a encarar como pais e/ou mães aqueles perante os quais se exerce a posse do estado de filho, juridiciza-se tal situação, gerando de maneira inevitável, entre os participantes da relação filial direitos e deveres; obrigações e pretensões; ações e exceções, sem que haja nada que justifique a ruptura da relação filial primeva.[10]
A multiparentalidade, vez que reconhecida para fins de direito, reproduz seus efeitos em todas as outras áreas do ordenamento jurídico, bem como para o direito sucessório; estudo este, que será abordado nos próximos tópicos deste artigo.
- DA SUCESSÃO LEGÍTIMA.
Como forma de viabilizar melhor entendimento da questão relacionada à sucessão dos ascendentes no tocante à multiparentalidade, é imprescindível a abordagem do conceito do direito de sucessões e da sucessão legítima; ressaltando-se que este subtópico e os temas relativos a este artigo científico estão relacionados à sucessão decorrente de causa mortis, ou seja, aquela que decorre da morte. Isto porque, no ordenamento civil existe ainda a sucessão inter vivos (aquela relativa a sucessão empresarial, por exemplo).
A base fundamental da sucessão decorrente da morte é a exigência de continuidade em face da descontinuidade que a morte provoca aos direitos e obrigações dos indivíduos. Nesse sentido, nos ensina José de Oliveira Ascensão:
O Direito das Sucessões realiza a finalidade institucional de dar continuidade possível ao descontínuo causado pela morte. A continuidade que tende o Direito das Sucessões manifesta-se por uma pluralidade de pontos de vista. A continuidade deixa marca forte na figura do herdeiro. Veremos que este é concebido ainda hoje como um continuador pessoal do autor da herança, ou de cujus. Este aspecto tem a sua manifestação mais alta na figura do herdeiro legitimário.[11]
Atualmente, o conceito sucessório não está só ligado a continuidade patrimonial, mas também à perpetuidade da família; é, portanto, um elo de ligação entre o direito de propriedade e o direito de família.[12]
Nos termos do art. 1.786 do Código Civil, as modalidades de sucessão por causa mortis são duas; a um: sucessão testamentária, originada do ato de última vontade do falecido, por meio de codicilo, testamento ou legado; a dois: sucessão legítima, que é aquela que decorre da própria lei, tendo, por sua vez, ordem de vocação hereditária estabelecida. O alvo do estudo deste artigo está relacionado à segunda modalidade, a sucessão legítima.[13]
Segundo Theotônio Negrão, “A sucessão abre-se no momento da morte do autor da herança” (2020. p.732), nos termos do artigo 1.784 do Código Civil.
O artigo 1.829 do Código Civil estabelece àqueles que serão chamados à sucessão legítima em sua respectiva ordem.[14]
O objeto do estudo do presente artigo tem como base a sucessão dos ascendentes, como consta no inciso segundo do supramencionado dispositivo legal.
No que tange à concorrência do cônjuge com os ascendentes, por meio do Recurso Extraordinário 646.721, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a distinção sucessória entre cônjuges e companheiros, isto porque a redação do artigo 1.790 ofende “frontalmente os princípios da igualdade, da dignidade humana, pra proporcionalidade e da vedação ao retrocesso.”[15]
Exposta a introdução ao tema sucessório, passa-se a análise da problemática principal do presente artigo científico no próximo subtópico.
- DA SUCESSÃO DOS ASCENDENTES MULTIPARENTAIS.
Para abordagem deste tópico, será necessário colacionar jurisprudências, enunciados do Conselho Federal de Justiça e Informativos de Temas de Repercussão Geral em face da ausência de dispositivo legal específico acerca da partilha de bens quando da sucessão legítima em linha ascendente multiparental.
Os conceitos e fundamentos jurídicos relativos à sucessão legítima foram apresentados no subtópico anterior. O parentesco e a multiparentalidade foram abordados no primeiro subtópico do presente artigo. Passa-se, portanto, a abordagem da sucessão legítima da linha ascendente em caso de multiparentalidade.
Como já dito, o artigo 1.593 do Código Civil positivou a possibilidade de pluriparentalidade.[16]
Com a eficácia jurídica da norma, diversos casos concretos consolidaram no ordenamento pátrio a eficácia jurídica da multiparentalidade, tanto no direito de família, quanto no direito sucessório.
O objeto de estudo do presente artigo e sua problemática gira em torno da partilha de bens na linha ascendente em caso de família multiparental. A questão proposta é: se a multiparentalidade produz efeitos em relação à multiplicidade de pais ou mães, o que ocorre quando se o filho vir a óbito antes de seus pais ou mães?[17]
Segundo Anderson Schreiber:
Se uma pessoa pode receber herança de dois pais, é preciso recordar que também pode ocorrer o contrário, pois a tese aprovada produz efeitos em ambas as direções: direito do filho em relação aos múltiplos pais ou mães, mas também direito dos múltiplos pais ou mães em relação ao filho.[18]
Cumpre ressaltar, apenas com caráter crítico quanto à decisão proferida pelo STF, cujo tema foi alvo de Repercussão Geral 622, há certa preocupação quanto ao aumento de ações judiciais “mercenárias” com interesse exclusivamente patrimonial, seja ele no direito sucessório, de família ou previdenciário, posto que com a pluralidade de pais, pode o filho receber alimentos destes; mas também, na linha inversa, deverá o filho prestar alimentos aos múltiplos pais.¹
No que tange a partilha de bens, o artigo 1.836 do Código Civil estabelece como dar-se-á a sucessão na ausência de descendentes: “Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente”.
Nota-se que não há dispositivo específico no que tange à família multiparental. Entretanto, os Tribunais e o Conselho Federal de Justiça admitem a aplicação por analogia do artigo 1.836 em caso de sucessão na linha ascendente de família multiparental.[19]
Isto ocorre porque o já citado artigo 1.593 do Código Civil positivou a possibilidade de multiparentalidade.[20]
Leciona Flávio Tartuce: “Com o reconhecimento da multiparentalidade, se o falecido deixar um pai biológico, um pai socioafetivo, uma mãe e uma esposa, os seus bens serão divididos entre os quatro, também em concorrência.” (2020, p.1.706)
Em hipótese onde não exista cônjuge sobrevivente, segundo o parágrafo primeiro do artigo 1.896 do Código Civil, “na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas”; por exemplo, a existência de avó materna exclui a possibilidade de serem chamados a suceder concomitantemente os bisavós maternos. Isto ocorre, neste caso, porque o grau mais próximo exclui o mais remoto.
Ademais, em caso de inexistência de cônjuge e existência de ascendentes de mesmo grau e diversidade de linhas, haverá a distribuição de metade da herança para a linha paterna e metade da herança caberá à linha materna, nos termos do artigo 1.896, §2º do Código Civil.
Para exemplificar a hipótese de aplicação do dispositivo legal do parágrafo anterior deste artigo científico, segue exemplo: se aquele que veio a óbito não deixou pais, somente avós maternos e paternos a herança é divida em duas partes iguais, metade para cada linha; isto é, referida herança será dividida igualmente entre os grupos, ou seja, metade aos avós paternos e a outra metade aos avós maternos.
A aplicação do art. 1.896, parágrafo segundo do Código Civil ocorrerá inclusive nos casos em que aquele que veio a óbito deixar três avós. Por exemplo, se deixou três avós, dois na linha materna e um na linha paterna, metade da herança é atribuída aos avós maternos e a outra metade para a avó paterna.
Theotônio Negrão, em seu livro “Código Civil e Legislação em Vigor” (2020, p. 751) citou caso parecido com o exemplo do parágrafo anterior deste artigo científico: “Art. 1.836: 4. Assim, p. ex., deixando o de cujus, pela linha paterna, somente avô, e pela materna, avô e avó, caberá ao primeiro 50% da herança, ao avô materno 25% e à avó os restantes 25% da herança do neto.”
A questão principal gira em torno da distribuição da herança em caso de multiparentalidade. Se o falecido não deixou descentes e cônjuge, mas deixou dois pais e uma mãe, como dar-se-á a partilha dos bens?
Ocorre que, se aplicado o artigo 1.836, e, 50% da herança for destinada à mãe, caberia a cada pai somente 25%. Isto colocaria os pais em posição diminuída em relação à mãe, o que não entende-se razoável e proporcional.
Para dirimir referida questão atinente a sucessão de ascendentes multiparentais será necessária a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, entendendo o autor deste artigo científico que a melhor solução para a questão da problemática acima é que a partilha deverá ocorrer de forma igualitária entre todos os ascendentes, sejam biológicos ou socioafetivos, devendo ser partilhada a herança em partes iguais para os três ascendentes.[21]
Nesse sentido, consolidou o Enunciado 642 do Conselho Federal de Justiça na VIII Jornada de Direito Civil:
Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.[22]
Já no que diz respeito à concorrência, há controvérsias em relação à parte que caberia ao cônjuge ou companheiro em caso de concorrência com os ascendentes; caso concorra o cônjuge com dois ascendentes de primeiro grau, terá direito à um terço da herança; se o falecido deixou cônjuge e um ascendente de primeiro grau ou ascendentes de graus diversos, terá o cônjuge direito à metade da herança.¹
Cumpre ressaltar que a inclusão do companheiro decorreu do julgamento da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil pelo Supremo Tribunal Federal.
Cabe advertir que questões práticas relacionadas à multiparentalidade e concorrência com o cônjuge continuam surgindo, isto porque será necessário determinar qual a quota que pertencerá ao cônjuge concorrendo com número de avós superior à quatro, sejam eles socioafetivos ou biológicos.
