Artigos
A admissibilidade excepcional da prova ilícita nas ações de família à luz da proporcionalidade
A admissibilidade excepcional da prova ilícita nas ações de família à luz da proporcionalidade
THE ADMISSIBILITY OF ILLICIT EVIDENCE IN FAMILY RIGHTS BY PROPORTIONALITY
Camila Renata Leme Martins. Pós-Graduanda em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas. Bacharela em Ciências Jurídicas pela PUC-Campinas. Advogada. Membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB – Subseção de Campinas/SP.
Resumo.
O presente artigo busca analisar a possibilidade de utilização excepcional de prova ilícita no Direito das Famílias, levando-se em consideração o princípio da proporcionalidade e a ponderação de sua aplicação no caso concreto.
O estudo foi realizado através da metodologia dedutiva e, levando-se em consideração o caráter teórico da pesquisa, foram utilizados materiais preponderantemente bibliográficos, consideradas doutrinas, monografias, teses, artigos científicos, documentos legislativos, decisões do Poder Judiciário e a própria consulta à legislação, coletando as informações mais relevantes acerca do tema suscitado.
Conclui-se que, no Direito das Famílias, a prova ilícita poderá ser admitida quando o bem jurídico tutelado é constitucionalmente mais relevante do que o bem jurídico a ser sacrificado. Isso porque, na seara familiar, é extremamente comum a necessidade de reconstituição de situações que ocorrem na intimidade e na privacidade do lar. De igual forma, não é raro encontramos cenários em que os dados são ocultados de forma intencional por aqueles que os possuem, por exemplo, ligados à possibilidade econômica.
Palavras-Chave.
Provas; Ilícita; Direito de Família; Direito Processual Civil; Excepcionalidade.
Abstract.
This article seeks to analyze the possibility of exceptional use of illicit evidence in Family Law, considering the principle of proportionality and the consideration of its application in the specific case.
The study was carried out through the deductive methodology and, taking into account the theoretical character of the research, predominantly bibliographic materials were used, considered doctrines, monographs, theses, scientific articles, legislative documents, decisions of the Judiciary and the consultation of legislation itself, collecting the most relevant information about the topic raised.
It is concluded that, in Family Law, illicit evidence may be admitted when the legally protected property is constitutionally more relevant than the legal property to be sacrificed. This is because, in the family field, the need to reconstitute situations that occur in the intimacy and privacy of the home is extremely common. Likewise, it is not uncommon to find situations in which data are intentionally hidden by those who have them, for example, linked to the economic possibility.
Keywords.
Evidence; Illicit; Family Rights; Civil Procedural Law; Exceptionality.
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS.
Em linhas iniciais, devemos observar que o Direito das Famílias possui diversas peculiaridades próprias do ramo. Mais do que o conhecimento técnico, os processos familiaristas exigem do profissional uma maior sensibilidade para compreender que suas particularidades tornam mais difícil a captação e a produção das provas. Desse modo, não é difícil encontrar, nas ações de família, interesses cuja prevalência axiológica supera a privacidade no que tange à concretização da dignidade da pessoa humana.
É fato que a Constituição Federal foi extremamente rígida em inadmitir as provas obtidas por meios ilícitos, proibindo-se qualquer nome que viole direitos e garantias constitucionalmente assegurados. Em contrapartida, não há como simplesmente ignorar as informações trazidas pelas partes com esse tipo de prova, principalmente quando estas não possuem qualquer outro modo de obtê-las.
A função contemporânea do Direito é estimular o desenvolvimento social da ação humana, no pertinente ao valor supremo da dignidade pessoal, e em seu nome são criadas as regras jurídicas a serem aplicadas pelo magistrado. Porém, na dinâmica da vida e dos interesses da sociedade, nem sempre o Direito tem seu sistema de regras inteiramente contextualizadas, não sendo nada raro deparar com lacunas e antinomias, ou simplesmente não encontrar respostas para o caso concreto e não previsto em lei. É fato que a realidade muda e o Direito necessita contemplar estes novos parâmetros sociais, o que tem sido obtido com o uso da jurisprudência, ao promover o harmonioso encontro do Direito com os novos padrões de conduta, sintonizados com a felicidade e a realização da pessoa humana (MADALENO, Rolf. 2018, p. 368).
