Artigos
Parto Anônimo: uma reflexão necessária
Parto Anônimo: uma reflexão necessária.
Melissa Telles Barufi[1]
Na manhã do último domingo, dia 29 de novembro de 2020, uma recém-nascida foi encontrada dentro de uma caixa de sapato deixada em uma lixeira de um prédio em Balneário Camboriú, no Litoral Norte de Santa Catarina. Um catador de materiais recicláveis ligou para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) por volta das 15h, quando percebeu que a menina se mexia entre o lixo. Prematura, a criança nasceu de uma gestação de aproximadamente 28 semanas. Ela foi colocada dentro da caixa, na posição de bruços e coberta por um pano. Quando encontrada, ela respirava com dificuldades e ainda estava com sangue pelo corpo, provavelmente, por conta do parto.
Abandono de recém-nascido, infelizmente, é assunto recorrente, principalmente entre os criminalistas, pois é conduta tipificada no Código Penal Brasileiro.
O delito de exposição ou abandono de recém-nascido, tipificado dentre os crimes de perigo, juntamente com perigo de contágio venéreo, perigo de contágio de moléstia grave, perigo para a vida ou saúde de outrem, abandono de incapaz, omissão de socorro e maus tratos, forma o Título I, Capítulo III do Código Penal, denominado “Da periclitação da vida e da saúde”.
Mas nossa proposta é no sentido de reascender as discussões quanto ao parto anônimo, entendendo que é um meio para reduzir este tipo de violência.
A instituição do parto anônimo foi desenvolvida por meio do Projeto de Lei n° 2.747/08 com o intuito de prevenir o abandono de recém-nascidos, visto a constância de casos notificados no país, buscando meios eficazes para coibir o abandono materno e os abortos clandestinos.
Assim, diz respeito a um instituto que busca equalizar dois interesses contrapostos, de um lado garantir que uma criança não desejada não seja alvo de abandono, aborto ou infanticídio e, de outro, que à mãe biológica, que não quer ser mãe, seja assegurado o direito ao anonimato e a não formação da relação materno-filial.
Logo, entende-se que o parto anônimo no Brasil pretende resguardar a integridade física e psicológica da criança abandonada, bem como proporcionar as mães condições dignas durante o período gestacional, resguardo de sua saúde, além de se isentarem da responsabilidade pelo ato de abandono pelas normas legais tradicionais.
Assim, o objetivo é o resguardo da dignidade, integridade física e psíquica da criança, visando uma colocação em família substituta e garantindo o direito à vida e ao convívio familiar, além de permitir à mãe biológica atendimento à saúde, física e psicológica, a fim de auxiliá-la na tomada de sua decisão.
Tornou-se notório que o instituto do parto anônimo trazido à tona pelos projetos de Lei PL 2.747/08, PL 3.220/08 e PL 2.834/08, observaram tais falhas no ordenamento jurídico nacional, as quais afetavam tanto a criança quanto a sua mãe biológica. No entanto, não foram suficientes para alterar as normas legais, sendo todos arquivados sob alegação de inconstitucionalidade.
Os Projetos de Lei 2.747/08 e 3.220/08 foram propostos pela Câmara dos Deputados, com o intuito de coibir o abandono materno, dispor acerta do instituto do parto anônimo, objetivando a garantia do sigilo da identidade da mãe, além de recomendar a implantação de programa especifico no Sistema Único de Saúde (SUS) para acompanhar e realizar partos anônimos o país. Visando assegurar a vida do menor na ocorrência do parto anônimo.
No entanto, ambos foram rejeitados sob a fundamentação de estarem sendo inobservados os direitos fundamentais da criança, resguardados pela CFB/88, eis que esta não estaria sendo considerada como um sujeito de direito merecedor de proteção especial. Tornando seus embasamentos para os projetos infundados.
No que concerne ao Projeto de Lei 2.834/08, foi apensado aos projetos acima descritos, por tratar do instituto do parto anônimo, definindo o mesmo e sua implicação na perda do poder familiar. Propondo a alteração do Código Civil, objetivava uma solução amparada legalmente e eficaz para o combate ao abandono e exposição da criança a condições insalubres.
Conjuntamente, foi arquivado com os demais projetos fundamentados na inconstitucionalidade.
Porém, foram suficientes para instigar uma análise do legislador que alterou o ECA por meio da Lei 13.059/2017, incluindo novas determinações em seu artigo 19-A que, claramente discorre e determina normas que devem ser observadas frente ao parto anônimo.
Assim, evidente o cuidado do legislador para garantir o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar junto à genitora durante sua escolha, sua opção de arrependimento e o direito ao sigilo sobre o nascimento, os quais se tornam relevantes ante ao respeito da escolha.
Permite ainda que a genitora, caso deseje, seja acompanhada pela rede pública de saúde e assistencial, além de buscar a promoção de programas sociais e de saúde familiar.
Atende, desta forma, ao direito da proteção integral da criança, garantido pela Constituição Federal Brasileira de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente e demais dispositivos legais internacionais, ratificados pelo Estado Brasileiro, eis que o objetivo do parto anônimo é, também, garantir o bem-estar do menor.
Logo, não se vislumbra qualquer afronta à proteção da criança, mas, ao contrário, constatam-se mais uma tentativa de proteger o pequeno ser de eventual aborto ou abandono materno, encontrando eco no direito de família contemporâneo, comprometido com uma nova pauta principiológica e realizando a socioafetividade em detrimento dos ditames do biologismo.
Portanto, compreende-se que o parto anônimo é compatível com a principiologia legal que resguarda o menor, sendo ainda benéfico à genitora, resguardando seus direitos e garantias antes inobservados.
[1] Advogada. Presidente da Comissão Nacional da Infância e Juventude do IBDFAM, Presidente do Instituto Proteger, e Conselheira da OAB/RS.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM