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O divórcio extrajudicial unilateral e a garantia do direito potestativo
O divórcio extrajudicial unilateral e a garantia do direito potestativo.
Maitê Ribeiro Nascimento[1]
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar e estudar o divórcio sobre a ótica do direito potestativo, que foi inserido na modalidade do direito de família com a Emenda Constitucional nº 66/2010. Antes da referida Emenda para que fosse decretado o divórcio, dissolvendo o casamento, era necessário por fim a sociedade conjugal através da separação que poderia ser de fato ou de direito. Inicia-se o contexto a partir da evolução histórica dos institutos da separação judicial e do divórcio, desde sua implementação até o modelo atual, com a discussão da implementação do chamado de divórcio impositivo. Com a busca por menos intervenção do Estado e a tendência a desjudicialização dos processos rápidos, vincula a realização do divórcio na premissa do direito potestativo ao seu modo administrativo, atendendo o preceito de forma eficaz e inovadora.
Palavras-Chave: Casamento. Divórcio. Separação Judicial. Direito Potestativo. Divórcio Impositivo.
Abstract: The main objective of the present work is to analyze and study divorce from the perspective of potestative law, which was inserted in the family law modality with Constitutional Amendment 66/2010. Before the referred Amendment in order to decree the divorce, dissolving the marriage, it was necessary to finally the conjugal society through the separation that could be de facto or de jure. The context begins with the historical evolution of the institutes of judicial separation and divorce, from its implementation to the current model, with the discussion of the implementation of the so-called tax divorce. With the search for less State intervention and the tendency to dejudicialization rapid processes, the implementation of divorce is linked to the premise of potestative law and its administrative mode, meeting the precept in an effective and innovative manner.
Key word: Marriage. Divorce. Judicial Separation. Potestational Law. Impositive Divorce.
- Introdução
Diante de milhares de ações judiciais em trâmite no Brasil, dos mais variados assuntos e por diversas razões, tais como a morosidade da justiça, a alta demanda pela prestação jurisdicional associada ao perfil de alta litigiosidade da sociedade brasileira e, consequentemente, da sobrecarga de trabalho concentrada nas unidades judiciárias do país, busca-se por métodos capazes de facilitar a quem está certo de consumar seu direto, de modo eficaz e rápido.
Em meio a isso, o direito de família, como ramo do direito privado que busca tratar das relações pessoais e patrimoniais entre as partes que formam uma entidade familiar, evolui frente a um dos passos que antigamente tinha-se como um dos mais difíceis em um casamento: o momento do divórcio.
Em uma união de inovação jurídica com a garantia do rompimento conjugal surge o divórcio impositivo, uma possibilidade de divórcio pautada na Emenda Constitucional nº 66/2010 que trouxe o direito potestativo para o ordenamento jurídico brasileiro. A dissolução da sociedade conjugal, nesse caso, ocorre de modo unilateral na forma administrativa, com a averbação do divórcio no Cartório de Registro Civil onde foi registrado o casamento, em uma possibilidade totalmente distinta da primeira forma de separação instituída há 40 anos.
- Breves considerações sobre o casamento e o divórcio
A disciplina aplicável ao casamento e ao seu contraponto, o divórcio, foi sendo moldada ao longo de muitos anos e sofrendo, especialmente no momento formativo do estado Brasileiro, influências não jurídicas, notadamente, da religião.
Nessa perspectiva e sob a influência do Direito canônico, ligado ao Cristianismo e herdado do Direito Português, notadamente das Ordenações Filipinas, vigentes durante grande período no Brasil, mesmo após a Independência, a dissociação entre o direito e religião perdurou.
Com a instauração da Monarquia após a Independência do Brasil, em 1827, a manutenção da Igreja como fonte de influência e poder, adotando padrões sociais baseados nos fundamentos religiosos, as questões relativas ao casamento ficaram a cargo da Igreja Católica. A rigor, durante todo o período Imperial, o direito brasileiro só reconhecia o casamento católico. Não obstante a aceitação subsidiária do casamento civil a partir de 1861[2], o reconhecimento da validade do casamento civil só adveio com o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, ou seja, após a Proclamação da República[3].
Após a proclamação da República, no ano de 1889, realizou-se a separação entre a Igreja e o Estado, sendo necessária a regulamentação do casamento. Até este momento, o casamento só era dissolvido com a morte de um dos cônjuges. A partir do Decreto n° 521/1890 foi instituído o casamento civil, que deveria preceder qualquer celebração religiosa para sua validade. E, além da regulamentação dos efeitos do casamento, instaura a separação – que não põe fim ao vinculo conjugal, mas permite a separação de corpos e faz cessar o regime de bens, sendo admitido em casos onde havia o abandono do lar, adultério, injúria ou quando houvesse consentimento dos cônjuges, necessariamente, casados há mais de dois anos.
A partir de então, verifica-se a predominância do casamento civil. O Código Civil de 1916, por exemplo, não tratou do casamento religioso e as Constituições que se seguiram, ou foram omissas quanto ao tema ou reconheceram os efeitos civis do casamento religioso, desde que observados o rito, impedimentos e disposições legais.
O Código Civil de 1.916, ainda sobre influência religiosa, conceituava família unicamente como o resultado de um matrimônio entre um homem e uma mulher, do qual resultava um vínculo indissolúvel. Nesse sentido, introduziu o instituto legal do desquite, reproduzindo as disposições do Decreto n. 181/1890, e que elencava os motivos que permitiam a propositura, como o (i) adultério, (ii) tentativa de morte, (iii) sevicia ou injuria grave e (iv) abandono voluntário do lar conjugal, durante dos anos contínuos.
Assim, o desquite foi admitido como única forma de se romper a convivência conjugal. Os efeitos do desquite eram semelhantes ao da separação, ou seja, não obstante a separação de corpos e a cessação da sociedade conjugal com o fim do regime de bens, é mantido o vínculo conjugal. Em síntese, pelo desquite mantinha-se a indissolubilidade do casamento, visto que o vínculo conjugal não era desfeito, embora cessados o regime de bens e os deveres conjugais. Em razão da manutenção do vínculo conjugal, perdurava a impossibilidade de um novo casamento.
A gênese do divórcio, como visto atualmente, se deu em 1946 quando da introdução de uma nova causa de anulação do casamento, que consistia na prova de que passados cinco anos do desquite o casal não havia reestabelecido vida conjugal. No entanto, a possibilidade de dissolução do casamento só adveio com a Emenda Constitucional n° 1/69 a qual permitiu a dissolução do matrimônio após três anos de separação judicial. Em 1977, após diversas discussões, a Emenda Constitucional n° 9/1977, introduziu também a possibilidade de divórcio sem a prévia separação judicial, mas exigindo separação de fato de 5 anos.
Como é cediço, a década de 1970 marca a entrada da mulher no mercado de trabalho. No mesmo período se observou uma revolução sexual, demarcada pelo feminismo e com o consequente avanço das mulheres como parte da sociedade, sendo então considerada como sujeito de direito e não mais camufladas por um homem. Com a sociedade estando cada vez mais dinâmica, as relações dos casais passam a ser cada vez menos atreladas à dependência econômica de um dos cônjuges, permitindo – e garantindo – a liberdade individual de cada um.
As mulheres que por muito tempo destinavam-se a ter uma educação diferenciada dos homens, onde era priorizado serviços domésticos e familiares, passaram a ter voz em suas próprias vontades, não mais atreladas ao estigma da figura masculina. Com essa nova realidade social, novas estruturas parentais e conjugais chegaram.
A Lei n° 6.515/1977 regulamentou o divórcio e rompeu com o princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal, visto que antes de 1977 a união somente era rompida com o falecimento de um dos parceiros. Assim foram implementadas as modalidades do divórcio direto, após 5 anos de separação de fato, e indireto, pela conversão do desquite/separação judicial.
A regulamentação do divórcio no final da década de 1970 e o modelo plural de família instituído pela Constituição de 1988, também impactaram diretamente as oscilações. Assim, há de se considerar as mudanças nos padrões de composição dos arranjos familiares, influenciada por alterações legislativas sensíveis, dentre elas o reconhecimento constitucional de um modelo plural de família, a facilitação da conversão das uniões estáveis em casamentos civis e, claro, a possibilidade e facilitação do divórcio.
Com a Constituição Federal de 1988 foram diminuídos os prazos do divórcio, mantendo-se a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal por meio da separação judicial. Já com a Emenda Constitucional n° 66/2010 excluiu-se a obrigatoriedade de qualquer lapso temporal para concessão do divórcio, dando fim ao casamento e ainda afastando o debate quanto à culpa. Com isso se tornou possível formular pedido de divórcio apenas pelo fato de não se querer mais estar naquela relação - seja por um ou ambos os cônjuges -, garantindo que a união decorresse unicamente da vontade das partes em estarem juntas.