Portanto, em uma dimensão acima das regras, figuram os princípios, como base de sustentação de todo o sistema legal brasileiro, quer no campo do direito material, quer no do processual (MADALENO, Rolf. 2018, p. 368).
Sucede, de igual forma, no âmbito da prova no processo civil, instituto envolto em diversos princípios, todos eles atuando como pilares fundamentais de sua estrutura e direção. Assim, sendo o processo judiciário uma ciência autônoma, a prova está dotada de princípios próprios, considerados verdadeiros enunciados, muitos deles com assento na Constituição Federal, como “do contraditório, da ampla defesa, da oralidade, da imediatidade física do juiz, da concentração, da publicidade, da verdade real, do livre-convencimento motivado, ou da proibição de prova obtida por meios ilícitos (GIORGIS, José Carlos Teixeira apud MADALENO, Rolf. 2018, p. 368).
Veremos que o maior valor a ser protegido é o da dignidade da pessoa humana, e que, exatamente por este motivo, é possível a relativização da garantia constitucional de vedação da prova ilícita, quando estiver em risco a supremacia dos direitos da pessoa humana, sua honra e sua dignidade, valores encontrados comumente em ações de famílias, sendo o objeto desta pesquisa.
1. PROVAS ILÍCITAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Podemos afirmar que a prova é todo elemento trazido ao processo para contribuir com a formação do convencimento do juiz acerca da veracidade das alegações concernentes aos fatos da causa. Por esse motivo, podemos entender a prova como sendo a alma do processo de conhecimento, visto que somente através dela que o magistrado poderá reconstruir os fatos da causa, produzindo uma decisão que seja o mais correta possível para o caso deduzido, em observância ao princípio do contraditório (CÂMARA, Alexandre Freitas. 2020. p. 227-228).
A nossa Carta Magna é direta e explícita em inadmitir, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, conforme disposto no artigo 5º, inciso LVI. Ademais, a previsão infraconstitucional é coerente com o entendimento trazido na Constituição Federal, que criou uma série de limitações à atividade probatória, visando resguardar a privacidade, a intimidade e o princípio do devido processo legal, como podemos observar no artigo 369 do Código de Processo Civil.
Ademais, a inadmissibilidade das provas ilícitas, no ordenamento jurídico infraconstitucional brasileiro, está positivada no artigo 157 do Código de Processo Penal, bem como no artigo 332 do Código de Processo Civil.
Importante destacar, ainda, a previsão do direito fundamental à prova em Tratados Internacionais, incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, tais como, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Artigo 14.1, ‘‘e’’, do Decreto nº 592/92) e o Pacto de San José da Costa Rica (Artigo 8º do Decreto nº 678/69).
Dessa forma, a prova obtida por meios ilícitos acaba por violar os princípios fundamentais previstos na Constituição Federal. Contudo, nas causas familistas, onde os princípios da privacidade, intimidade e dignidade são confrontados, torna-se necessária a proteção de valores que, a partir da ponderação, podem ser considerados mais relevantes no caso concreto, como por exemplo, a garantia da subsistência pela obrigação alimentar, ou a integridade psíquica e física de crianças e adolescentes.
Assim, veremos que a solução sobre a possibilidade de admitir, ou não, a utilização de prova obtida por meios ilícitos nas ações de família será construída pela casuística, a partir da técnica de ponderação de interesses entre o bem a ser protegido e a intimidade, resguardando todos os valores presentes na Constituição Federal. Não se trata de um tema pacífico. As reflexões e discussões são vastas, e as opiniões são divergentes, especialmente no âmbito do processo familiarista.