Aplicando-se a norma legal com atenção principiológica razoável e proporcional ao caso acima, entende-se que deve ser preservada a quota destinada ao cônjuge, de modo que o restante deverá ser partilhado igualitariamente entre todos os avós.¹
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução da sociedade e a afetividade humana, trouxeram as novas formas de família. O afeto nas relações familiares ultrapassou a antiga máxima da verdade biológica, trazendo à tona o parentesco civil socioafetivo. O direito necessitou adaptar-se às novas bases familiares, consolidando a multiparentalidade; quer seja esta parentalidade consanguínea, socioafetiva, por adoção, por técnicas de reprodução ou outras.
As famílias multiparentais que eram antes condenadas ao anonimato e invisibilidade, ganharam nos últimos anos a consagração de seus direitos. Os arranjos familiares plurais são agora legitimados porque possuidores de direitos e deveres, tornando a sociedade em que vivemos um lugar plural, dando continuidade à busca incessante por igualdade.
A reflexão e análise do presente artigo científico tem como base com os direitos sucessórios originados da constituição de uma família multiparental, principalmente aqueles atinentes à sucessão dos ascendentes multiparentais, ou seja, quer sejam biológicos ou socioafetivos.
Com os estudos colacionados, dispositivos legais, enunciados, informativos e decisões, conclui-se que, no que tange à sucessão dos ascendentes quando o falecido morre sem deixar cônjuge ou descendentes, havendo pluralidade de pais e uma única mãe, por exemplo, deverá a herança ser partilhada igualmente entre todos estes três ascendentes, evitando a aplicação literal do artigo 1.836 do Código Civil e consequente diminuição do vínculo de importância entre a qualidade de pai e/ou mãe, em respeito ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
Caso o falecido proveniente de família multiparental venha a óbito deixando cônjuge e mais de quatro avós, diante de ausência de previsão legal, conclui-se que deverá neste caso, ser preservada a quota do cônjuge do artigo 1.837 do Código Civil, de modo que o restante do patrimônio deve ser partilhado entre os ascendentes de forma igualitária.
Hoje, o fator biológico por si só não reflete mais os sentimentos e a imensa gama de relações que compõem uma família. A coexistência da filiação afetiva e biológica é uma verdade de fato e de direito. A multiparentalidade alterou positivamente as balizas não só do direito de Família, mas também do Direito Sucessório Brasileiro.
REFERÊNCIAS
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil. Sucessões. 5. Ed. Coimbra, 2000, p.13.
BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02.
BRASIL, Enunciado n. 103 da I Jornada de Direito Civil. Conselho Federal de Justiça < https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734> Acesso em 02/12/2020 às 14:13
BRASIL, Enunciado n. 642 da VIII Jornada de Direito Civil. Conselho Federal de Justiça < https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1181> Acesso em 02/12/2020 às 14:12.
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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 898.060. Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico, decide STF. <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=32578> Acesso em 02/12/2020 às 14:31.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tema 622 - Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verProcessoDetalhe.asp?incidente=4252676> Acesso em 02/12/2020 às 14:12.
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[1] Advogado, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Unitoledo; Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Extensão e especialização em Contratos Imobiliários pela FMG; Pós-Graduado em Advocacia Cível com Humberto Theodoro Jr. – EBRADI; e-mail: italo.bordoni@hotmail.com.
[2]BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02. Artigo 1.591 ao Artigo 1.595.
[3]TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1515.
[4] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1515.
[5] BRASIL, Enunciado n. 103 da I Jornada de Direito Civil. Conselho Federal de Justiça <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/734> Acesso em 02/12/2020 às 14:13.
[6] BRASIL, TJ-SP – APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento> 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Publicação: 14/08/2012. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22130032/apelacao-apl-64222620118260286-sp-0006422-2620118260286-tjsp>.
[7] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1537.
[8] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Informativo 840. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo840.htm> Acesso em 02/12/2020 às 08:02.
[9] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1516.
[10] BUNAZAR, Maurício. Pelas portas de Villela: um ensaio sobre a pluriparentalidade como realidade sociojurídica. Revista IOB de Direito de Família, n. 59, abril-maio de 2010, p.73.
[11] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil. Sucessões. 5. Ed. Coimbra, 2000, p.13.
[12] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Sucessões. 2. Ed. Belo Honrizonte: Del Rey, 2007, p.05.
[13]BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02.
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.
[14] BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02. Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.
[15] NEGRÃO, Theotônio. Código Civil e Legislação em Vigor. 38ª Edição. São Paulo. Saraiva Educação. 2020. p. 734.
[16] BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.
[17] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1706.
[18] SCHREIBER, Anderson. STF, Repercussão Geral 622: Multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos> Acesso em 02/12/2020 às 16:33.
[19]BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02.
Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. § 1 o Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas. § 2 o Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.
[20] BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso 20/12/2020 às 11:02.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.
[21] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1.707.
[22] BRASIL, Enunciado n. 642 da VIII Jornada de Direito Civil. Conselho Federal de Justiça <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1181> Acesso em 02/12/2020 às 14:12.
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