Em síntese, a dissolução do vínculo conjugal experimentou grande evolução contemporânea, desde a fase da indissolubilidade até o momento atual em que se discute a possibilidade de dissolução extrajudicial, independente do consenso entre os consortes. Essa evolução pode ser dividida em três grandes fases: i) primeira fase, compreendida entre 1916 e 1977, na qual, de forma excepcionalíssima, admitia-se apenas a dissolução da sociedade conjugal; ii) segunda fase, entre 1977 e 1988, marcada pela ampliação das hipóteses de separação judicial e admitindo-se o rompimento do vínculo conjugal; iii) terceira fase, de 1988 até o presente, caracterizada pela facilitação da constituição e, também, da dissolução de vínculos conjugais e familiares.
A última fase consolidou importantes conquistas, dentre elas a Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, inovou com a possibilidade da separação e do divórcio consensuais por via administrativa, sem a necessidade de recorrer à justiça, condicionando-a a não existência de filhos menores ou incapazes entre os cônjuges e casos em que as partes concordassem com a separação, não contestando nada.
Com o passar do tempo, o conceito de família e casamento continuou a evoluir. O matrimônio passou a ser realizado tanto por homens e mulheres, quanto por casais que integram o mesmo gênero. A modo de acompanhar essa evolução surgem diversas discussões para que as leis acompanhem as novas tendências da sociedade.
Dentre elas, retorna-se a discussão de que ninguém deve ficar em um casamento que não deseja. Então, diante das várias situações possíveis no ordenamento brasileiro, quais são as limitações que o divórcio extrajudicial enfrenta para garantir esse direito potestativo?
- A Emenda Constitucional nº 66 e o direito potestativo ao divórcio
Desde a Emenda Constitucional n° 66/2010, a qual excluiu os requisitos para o exercício do divórcio, a discussão sobre o divórcio passou a ser pautada pelo entendimento de que ele se constitui um direito potestativo e, em conformidade com tal natureza jurídica, o divórcio impositivo surgiu. Consequentemente, buscar o fim da união matrimonial passou a ser simples exercício de um direito, sem requisitos ou necessidade de fundamentação vinculada. Como afirmado por Cristiano Chaves de Farias:
Trilhando as pegadas do princípio da facilitação da obtenção do divórcio, abraçado pelo texto constitucional de 5 de outubro, a Emenda constitucional 66/2010 afastou a exigência de qualquer prazo para a sua obtenção, permitindo que o divórcio seja decretado a qualquer tempo, independentemente do lapso temporal de convivência do casal ou de cessação de convivência. Sem dúvida, a inovação constitucional é justificável e merece elogios. Embora seja certo e incontroverso que todo casamento tende à manutenção, não se pode olvidar a possibilidade de cessação do afeto, encerrando o projeto familiar. Frustrando o pacto de solidariedade afetiva, pela ausência de ideais de comunhão de vida, surge para cada consorte um direito potestativo extintivo de dissolver a união matrimonial que se imaginou eterna, sem qualquer justificativa ou cumprimento de lapso temporal. Isto é, quando o véu da paixão já não mais encobre os defeitos recíprocos, o final é inexorável e fracassada a cumplicidade almejada, resta reconhecer o direito de ambos os cônjuges – mesmo do eventual responsável (em todos os sentidos) pela ruptura – de promover a dissolução matrimonial.[4]
A Emenda Constitucional nº 66/2010 afastou as discussões de fato, notadamente acerca da culpa, para a decretação do divórcio. Nesse sentido, a alteração vem para atender aos anseios e inconformidade que se criou junto a resistência ao divórcio. Não há mais justificativas para se manter uma dupla via para assegurar o direito e a felicidade, uma vez que a manutenção de um casamento onde um dos lados não quer estar nele não pode ser sinônimo de felicidade. Como elucidado pela doutrinadora Maria Berenice Dias:
O avanço é significativo e para lá de salutar, pois atende ao princípio da liberdade e respeita a autonomia da vontade. Afinal, se não há prazo para casar, nada justifica a imposição de prazos para o casamento acabar. Além do proveito a todos, a medida vai produzir significativo desafogo do Poder Judiciário. A mudança provoca uma revisão de paradigmas. Além de acabar com a separação e eliminar os prazos para a concessão do divórcio, espanca definitivamente a culpa do âmbito do direito das famílias. Mas, de tudo, o aspecto mais significativo da mudança talvez seja o fato de acabar a injustificável interferência do Estado na vida dos cidadãos. Enfim, passou a ser respeitado o direito de todos de buscar a felicidade, que não se encontra necessariamente na mantença do casamento, mas, muitas vezes, com o seu fim.[5]
Uma das controvérsias iniciais após a alteração constitucional foi sobre a manutenção do instituto da separação judicial. A divergência é compreendida pela própria necessidade de maturação e reflexão acerca das mudanças implementadas. No entanto, prevaleceu o entendimento de que o instituto da separação foi mantido, deixando claro que a não intromissão do Estado se daria no sentido de não determinar prazo algum para divórcio, deixando a cargo dos cônjuges a opção de se divorciarem ou se separarem.
Por outro lado, restou inequívoco, que a separação não constituía mais requisito para a decretação do divórcio, devendo a legislação infraconstitucional ser interpretada e aplicada em conformidade com o texto constitucional vigente. Seguindo essa linha de raciocínio, mas com foco voltado para o propósito da emenda constitucional de eliminar a separação como requisito para o divórcio, a Ministra Isabel Galotti, afirmou em decisão monocrática:
Após a EC 66/2010, não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da separação judicial. Não foi delegado ao legislador infraconstitucional poderes para estabelecer qualquer condição que restrinja direito à ruptura do vínculo conjugal. [6]
Essa controvérsia e o entendimento prevalecente da mesma acabou por afastar qualquer dúvida acerca da natureza potestativa do divórcio. Como elucida Orlando Gomes, a todo direito corresponde uma obrigação, havendo, no entanto, direitos nos quais a faculdade de agir do seu titular não está correlacionada a uma prestação do outro, sendo estes os chamados direitos potestativos[7]. Trata-se, portanto, de situação jurídica subjetiva, desvinculado de qualquer requisito (prévia separação judicial ou decurso de tempo de separação de fato), exigindo-se apenas a manifestação de vontade do(s) cônjuge(s).
Se o direito potestativo é um poder jurídico conferido ao titular de um direito, cujos efeitos decorrem da simples declaração unilateral de vontade, restando a parte contrária somente o dever correlato de não obstar a efetivação do direito potestativo de seu titular, há de se questionar o porquê de o ordenamento não reconhecer a validade do divórcio impositivo.
Ademais, por tratar-se de direito de caráter personalíssimo, a escolha pelo divórcio cabe exclusivamente aos consortes, uma vez que só eles podem decidir quando não há mais fundamento para que seja continuada a vida conjugal. E, somando-se a natureza potestativa do direito, independentemente do consentimento do outro consorte ou de fundamentação fática para tal pedido, estando os cônjuges de acordo quanto ao desfazimento do casamento ou havendo divergência quanto ao rompimento do vínculo conjugal, haverá a decretação do divórcio.
Ademais, a decretação do divórcio independe da partilha e da solução de questões atinentes à guarda de filhos menores. Inexiste razão suficientemente forte que impeça a decretação liminar do divórcio, quando a parte requerente demonstra que o seu pedido é incontroverso, dado que o divórcio é questão apenas de direito não gerando, assim, prejuízo para a contraparte e, em muitos casos, tratando-se apenas de uma mera formalidade.
Considerando-se o divórcio judicial, é facultado ao juízo analisar o pedido e conceder a antecipação de tutela quando estiver presente nos autos prova de que não há mais afetividade ou até mesmo a quebra dos deveres conjugais, por meio de uma comprovação da separação de fato dos cônjuges. E não há que se que se falar quanto a violação do princípio do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que o divórcio trata de matéria de direito, não admitindo que questões de fato obstem a sua execução.
- O divórcio impositivo ou unilateral extrajudicial
Em 14 de maio de 2019 foi publicado o Provimento 06/2019 pela Corregedoria Geral da Justiça do TJPE, tratando do chamado divórcio impositivo. Nessa modalidade, o provimento regulamenta a realização do divórcio em cartório de registro civil com a presença de apenas um dos cônjuges, de acordo com a ementa do próprio provimento, em que se caracteriza por um ato de autonomia de vontade, em pleno exercício do seu direito potestativo[8].
Contudo, após discussões, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vedou o provimento, suspendendo as medidas administrativas realizadas pelo Tribunal de Pernambuco e não autorizando que outros Tribunais realizassem normas semelhantes. Apesar de tal vedação, a discussão é levantada por diversos doutrinadores e juristas que concordam que deve haver a regulamentação do divórcio impositivo.
A Lei 11.441, de 2007, é um marco importante e preliminar para a discussão sobre a possibilidade do divórcio impositivo ou unilateral extrajudicial. Isso porque, antes mesmo de afirmar ser o divórcio um direito personalíssimo com a Emenda Constitucional de 2010, a Lei nº 11.441/2007 foi editada, introduzindo a possibilidade de realização de separações e divórcios pela via administrativa, com solicitação de pensão alimentícia entre os ex-cônjuges e de restabelecimento do nome de solteiro, quando houvesse vontade, seguindo os prazos legais previstos no Código Civil e caso não houvesse filhos menores ou maiores incapazes entre o casal.
Foi uma mudança paradigmática e a favor da liberdade pessoal em relação ao desfazimento de vínculos que não mais atendiam ao seu propósito inicial. Isto porque, o divórcio, desde a sua instituição em 1977, sempre foi realizado por meio de instauração de um procedimento, litigioso ou amigável, perante o poder judiciário.
Introduzida como uma facilitação que pretendia desafogar o volume processual no Sistema Judiciário, Lei nº 11.441/2007 foi recebida como mais um avanço da sociedade e desburocratização de procedimentos de cunho personalíssimo. Dando autonomia às partes para que seja possível uma dissolução da sociedade conjugal por um caminho mais simples, afastando a intromissão do estado e a possibilidade do próprio casal de regular o fim de seu casamento.
Nos termos da Lei 11.441, os requisitos para a separação e/ou para o divórcio extrajudicial são: i) consenso entre os consortes, não cabendo em hipótese algum litígio e ii) ausência de filhos menores ou maiores incapazes. Observados esses requisitos, a escritura de separação ou divórcio deve ser averbada no cartório do registro civil onde se realizou o casamento e em cada um dos cartórios de registro de imóveis correspondente aos bens dos ex-cônjuges.
A lei, ao possibilitar essa facilidade, numa forma de coexistência com o Sistema Judiciário, privilegia a priorização da autonomia das partes e efetividade dos processos modernos. Restringiu mais ainda a intervenção do Estado na vida privada das pessoas, agora possibilitando que os divórcios ou separações consensuais fossem levados a termo fora do âmbito do Poder Judiciário. Consequentemente, reduziu a interferência estatal na vida privada do cidadão, reduziu as custas judiciárias e o tempo para a efetivação do direito.
Os impactos da Lei foram destacados na seção anterior, notadamente em razão da alta adesão ao modelo extrajudicial e em relação a insignificância que a separação alcançou diante da possibilidade do divórcio direto.
Na ordem atual, o processo judicial para dissolver o casamento, tornou-se dispensável. A autonomia privada deve ser incentivada na manutenção ou na dissolução dos relacionamentos familiares, a liberdade para regular seus interesses não deve ser limitado pelos negócios patrimoniais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a Lei 11.441 vai ao encontro do modelo democrático de família instituído pela Constituição Federal. O artigo 226 da CF/88 traz o princípio da liberdade de constituição, desenvolvimento e dissolução do casamento, após um longo caminho em meio a ideia da família brasileira em busca a laicização e do fim das marcas do patriarcalismo.
Uma vez consolidado o procedimento administrativo para o divórcio, há de se discutir se a sociedade não evoluiu ao ponto de ser necessária a revisão dos requisitos originalmente previstos na Lei 11.441. Se o divórcio é um direito potestativo e a sua decretação independe de questões acessórias, como já referido, por que não aceitar o divórcio extrajudicial unilateral?
O questionamento justifica-se, posto que trata-se de medida que operaria a favor da desburocratização e da efetividade de um direito, além de ser compatível com o próprio direito pretendido. Há ainda que se destacar que, a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma em seu artigo 16, I que homens e mulheres têm o direito de contrair matrimônio e gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e dissolução, bem como os princípios do Estado Democrático de Direito constantes do preâmbulo de nossa Constituição Federal.[9]
Ademais, em termos procedimentais, também não há qualquer impedimento ao modelo unilateral extrajudicial. Em todos os tipos de divórcio presentes no ordenamento jurídico brasileiro, para a sua concessão, é necessária apenas a certidão de casamento e a definição das questões essenciais, como guarda dos filhos, modificação ou manutenção do sobrenome dos cônjuges e partilha de bens – que pode ser realizada posteriormente.
As diferenças são observadas nas modalidades de divórcio. Para o divórcio consensual, é necessária a manifestação e atuação de ambos os cônjuges envolvidos, os quais devem expressar sua vontade de se divorciar.
Contudo, na modalidade de divórcio impositivo, a nova espécie, por meio da vontade unilateral, resolve o vínculo jurídico do matrimônio sem a necessidade de uma decisão judicial que concordará prontamente com a solicitação do cônjuge, uma vez que não há impedimento qualquer para o divórcio.
Para o presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Famíla, Rodrigo da Cunha Pereira o provimento é visto como:
avanço a possibilidade de qualquer dos cônjuges requerer diretamente no Registro Civil o divórcio, pois preservou o espírito da EC nº 66/2010 cujo o propósito é a simplificação, facilitação, menor intervenção estatal, liberdade e maior autonomia privada, além de não se discutir a culpa, acabando, via de consequência, com prazos para decretação do divórcio.[10]
O direito de família regulamenta as relações humanas sentimentais, porém, não há lei que garanta a continuidade do casamento. Por isso, a busca pelo divórcio impositivo é para que este alcance uma resposta rápida do Estado, sem intromissão, ponto fim ao contrato de casamento celebrado entre os cônjuges, que já não mais querem essa união.
Sobre o divórcio impositivo, o doutrinador Flavio Tartuce destaca:
Muitas são as situações concretas em que essa modalidade de divórcio unilateral traz vantagens práticas. Primeiro, cite-se a hipótese em que o outro cônjuge não quer conceder o fim do vínculo conjugal por mera “implicância pessoal”, mantendo-se inerte quanto à lavratura da escritura de divórcio consensual e negando-se também a comparar em juízo. Segundo, podem ser mencionados os casos em que um dos cônjuges encontra-se em local incerto e não sabido, ou mesmo desaparecido há anos, não podendo o outro divorciar-se para se casar novamente. Por fim, destaquem-se as situações de violência doméstica, em que o diálogo entre as partes é impossível e deve ser evitado, sendo urgente e imperiosa e decretação do divórcio do casal. Em todos esses casos, decreta-se o divórcio do casal, deixando o debate de outras questões para posterior momento.[11]
Não se admitindo contestação ao requerimento do divórcio, não se pode obrigar as partes a estarem em uma união que não desejada. As discussões sobre as questões acessórias, que devem fazer parte de ações próprias, não podem ser usadas como impedimento para a decretação do divórcio.
O provimento trouxe através dos seus artigos as condições e requisitos para o divórcio impositivo ser aplicado, tratando de condições a serem seguidas. Com exceção da possibilidade de alteração do nome, não seria possibilitada a pretensão de nenhum outro pedido cumulado.
Em seu art. 1° a determinação de que qualquer um dos cônjuges tornava-se capaz de, perante o Registro Civil, requerer a averbação do seu divórcio, buscando o cartório onde havia sido realizada a comunhão.
As condições seguem, basicamente, as regras do divórcio extrajudicial consensual, conforme visto no parágrafo 1° do mesmo artigo, (i) não pode haver filhos menores, incapazes ou nascituros, (ii) não será realizada partilha de bens e (iii) os alimentos, medidas protetivas e quaisquer outras discussões acessórias deverão ser tratadas em juízo competente.
Logo após, em seu parágrafo 2°, delimita que o requerente deverá estar acompanhado de um advogado ou defensor público, que deverá se qualificar e assinar o pedido.
Assim, sucessivamente, o cônjuge que não está presente – e de acordo com o divórcio –, será notificado pessoalmente para fins de conhecimento da averbação do divórcio requerido. Caso não ocorra a notificação pessoal, ela se dará por edital, para sua concretização e pondo fim ao referido casamento.
Concretizando, por fim, o entendimento doutrinário de que o pedido unilateral e independente do divórcio passou a ser com a emenda constitucional um direito potestativo do cônjuge, quando não cumulado a pleitos de natureza subjetiva. Não há como haver resistência de outra parte, se o casamento – em busca pelo fim, com o divórcio – está amparado pelo estado de sujeição.
O divórcio impositivo deve ser visto como a representação da liberdade de escolha dos cônjuges dentro das relações familiares. Liberdade esta que vem de uma séria de evoluções e conquistas, principalmente para as mulheres, que foram peças fundamentais para a conquista do divórcio.
Hoje a discussão passa a ser quanto à aplicabilidade do instituto do divórcio, de suas formas e de sua previsão legal. Mas nada que cause espanto, uma vez que nenhuma modificação foi feita sem que houvesse a analise dos fatores.
Por fim, apesar da decisão de vedação ao divórcio impositivo realizado pelo CNJ, existe uma movimentação no meio jurídico para que normatize o divórcio impositivo ou unilateral. O Projeto de Lei nº 3.457/2019 regula os detalhes jurídicos a respeito do divórcio impositivo ou unilateral no Brasil, pretendendo o acréscimo de um artigo ao Código de Processo Civil permitindo o requerimento da averbação de divórcio no cartório de registro civil mesmo que o outro cônjuge não concorde com a separação, assim como fez a portaria do TJPE.
- Conclusão
Como exposto, a evolução do divórcio e a presença do instituto na sociedade brasileira, busca se aprimorar cada vez mais.
Após 40 anos da Emenda Constitucional que regulamentou o divórcio, a discussão gira em torno da modalidade do divórcio impositivo, que tem causado muitos debates por conta das diversas opiniões divergentes a sua possibilidade para a entrada em vigor no ordenamento jurídico.
É a partir da comunhão de vida que os cônjuges buscam a constituição de uma nova família, uma nova entidade familiar, que faz parte da sociedade e tem sua devida importância.
O casamento é considerado um dos costumes mais antigos da humanidade e o principal ponto da formação de uma sociedade. Assim, o instituto tem a formação e a manutenção da família como seu objetivo específico.
Com a exclusividade do casamento como forma de reconhecimento da família, e a impossibilidade de realização do divórcio, muitos relacionamentos se tornavam infelizes, insustentáveis, e era impossibilitado o recomeço de novas famílias.
Ao longo do tempo com as diversas mudanças sociais, culturais e afetivas que envolveram o casamento e a formação familiar, foi necessário fundamentar também mudanças na ordem de sua concepção e diluição destinando-se a dar mais segurança e seriedade a esses atos, estabelecendo efeitos jurídicos que atendessem essas mudanças.
O ordenamento jurídico busca tutelar os direitos e deveres do instituto do direito de família. Assim sendo, vimos que o primeiro modelo de dissolução do matrimonio surgiu após a Proclamação da Republica de 1889, percorrendo um grande caminho até a Emenda Constitucional n° 66/2010, que trouxe uma grande inovação ao ordenamento, extinguindo a separação judicial.
O fundamento para a decretação do divórcio no Brasil passou a ser o fim da afeição, não determinando mais motivo específico algum ou período mínimo de separação de fato para deferimento de pedido de divórcio. Divorciar-se passa a ser o simples exercício de um direito potestativo, sem requisitos ou de fundamentação vinculada.
Neste contexto, observa-se que com a simplificação dos procedimentos a parte da Emenda Constitucional 66/2010 e com a evolução da sociedade contemporânea houve uma alteração crescente na dissolução dos casamentos, favorecendo assim a realização pessoa do indivíduo e sua dignidade. A criação e a modificação de leis se fizeram necessárias para a tentativa de solução aos conflitos sociais, dando ao indivíduo a chance de ser feliz.
Percebe-se, entretanto que a evolução da sistemática do divórcio é o resultado de vários fatores, não significando isso o declínio do casamento, mas da modificação social que ocorreu. Fundamenta-se principalmente na liberdade das relações familiares e nas escolhas procurando se adaptar ao novo e se moldando as novas realidades.
Com a evolução desses princípios e valores, o atual sistema jurídico brasileiro, tende a solidificar as formas de divórcio, sendo atualmente o impositivo a mais nova tendência de modernização do instituto do casamento e de suas formas de dissolução.
Ressalta-se que apenas os estados de Pernambuco e Maranhão publicaram normas administrativas em concordância com essa nova forma. Acrescenta-se que não há legislação civil vigente sobre essa forma de divórcio, existindo apenas a possibilidade de correr através de sentença judicial.
Com a pesquisa, pode-se concluir que essa inovação abriu portas para discussões e controvérsia no meio jurídico, mas também se faz ressaltar que a ideia foi lançada, e que agora dependerá de uma adequação na legislação que se procederá como um incitamento futuro ao Direito de família Brasileiro, podendo brevemente ser normatizada com as mudanças que se fizerem necessária para o bem da família e da sociedade.
Isso vem corroborar com objetivo fundamental que norteia a Constituição Federal, que defende a liberdade e a realização pessoa do indivíduo, dando a ele possibilidades de como melhor lhe convier, buscar formas de alicerçar seus vínculos familiares tendo a afetividade como princípio.