2. A PONDERAÇÃO DE INTERESSES E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO DAS FAMÍLIAS.
É entendimento pacífico, tanto para a Doutrina, como para a Jurisprudência, que não existem direitos absolutos. Assim, a existência de um direito ou garantia constitucional não tem o condão de excluir outros e, dessa forma, é possível e comum que existam conflitos entre valores constitucionais.
A partir da constitucionalização das relações familiares, suas normas passaram, em diversas situações, a possuírem um conteúdo aberto, conflitando com outras normas de mesmo patamar. A possibilidade de contradição entre diversos princípios integrantes de um mesmo sistema é um fenômeno absolutamente normal, natural e inevitável e, nem por isso, perde-se a unidade sistêmica do todo. Os clássicos métodos hermenêuticos, quais sejam, os critérios da especialidade, da anterioridade e da hierarquia, mostram-se insuficientes para dirimir as colisões principiológicas, dada a elevada abstração e generalidade dos princípios em conflito. Nessa toada, então, surge a técnica de ponderação de interesses para solucionar o choque de diferentes princípios (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2017. P. 62).
Dessa forma, um exemplo de ponderação de interesses diz respeito exatamente à admissibilidade da prova ilícita, cuja utilização, no processo, é vedada por força do inciso LVI do artigo 5º do Texto Constitucional. Assim, a aplicação da técnica do balanceamento conduz, seguramente, à admissibilidade excepcional da prova ilícita, sempre que o bem jurídico prestigiado se sobrepor ao bem sacrificado, no caso, a privacidade e a intimidade. Ilustrativamente, seria admissível a prova ilícita em uma ação de suspensão ou de destituição do poder familiar, protegendo integralmente uma criança ou um adolescente (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2017. P. 64).
Os princípios do Direitos das Famílias, portanto, por trazerem consigo uma força normativa, pode exigir uma ponderação para sua aplicação, em face de uma possível colisão estabelecida com outros princípios de idêntico grau de normatividade. Por conseguinte, mostra-se necessário o desenvolvimento de técnicas capaz de produzir soluções que, operando multidirecionalmente, promovam o respeito dos mais diversos valores fundamentais presentes em cada conflito de interesses, sempre observando as particularidades do caso concreto (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2017. P. 65).
É indiscutível que, apesar do uso da ponderação, as provas ilícitas só deverão ser excepcionalmente aceitas caso não haja qualquer outra forma de demonstrar os fatos discutidos em juízo, pelas vias lícitas.
Segundo Eduardo Cambi, citado por Rolf Madaleno, a busca pela verdade não é um valor absoluto no processo e tampouco justifica ir ao seu encalço a todo e qualquer preço. Ela precisa ser devidamente temperada com os demais valores presentes no contexto processual e assim, naturalmente sujeita às restrições dos excessos e desvarios de uma incontida ilicitude, tudo em consideração a valores de maior estatura moral. Assim, a função do princípio da proporcionalidade é de harmonizar os diversos direitos, bens ou valores constitucionalmente reconhecidos, cabendo ao juiz ponderar sobre a necessidade e a conveniência da prova ilícita trazida aos autos, dela podendo evidentemente se utilizar quando assim lhe parecer absolutamente imprescindível para a apuração da verdade. Esta prova poderá ser admitida excepcionalmente no âmbito penal, para evitar a condenação de um inocente, ou no juízo de família para comprovar uma causa separatória, se não o for para a amarga solução, fato de grave repercussão social e familiar, como acontece na disputa da guarda ou do poder familiar, e inconciliável a guarda conjunta (CAMBI, Eduardo apud MADALENO, Rolf. A Prova Ilícita No Direito De Família E O Conflito De Valores, https://www.rolfmadaleno.com.br/web/artigo/a-prova-ilicita-no-direito-de-familia-e-o-conflito-de-valores).
Embora seja admitido o princípio da proporcionalidade, sua aplicação sempre deverá ser pautada pelo juiz, por uma análise criteriosa do caso concreto.
A vedação constitucional das provas ilícitas é um princípio relativo que, de forma extremamente excepcional, poderá ser violado, nos casos em que os interesses discutidos forem de maior relevância, ou outro direito fundamental que vá de encontro com este. Fazer o uso do princípio da proporcionalidade, nada mais significa do que proteger da melhor forma possível a dignidade da pessoa humana (MADALENO, Rolf. A Prova Ilícita No Direito De Família E O Conflito De Valores. https://www.rolfmadaleno.com.br/web/artigo/a-prova-ilicita-no-direito-de-familia-e-o-conflito-de-valores).
O princípio da proporcionalidade reconhece a ilicitude da prova, entretanto, permite que o magistrado coteje os valores postos em entrechoque, no propósito de escolher e decidir pelo melhor caminho na aplicação da justiça, tendo em conta que os direitos fundamentais comportam restrições em favor e na defesa da ordem jurídica, assentado exatamente na ponderação de dois ou mais valores de aparente identidade de dimensão, mas que no caso concreto terminam por ceder naquelas hipóteses em que sua observância intransigente levaria à lesão de outro direito, também fundamental, ainda mais valorado (BERGMANN, ÉRICO R. apud MADALENO, Rolf. 2018, p 375-376).
Por conseguinte, o melhor caminho é o do equilíbrio entre dois valores que entram em colisão, considerando ser esta a orientação constitucional, cujo objetivo não é outro senão o de proteger os direitos fundamentais do indivíduo. De lembrar, todavia, que o constituinte brasileiro contemplou extenso rol aberto de direitos fundamentais explícitos e implícitos, encontrando-se, dentre eles, a ponderação de princípios (MADALENO, Rolf. 2018, p 376).
3. DA POSSIBILIDADE DE ADMISSÃO DAS PROVAS ILÍCITAS NAS AÇÕES DE FAMÍLIA.
Nas ações de família, é extremamente comum a necessidade de reconstituir situações que se verificam na intimidade e na privacidade do lar, como por exemplo, atos de alienação parental. Além disso, não é raro encontrar cenários em que os dados são ocultados deliberadamente por aqueles que os possuem, como, por exemplo, aqueles ligados à possibilidade financeira (TARTUCE, Fernanda. 2017. p. 114).
Assim, a admissibilidade excepcional da prova produzida por meios proibidos ou constitucionalmente protegidos no Direito das Famílias, antes de qualquer coisa, cuidam de buscar a verdade necessária, valendo-se da compreensível relativização da proibição constitucional de uso de prova ilícita, sempre que se relevarem importantes e cruciais para a justa solução da demanda (MADALENO, Rolf apud ROSA, Conrado Paulino da. 2020, p. 786).
É fato que as particularidades que são notadas nas ações de família justificam a flexibilização da inadmissibilidade das provas ilícitas. Isso porque, é impensável e causaria muita estranheza que uma norma constitucional, cidadã e garantidora de direitos, deixasse de amparar os interesses de uma criança, por exemplo, em detrimento de uma análise fundada apenas na literalidade da lei.
Marcus Vinícius Rios Gonçalves exemplifica este cenário, trazendo uma ação de modificação de guarda que necessidade de provas de maus tratos à criança. Nesse sentido, os valores da vida e a integridade física de uma criança que está em iminente risco prevalecem à prova ilícita e ao princípio constitucional da intimidade, pois são proporcionalmente mais relevantes (GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios apud ROSA, Conrado Paulino da. 2020, p. 787).
A prova obtida ilicitamente acaba por ferir os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal atinente à intimidade, à liberdade e à dignidade humana, além de outras garantias definidas em normas infraconstitucionais, capazes de violarem direitos como a integridade física, a propriedade, a inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência e da comunicação telefônica. Contudo, cumpre observar que os direitos fundamentais vinculados à intimidade e à dignidade da pessoa encontra larga proteção nas demandas cíveis, muito especialmente nas ações de família, que são confrontadas na suposição de proteção de um valor maior, quando buscam preservar a intimidade dos cônjuges, a integridade psíquica dos filhos e a garantia de subsistência onde houver a dependência alimentar, permitindo quebrar o sigilo e o uso de provas ilícitas, mas ponderáveis pelo princípio da proporcionalidade (MADALENO, Rolf. 2018, p 370).
Dessa maneira, apesar da vedação constitucional ser expressa, conforme o artigo 5º, LVI, na seara do Direito das Famílias, travam-se grandes embates sobre a possibilidade da utilização excepcional de provas ilícitas, principalmente diante dos avanços no campo da informática. Assim, ainda que o processo seja um instrumento ético, o que é recomendado é a ponderação na análise da prova ilícita, atentando-se ao princípio da proporcionalidade, podendo algumas provas ser admitidas, quando relevantes e evidenciado ser a única maneira de a parte provar sua pretensão. Isso se aplica principalmente nas demandas envolvendo o interesse de crianças e adolescentes, sendo possível relativizar a proibição constitucional do uso da prova ilícita (DIAS, Maria Berenice. 2016. p. 128).
É evidente que o processo familiarista não pode ser uma batalha, tendente à reconhecer o direito do mais forte. É necessário compreender que a admissibilidade excepcional da prova ilícita sempre será feita com base no princípio da proporcionalidade, ponderando, com extrema cautela, os demais valores conflitantes, buscando sempre a melhor solução para resguardar, verdadeiramente, a dignidade da pessoa humana (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2017. P. 167).
Comumente, em ações de divórcio e dissolução de união estável, bem como em ações nas quais se discutam apenas interesses patrimoniais, como por exemplo, ação pra divisão de bem comum ou suprimento judicial de consentimento para alienação de bem comum, o interesse em pauta, por ser meramente econômico, não se sobrepõe aos princípios da privacidade e da intimidade e, portanto, a vedação da utilização da prova ilícita não poderia ser mitigada (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2017. P. 167). Nestes casos, as interceptações clandestinas, os flagrantes forjados (que são considerados comuns nas relações afetivas um dos parceiros obter, indevidamente, evidências da traição), o uso de "detetives particulares, gravações telefônicas de terceiros, captação de conversas cibernéticas em salas de bate-papo ou mesmo cópias de e-mails são meios imprestáveis de prova, como regra, nos processos envolvendo famílias, pois a preservação da privacidade das pessoas envolvidas tem alcance superior, a partir da técnica de ponderação de interesses (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2017. P. 167).
No entendimento de Maria Berenice Dias, como a profissão de detetive particular não é proibida, e a contratação de seus serviços não é ilícita, não havendo perturbação à intimidade do investigado, seria possível a aceitação de tais provas. Como exemplo, o flagrante obtido em lugares públicos (DIAS, Maria Berenice. 2016. p. 128).
Ademais, dividem-se os juízes, sobre admitir ou não a indicação de assistente técnico e a formulação de quesitos quando determinada a avaliação psicológica e estudo social. Sob a justificativa de que não se trata de uma perícia, mas de 128/1276 meio para o magistrado formar sua convicção, o processo é encaminhado ao setor de serviço psicossocial, sem a nomeação de um perito. Tal postura acaba por flagrar evidente violação não só às garantias processuais, mas também às garantias constitucionais do devido processo legal, especificamente no tocante ao contraditório e ampla defesa (TARTUCE, Fernanda apud DIAS, Maria Berenice. 2016. p. 128-129).
Além dos exemplos já mencionados, pensemos na situação de uma exumação de um cadáver para verificação de DNA em ação investigatória de paternidade. O magistrado deverá ponderar os interesses em conflito, devendo atribuir maior valor à identidade daquele que investiga a paternidade, em detrimento da preservação de um cadáver exumado.
Outro exemplo, muito comum nas ações de fixação de alimentos, é a quebra do sigilo bancário para auferir a capacidade econômico do alimentante, nos casos em que a quebra desse sigilo seria o único meio probatório para demonstrar, diretamente, a riqueza do devedor de alimentos.
É de ser ponderado que todos os exemplos anteriormente descritos, os magistrados cuidam de buscar a necessária verdade, valendo-se enfim, da compreensível e totalmente excepcional relativização da proibição constitucional de uso da prova dita ilícita, especialmente no Juízo familiarista, sempre que se mostrarem relevantes e imprescindíveis para a justa solução do caso.
Outrossim, temos que mencionar que o avanço das tecnologias trouxe inúmeros benefícios à sociedade, mas também fez surgir problemas que antigamente não existiam. Hodiernamente, tendo-se em vista que os meios eletrônicos estão cada vez mais avançados e acessíveis à população, facilitou-se o registro de conversas, imagens, interceptação de e-mails, telefones, uso de redes sociais, ou até mesmo, fazer fotos e filmagens utilizando destes aparelhos eletrônicos. Consequentemente, diversas questões surgem no tocante à violação da privacidade e à utilização desta como meio de prova a ser admitida em um processo. De igual forma, a figura de detetives particulares, filmagem e fotografias capturadas sem a devida autorização têm sido muito utilizadas nos embates familiares, como meio probatório, para reforçar os argumentos dos interessados (SCHIMIDT, Shauma Schiavo. 2013. p. 259-260).
O Direito das Famílias se mostra como um campo fecundo para as discussões e reflexões acerca da admissibilidade da prova ilícita, visto que envolve aspectos jurídicos superiores ao princípio da privacidade. As normas jurídicas familiaristas possuem, por si só, um caráter extremamente dinâmico, visto a necessidade de adaptação às mudanças evolutivas da sociedade. Além disso, os litígios familiares demandam uma grande sensibilidade por parte dos profissionais do Direito, para compreender que as particularidades do ramo tornam ainda mais difícil a produção das provas.
É de ser ponderado que, em todos os exemplos trazidos a partir da prática processual do juízo familiarista, o próprio julgador tem deferido a utilização destes que são considerados meios proibidos de prova e constitucionalmente protegidos, mas que antes de tudo, cuidam de buscar a necessária verdade, valendo-se enfim, da compreensível relativização da proibição constitucional de uso da prova ilícita, de maneira totalmente excepcional, especialmente no juízo de família, sempre que se mostrarem relevantes para a solução justa da demanda (MADALENO, Rolf. 2018, p 377).
CONCLUSÃO.
À vista de todas as considerações feitas ao longo do artigo, verifica-se que, no campo do Direito das Famílias, as provas ilícitas poderão ser admitidas quando o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, observando sempre o princípio da proporcionalidade.
Salienta-se que a relativização ocorrerá sempre rem caráter excepcional, quando os determinados valores superem a privacidade, e que não seja possível a obtenção de prova por outro meio lícito. Assim, sendo essas provas imprescindíveis ao convencimento do magistrado, sua inadmissibilidade pela literalidade da lei poderia causar enormes prejuízos ao jurisdicionado. Essa situação fica ainda mais evidente, e é tão discutida no âmbito do Direito das Famílias, visto que, muitas vezes, estamos diante de direitos personalíssimos e indisponíveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020. 568 p.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 752 p.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9. ed. Salvador: Juspodvm, 2017. 1024 p.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Gen Jurídico, 2018. 1384 p.
MADALENO, Rolf. A Prova Ilícita No Direito De Família E O Conflito De Valores, Disponível em: https://www.rolfmadaleno.com.br/web/artigo/a-prova-ilicita-no-direito-de-familia-e-o-conflito-de-valores. Acesso em: 05 ago. 2020.
ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 7. ed. Salvador: Juspodvm, 2020. 848 p.
SCHIMIDT, Shauma Schiavo. A prova ilícita no direito de família. Em Tempo, Marília, v. 12, p. 255-264, ago. 2013.
TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família: Teoria e Prática. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. 496 p.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM