Artigos
Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro
Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro
Larissa Silva Pinto
Pós graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul
O presente artigo propõe um breve estudo acerca das alterações legislativas trazidas pelo Código Civil de 2002 no que tange os direitos sucessórios, em especial a equiparação da sucessão do companheiro com a do cônjuge. Esse tema é bastante polêmico e gera grandes dúvidas, haja vista que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o artigo que coloca o companheiro em posição de inferioridade em relação ao cônjuge, mas não o incluiu no rol de herdeiros necessários.
Partindo dessa premissa, busca-se analisar e responder a problemática que surge em virtude desse tema: Se a Suprema Corte do Brasil equipara cônjuges e companheiros, por qual motivo não ocorre essa equiparação para fins sucessórios?
Para esclarecer o questionamento existente e pontuar os elementos primordiais, a priori iremos analisar os direitos sucessórios no antigo Código Civil de 1916 e qual posição o cônjuge ocupava. Em seguida, examinaremos as alterações trazidas pelo Código Civil de 2002, especificando as inovações e novos direitos, no que tange à sucessão do cônjuge. Posteriormente, verificaremos a posição do companheiro em relação ao cônjuge, bem como a desigualdade da sucessão de ambos. Ademais, iremos estudar, brevemente, o Recurso Extraordinário nº 878.694 e analisar por quais razões o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o Art. 1790. Por último, faremos um sucinto comentário acerca da grande dúvida deixada pelo referido julgado, visto que cônjuges e companheiros foram equiparados, inclusive para fins sucessórios, mas o companheiro não foi incluído no rol de herdeiros necessários.
O Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, instituiu inúmeras alterações legislativas, especialmente no que tange aos direitos sucessórios em geral e legítimos, previstos no Livro V, títulos I e II, do Art. 1784 ao Art. 1856. A sucessão do cônjuge e do companheiro foi uma das inovações trazidas pelo código, uma vez que passaram a concorrer com descendentes e ascendentes.
No antigo Código Civil de 1916, primeiramente, eram chamados à sucessão os descendentes, na sua falta os ascendentes e em seguida o cônjuge sobrevivente. Ou seja, o cônjuge estava em terceiro lugar e era chamado somente na ausência de descendentes e ascendentes, desde que não estivesse separado ou divorciado com sentença de trânsito em julgado.
O cônjuge, como não era herdeiro necessário, podia ser afastado da sucessão pela via testamentária, mas, a separação de fato não era suficiente para excluí-lo. No caso do regime de separação absoluta de bens, o cônjuge, quando viúvo poderia ficar em pleno desamparo. (GRIMALDI, 2018)
Por outro lado, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o cônjuge foi elevado a herdeiro necessário, independente do regime de bens adotado, e passou a adquirir novos direitos. Contudo, esses direitos sucessórios somente são reconhecidos ao cônjuge sobrevivente, se, no momento da morte do outro cônjuge, não estavam separados, judicialmente ou de fato há mais de dois anos, salvo exceções legais, nos termos do Art. 1830.
Ademais, o cônjuge passou a concorrer com descendentes e ascendentes na ordem de vocação hereditária. Entende-se por ordem de vocação hereditária a preferência na sucessão do de cujos, conforme preceitua o Art. 1829, senão vejamos:
“Art. 1829 A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”
Ao tratar da ordem de vocação hereditária, o Código Civil de 2002 não incluiu o companheiro no Art. 1829, juntamente com o cônjuge, tendo em vista que o Art. 1790 foi destinado para tratar dos direitos sucessórios do companheiro. Entretanto, após uma leitura mais aprofundada do dispositivo, verifica-se que o companheiro foi colocado em posição de inferioridade em relação ao cônjuge.
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
Diante dessa notória desigualdade, em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal interveio por meio do Recurso Extraordinário nº 878.694 e julgou inconstitucional o Art. 1790, com repercussão geral. Em seguida, determinou que o companheiro tivesse seus direitos sucessórios equiparados aos do cônjuge e fosse incluído na ordem de vocação hereditária do Art. 1829. (ANDRADE, 2018)
Para muitos operadores do Direito das Sucessões, essa decisão solucionou grande controvérsia jurídica e, finalmente, deu tratamento igualitário aos cônjuges e companheiros, no tocante aos efeitos sucessórios, por meio da inconstitucionalidade do Art. 1790. Todavia, embora o julgamento do referido Recurso Extraordinário tenha sido em 2017, ainda surgem grandes dúvidas que necessitam de esclarecimentos.
O julgado nada relata sobre a inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no Art. 1845 do Código Civil de 2002. No entanto, mesmo sem uma posição expressa por parte dos ministros do STF, diante da leitura do Recurso Extraordinário, fica implícito que o companheiro passa a fazer parte do rol de herdeiros necessários. Como não há nada devidamente expresso nesse sentido, é de suma relevância que a Suprema Corte brasileira se manifeste e apresente um posicionamento claro, uma vez que, ao ser reconhecido como herdeiro necessário, o companheiro não poderá ser afastado da sucessão legítima, salvo exceções dispostas em lei.
Em síntese, a proposta do presente artigo girou em torno da análise das inovações legislativas promovidas pelo Código Civil de 2002 e da evolução dos direitos sucessórios do cônjuge e, principalmente, do companheiro. Demonstrou-se a disparidade da sucessão do cônjuge e do companheiro, em razão do Art. 1790, quais foram as providências tomadas pela Suprema Corte brasileira e quais dúvidas acerca desse relevante tema ainda persistem.
Portanto, a partir desse breve estudo, fica evidente a relevância de fazermos uma releitura do Art. 1790, considerando o Recurso Extraordinário nº 878.694. Quanto às lacunas deixadas pelo referido julgado, evidencia-se a importância de fazermos uma interpretação analógica, a fim de que cônjuges e companheiros estejam equiparados em todos os aspectos.
REFERÊNCIAS:
- BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF, 2002;
- ANDRADE, Raissa Nacer Oliveira de. Efeitos sucessórios decorrentes da união estável, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 no Supremo Tribunal Federal. Âmbito Jurídico, 2018. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-de-familia/efeitos-sucessorios-decorrentes-da-uniao-estavel-apos-o-julgamento-do-recurso-extraordinario-n-878-694-no-supremo-tribunal-federal/. Acesso em 10 de dezembro de 2020;
- GRIMALDI, Arthur. Sucessão do cônjuge e do companheiro à luz do novo Código Civil. Jus, 2018. Disponível em: https://arthurgrimaldi.jusbrasil.com.br/artigos/647600507/sucessao-do-conjuge-e-do-companheiro-a-luz-do-novo-codigo-civil. Acesso em 09 de dezembro de 2020;
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM