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A Tomada de Decisão Apoiada na Perspectiva do Direito de Família
A Tomada de Decisão Apoiada na Perspectiva do Direito de Família
Larissa Silva Pinto
Pós graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul
O presente artigo propõe um breve debate acerca da Tomada de Decisão Apoiada, uma inovação jurídica inserida no Direito Civil por meio da Lei Brasileira de Inclusão. Esse instituto não é muito conhecido e utilizado, principalmente pelas pessoas com deficiência. Por esse motivo, merece ser explorado minunciosamente a fim de enfatizar sua importância, em especial nos aspectos referentes ao Direito de Família.
Partindo dessa premissa, busca-se analisar e responder a problemática que surge em virtude desse tema: Qual é a importância da Tomada de Decisão Apoiada para o Direito de Família? Como o apoiador deve prestar esse auxílio sem desprestigiar o direito de escolha da pessoa com deficiência?
Para esclarecer o questionamento existente e pontuar os elementos primordiais do tema, a priori serão examinadas as principais inovações trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão que alteraram alguns dispositivos do Código Civil de 2002. Posteriormente, serão apresentados os conceitos de tutela e curatela e a principal diferença entre elas. Em seguida, será apresentado o conceito do recente e inovador instituto da Tomada de Decisão Apoiada, bem como suas repercussões na vida prática da pessoa com deficiência. Por último mas sem exaurir todo o tema, iremos tratar acerca do “capacitismo” na Tomada de Decisão Apoiada, demonstrando a importância dos apoiadores somente orientarem a pessoa com deficiência para que ela exerça plenamente seu direito de escolha.
A Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro com base na Convenção de Nova Iorque de 2007. Esse Estatuto foi elaborado com o intuito de garantir o exercício dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, em condições de igualdade, a fim de proteger a dignidade e promover a efetiva inclusão social. A partir desse diploma legal, foram acarretadas modificações substanciais no Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, especialmente no capítulo I do Livro I que versa sobre a personalidade e a capacidade civil da pessoa natural. (TARTUCE, 2015)
O Art. 3º do CC/02 considerava como absolutamente incapaz os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil; e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Entretanto, com a promulgação da LBI, os incisos II e III foram revogados e o inciso I passou a constar no caput da nova redação do artigo. Por sua vez, o Art. 4º, também do CC/02, acolheu as hipóteses dos relativamente incapazes que estão dispostas em seus incisos, senão vejamos: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e IV - os pródigos. Deste modo, conclui-se que os indivíduos que não se enquadram nos Arts. 3º e 4º do CC/02 são tidos como plenamente capazes.
Nesse sentido, é de suma importância apresentarmos a tutela e a curatela, dois institutos autônomos que possuem a mesma finalidade de proteger os interesses dos que se encontram em situação de incapacidade de fato e de direito. A tutela tem fundamento legal nos Arts. 1728 ao 1766, e a curatela está inserida nos Arts. 1767 ao 1783, todos do CC/02. (CIDRÃO, 2015)
Em conformidade com os ilustres doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “conceitua-se a tutela como a representação legal de um menor, relativa ou absolutamente incapaz, cujos pais tenham sido declarados ausentes, falecido ou hajam decaído do poder familiar”. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019, p. 555)
Gagliano e Pamplona Filho também nos ensina que “a curatela, em sua figura básica, visa a proteger a pessoa maior, padecente de alguma incapacidade ou de certa circunstância que impeça a sua livre e consciente manifestação de vontade” [...]. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019, p. 568),
Cumpre dizer que as pessoas com deficiência, em via de regra, são plenamente capazes, conforme preceitua o Art. 6º, caput, da LBI, uma vez que deficiência não se confunde com falta de discernimento. Todavia, apesar de exercerem plenamente os atos da vida civil, a pessoa com deficiência necessita de um “auxílio” nas decisões da vida prática. Diante dessa situação, surgiu o instituto da Tomada de Decisão Apoiada que encontra previsão no Art. 1783-A do CC/02. O pedido de Tomada de Decisão Apoiada é formulado pela própria pessoa com deficiência, com necessário discernimento, que deve apresentar um documento com todas as informações indispensáveis, inclusive com a indicação de, pelo menos, duas pessoas idôneas, que mantenham vínculos com o apoiado e que gozem de sua inteira confiança. (REQUIÃO, 2015)
A Tomada de Decisão Apoiada representou uma grande inovação para o Direito Civil e, por isso, tornou-se uma alternativa à curatela que, apesar de não ter sido extinta, não é mais usual. Infelizmente, esse recente instituto não é muito difundido, mas mostra-se bastante vantajoso, especialmente nos atos relativos ao Direito de Família, como o casamento.
No entanto, devemos nos atentar para uma situação bastante frequente em que as pessoas tomam decisões no lugar da pessoa com deficiência, como se ela fosse inválida e incapaz de exprimir sua própria vontade. Isso configura-se como “capacitismo”.
O conceito de “capacitismo” aproxima-se do conceito de racismo, sexismo e homofobia. Isto é, trata-se da discriminação de pessoas com deficiência, seja ela física, intelectual ou sensorial. “O termo é pautado na construção social de um corpo padrão perfeito denominado como “normal” e da subestimação da capacidade e aptidão de pessoas em virtude de suas deficiências”. (GELENSKE, 2020)
Nesse contexto, para que o “capacitismo” não esteja presente na Tomada de Decisão Apoiada, vale enfatizar que a pessoa com deficiência deve escolher muito bem duas ou mais pessoas realmente idôneas, de sua inteira confiança e que simplesmente exerçam a função de orientar e auxiliar a pessoa com deficiência a tomar a melhor decisão para si. Dessa forma, a decisão final é exclusiva da pessoa com deficiência que deve gozar de total liberdade e autonomia.
Em síntese, o trabalho explorou as principais alterações no Direito Civil trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão de 2015, destacando a Tomada de Decisão Apoiada, um instituto jurídico muito recente que proporcionou inúmeros benefícios para as pessoas com deficiência que detenham razoável discernimento. Pelo fato de não ser um instituto muito conhecido, a pesquisa buscou apresentar alguns aspectos relevantes e, com isso, divulgar essa inovação jurídica.
A partir desse breve estudo, a figura da pessoa com deficiência ganha novos contornos, pois entende-se que só pelo fato de ter uma deficiência, a pessoa não é incapaz de exercer os atos da vida civil e manifestar suas vontades. Sendo assim, quando necessário, a Tomada de Decisão Apoiada é de suma relevância para auxiliar essas pessoas a tomarem a melhor decisão para si, respeitando a liberdade de escolha e a autonomia.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF, 2008;
BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão. Brasília, DF, 2015;
CIDRÃO, Helloá Rodrigues. Considerações acerca da tutela e curatela. Jus, 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40153/consideracoes-acerca-da-tutela-e-curatela. Acesso em: 15 de outubro de 2020;
GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. Vol. VI. 9. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019;
GELENSKE, Thalita. Capacitismo: o que é e como acontece no ambiente de trabalho. Blog Hand Talk, 2020. Disponível em: http://blog.handtalk.me/capacitismo/. Acesso em: 18 de outubro de 2020;
MELLO, Anahi Guedes de. O que é capacitismo?. Inclusive – Inclusão e Cidadania, 2016. Disponível em: https://www.inclusive.org.br/arquivos/29958. Acesso em: 17 de outubro de 2020;
REQUIÃO, Maurício. Conheça a Tomada de Decisão Apoiada, alternativa à curatela. Conjur, 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-set-14/direito-civil-atual-conheca-tomada-decisao-apoiada-regime-alternativo-curatela. Acesso em: 18 de outubro de 2020;
TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela Lei 13.146/2015. JusBrasil, 2015. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/213830256/alteracoes-do-codigo-civil-pela-lei-13146-2015. Acesso em 13 de outubro de 2020;
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