Mesmo com opiniões diversas a respeito do divórcio impositivo, o provimento, desde que seja de competência da União criar e legislar sobre o assunto, se faz legal no nosso ordenamento.
Apresentou-se mais uma modalidade a fim de desburocratizar e descongestionar a grande demanda do Poder Judiciário. Sendo um grande avanço para que esse processo ocorra de forma mais rápida e menos danosa para as partes.
O propósito é a simplificação e facilitação para decretar o divórcio. Por interferir no íntimo do casal se trata de um instituto muito delicado. Mesmo que o Estado possua esse amparo, não há que se discutir o motivo ou culpa do casal, e muitas vezes isto é exposto no processo pelos maus entendimentos e brigas.
No direito moderno inúmeras são as inovações que vem ocorrendo buscando o melhor para toda a sociedade. Portanto o Estado da a garantia de que quando não viverem mais em harmonia, sem demais intromissões do ente na relação, poderá romper o vínculo matrimonial para que tenha oportunidade de buscar sua felicidade novamente.
O direito não pode impedir que as pessoas não busquem o fim do casamento e vivam forçadas umas as outras. O divórcio impositivo veio para acelerar esse processo, de modo mais simples, rápido, cumprindo todos os requisitos são postos para as outras modalidades do divórcio e não causar danos as partes requerentes.
- Referencias bibliográficas
BRASIL. Decreto nº 1.144, de 11 de setembro de 1861. Disponível em:
DA CUNHA PEREIRA, RODRIGO. TJPE aprova provimento que possibilita o “Divórcio Impositivo". Assessoria de Comunicação do IBDFAM, 2019 Disponível em
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM. Disponível em:
DIAS, Maria Berenice. Incesto e o mito da família feliz. In Incesto e Alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. De acordo com Lei 12.318/2010. Coord. Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2013.
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PERNAMBUCO (Estado). Corregedoria Geral de Justiça. Provimento n° 06/2019, de 29 de abril de 2019. [Regulamenta o procedimento de averbação, nos serviços de registro civil de casamentos, do que se denomina de “divorcio impositivo” e que se caracteriza por um ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, em pleno exercício do seu direito potestativo, no âmbito do Estado de Pernambuco, e dá outras providencias]. Diário Oficial do Estado de Pernambuco: Edição nº 88/2019, p 414/415, 14 mai. 2019.
REsp 1.483.841 - STJ, Documento 40398425, Despacho/Decisão, DJE 22.10.2014
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família, v.5 – 14 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
[1] Bacharel em Direito pela faculdade de Direito do Centro Universitário Ibmec, pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo IBDFAM.
[2] O Decreto 1.144, de 11 de setembro de 1861, Decreto n° 1.144/1861 regulamentou a possibilidade de casamento entre pessoas de religiões diferentes, retirando da Igreja Católica a exclusividade do casamento religioso e reconhecendo vínculos de uniões religiosas, gerando os devidos efeitos civis.
[3] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 6.
[4] FARIAS, Cristiano Chaves de. A nova ação de divórcio e a resolução parcial e imediata de mérito. In: LEITE, George Salomão. SCARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição constitucional, democracia e direitos fundamentais. Salvador: JusPODIVM, 2012, p.74 et seq
[5] DIAS, Maria Berenice. Incesto e o mito da família feliz. In Incesto e Alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. De acordo com Lei 12.318/2010. Coord. Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2013.
[6] REsp 1.483.841 - STJ, Documento 40398425, Despacho/Decisão, DJE 22.10.2014
[7] GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 26ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 107.
[8] PERNAMBUCO (Estado). Corregedoria Geral de Justiça. Provimento n° 06/2019, de 29 de abril de 2019. [Regulamenta o procedimento de averbação, nos serviços de registro civil de casamentos, do que se denomina de “divorcio impositivo” e que se caracteriza por um ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges, em pleno exercício do seu direito potestativo, no âmbito do Estado de Pernambuco, e dá outras providencias]. Diário Oficial do Estado de Pernambuco: Edição nº 88/2019, p 414/415, 14 mai. 2019.
[9] Artigo 16 I) Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, tem o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM. Disponível em:
[10] DA CUNHA PEREIRA, RODRIGO. TJPE aprova provimento que possibilita o “Divórcio Impositivo". Assessoria de Comunicação do IBDFAM, 2019 Disponível em
[11] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família, v.5 – 14 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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