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Quem ficará com a guarda do Joãozinho?
Quem ficará com a guarda do Joãozinho?
Elton Costa[1]
Joãozinho é uma feliz criança de 10 anos de idade. Sapeca como todo e qualquer menino da sua idade, talvez nem tanto quanto o seu xará famoso, aquele mesmo, das famosas piadas de gosto (deixo o mal ou o bom a critério de cada um), mas não deixa muito a desejar no critério travessuras. Enfim, uma feliz criança de 10 anos de idade!
Filho de João e Maria, o little João não tem muito do que reclamar da vida. Família de classe média, mora em um bom bairro e estuda numa boa escola particular. Tem muitos amigos e primos, com os quais divide algumas das suas traquinagens.
A vida ia muito bem, obrigado, até um certo dia, quando, no meio da noite, já debaixo das cobertas, Joãozinho acordou, ou não – na hora ele realmente não entendeu se aquilo fora real ou um sonho – com seu pais aos gritos, numa discussão que lhe lembrara a vez em que tocou o disco na rotação mais rápida da vitrola para saber como a voz do cantor ficaria.
Realmente não conseguiu entender o teor da conversa, mas, tal qual o disco no ápice das rotações, não gostou do que ouviu. Enfim, vou dormir que é melhor; amanhã descubro o que houve.
Manhã seguinte, ainda sem saber se o ocorrido na noite anterior fora real ou fruto de um sonho, lá vai ele, como toda manhã de domingo (acordava mais tarde pois não tinha aula), do seu quarto até a cozinha para o desjejum. Eram exatamente 28 passos da cama até a cadeira no canto da mesa, medidos com precisão de um pé 34 num domingo desses da vida.
Na cozinha, Maria fazia seu café da manhã predileto: cuscuz, ovo e um copo de meio litro de abacatada. Sustança para a manhã toda, como ele gostava de dizer. Ao aproximar-se da mesa, notou duas coisas estranhas: Maria, ao pé do fogão, com os olhos inchados, como quem levou esporada de italiana - agradeça a Deus quem não sabe o que isso significa – e não viu seu pai que, como de costume, deveria estar sentado assistindo o programa esportivo dominical. Estarei ainda sonhando? Pensou Joãozinho.
Bom dia, mamãe. O que houve com a senhora e cadê o papai? Senta aqui, meu filho. Precisamos conversar. Pobre João! Pelo que ouvira, melhor seria que realmente fosse um sonho. Por intermináveis 4 horas, a mamãe lhe explicou, ou pelo menos tentou, que seu pai fora embora de casa logo cedinho. O mundo do pequeno João rodou. As pernas adormeceram, a vista escureceu e a náusea foi tamanha que o cheiro vindo da cuscuzeira dava vontade de vomitar. Como assim foi embora? Por que? Para onde? Quando volta? O que foi que aconteceu? Dá para imaginar o que passou pela imaginação fértil de uma criança de 10 anos ao saber que seus pais estavam se separando.
Vou dar um salto na história e deixar por conta da imaginação de vocês os dias seguintes do Joãozinho!
Divórcio litigioso, pois o consenso não foi possível. E olha que o Advogado procurado por Maria era um gestor de conflitos dos bons, mas, infelizmente, o rancor e o ressentimento ainda povoavam o emocional de João e Maria.
Quanto ao fim da conjugalidade, sem problema. O juízo já adotava a antecipação da decretação do divórcio – art. 311, IV do CPC. Audiência de conciliação designada e realizada - afinal, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação (art. 694 do CPC) – e a partilha dos bens, apesar de uma discussão inicial, foi resolvida. Só restou um ponto controverso: A GUARDA DO JOÃO. Nesse ponto a demanda travou. Jumento empacado perdia feio. A situação foi tão séria que nem William Ury daria jeito. Não deu outra: o feito foi para instrução acerca da guarda.
Psicossocial em cena. Vamos ouvir todos os envolvidos: papai, mamãe e o atormentado Joãozinho. Do fatídico domingo em que recebeu a notícia da separação dos pais - desde então nunca mais comeu cuscuz com ovo – até o encontro com a equipe multidisciplinar lá se vão infindáveis 3 meses. Tá bom, vai! Estou sendo generoso com relação ao tempo, mas vamos imaginar que o feito transcorreu na mesma velocidade das rotações da vitrola, lá do começa da história.
Estudo psicossocial do caso feito. Relatório anexado aos autos. Audiência de instrução e julgamento designada para o mês seguinte (olha a generosidade e a imaginação; preciso da ajuda de vocês para a coisa fluir bem).
Aqui cabe um pequeno resumo para entendermos melhor o contexto. Há 4 meses o pequeno João vivia feliz da vida; tinha uma família linda – estilo propaganda de margarina – muitos amigos e nada do que reclamar. De lá para cá foi ladeira abaixo. Passou a ver seu pai poucas vezes por semana e não consegue nem pensar na abacatada que tanto amava que o seu estômago embrulha. Conversou com pessoas estranhas – muito gentis, é bem verdade – mas por que queriam saber tanto da minha intimidade e dos meus sentimentos? – enfim, seu mundo desabou.
Chegou o dia da audiência com o magistrado para decidirem, por fim, a modalidade da guarda do Joãozinho. Nenhum dos pais abria mão da unilateral, e mais, os dois tinham certeza que eram o melhor para o filho. O pequeno João, uma criança de 10 anos, que até poucos meses só conhecia da justiça o que fisgara do seriado americano que seu pai adorava assistir na tv por assinatura, agora ia ao Fórum pela terceira ou quarta vez.
Lá vem aquela sensação de novo (O mundo do pequeno João rodou. As pernas adormeceram, a vista escureceu e a náusea foi tamanha que o cheiro vindo da cuscuzeira dava vontade de vomitar). E se o juiz quiser falar comigo? E se ele perguntar com quem quero ficar? Como posso responder uma coisa dessas, se tudo que eu quero é minha vida de volta. Acordar no domingo mais tarde e comer meu cuscuz com ovo; a abacatada parou de povoar até seu imaginário depois daquele fatídico domingo.
Para sorte (ou não) do little João, o menor pode e deve ser ouvido em juízo para manifestar sua vontade, seus desejos e a sua manifestação deve ser levada em consideração na hora de decidir acerca do seu futuro, afinal, é do seu futuro que estamos tratando. Aqui alguns dirão que vai depender da idade e do discernimento do menor; outros dirão que independentemente da idade, o menor deve ser ouvido e sua vontade respeitada. Deixo a divergência e a corrente filosófica a encargo de cada um.
Voltemos para a audiência. Joãozinho foi ouvido, de fato. Chorou mais do que falou, é bem verdade e, como de se esperar, disse ao senhor juiz que tudo que gostaria era de ter sua família de volta. Finalizada sessão instrutória. Alegações finais orais, com direito a parecer ministerial. Tudo conforme manda o figurino. Autos conclusos para prolação da sentença. Lindo demais. Parece até final de conto de fadas.
Todavia, diferentemente do final da história da cinderela, aqui não tem príncipe encantado no cavalo branco (perdão se a cor do cavalo não for essa; li a história há muitos anos); na história do Joãozinho, do José, do Pedro e da vida de milhares de outras crianças pelo país, o roteirista não tem o poder de escolher o final perfeito; o pincel que vai desenhar o final da história não tem esse dom mágico de saber, de fato, qual a melhor solução para o caso.
Ele, o roteirista-Estado-juiz, vai ter que escolher, é fato. Mas, mesmo com estudo psicossocial, mesmo com escuta do Joãozinho, mesmo com uma instrução probatória dos sonhos – e não vou nem mencionar a celeridade processual; essa foi realmente de conto de fadas – quem pode garantir que o final escrito pela pena da jurisdição vai ser minimamente feliz?
Dito isso, ou melhor, tudo isso, você é capaz de responder a uma simples pergunta: Quem ficará com a guarda do Joãozinho?
[1] Servidor efetivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Técnico Judiciário. Conciliador Judicial. Bacharel em Direito. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões. Capacitado em Mediação Familiar. Capacitado em Conciliação e Mediação Extrajudicial. e-mail: eltoncosta1@gmail.com.
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