Artigos
A posse no direito civil brasileiro e a usucapião familiar em breves considerações jurídicas
A posse no direito civil brasileiro e a usucapião familiar em breves considerações jurídicas.
Kelly Moura Oliveira Lisita [1]
Resumo
O presente artigo objetiva-se no intuito de discorrer sobre a posse no Direito Civil Brasileiro,abrangendo não somente o conceito da mesma,como suas espécies,a teoria adotada pelo nosso Código Civil em relação à posse e a usucapião familiar,assunto que causa muitas dúvidas e algumas polêmicas na seara do Direito das Famílias em processos de divórcio onde se discute a divisão patrimonial em sua maioria das vezes de forma litigiosa.Ainda abordadas a proteção possessória e o Princípio da Fungibilidade.
Palavras-chaves: Posse, Propriedade, Divórcio, Usucapião Familiar, Proteção Possessória
Abstract
This article aims to discuss the possession in Brazilian Civil Law, covering not only its concept, but also its species, the theory adopted by our Civil Code in relation to possession and family adverse possession, a subject that causes many doubts and some controversies in the area of Family Law in divorce proceedings where the property division is discussed most of the time in litigious form. Still addressed the possessory protection and the Principle of Fungibility.
Keyword: Possession, Property, Divorce, Family adverse possession, Possessory Protection
1-Introdução
O estudo da posse tem imensa importância não somente para fins de direitos reais, como também para fins familiaristas, tal qual ocorre em relação à usucapião familiar.
A posse vincula a pessoa e o seu objeto e também acerca da disposição desse objeto e de que forma, seja a título de empréstimo, locação ou ainda compra e venda.
Existem várias espécies de posse no Direito Civil Brasileiro, cada qual com suas peculiariedades e simultaneamente todas interligadas.A legislação processual civilista ampara a defesa da posse por intermédio de suas ações possessórias como as ações de Reintegração, Manutenção de Posse e Interditos Possessórios.
A composse, as detenções integram também as várias espécies de posse e a compreensão de Savigny e sua Teoria Objetiva relata com muita nobreza o conceito de posse e possuidor.
É importante ainda esclarecer sobre as diferenças entre posse direta e detenção.
A posse á luz do Código Civil pode ser adquirida por qualquer pessoa ou por quem a represente, pela compra e venda ou ainda pela usucapião.
A usucapião não poderia deixar de integrar esse artigo, haja vista ser forma de aquisição originária da posse.No âmbito familiar a usucapião familiar também é conhecida como pró-família e ocorre quando há o abandono voluntário e unilateral.
2-Posse e suas espécies
A posse pode ser definida como o exercício de um direito.A legislação civilista dispõe acerca de várias espécies de posse que podem ser classificadas quanto ao seu exercício, existência de vício, legitimidade de título, tempo e proteção.
À luz do artigo 1205 do Código Civil, em seus incisos I e II, a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante ou ainda por terceiros sem mandato, dependendo de ratificação.
Em breves palavras podem ser citadas as posses direta, indireta, justa, injusta, de boa ou má-fé, primitiva, derivada, nova ou velha e ainda as posses ad interdicta e ad usucapionem.
A posse indireta é simbolizada pelo proprietário;a direta pelo comodatário, por exemplo,é a posse temporária.Já a de boa-fé ocorre quando o possuidor desconhece qualquer obstáculo em relação ao exercício da posse,o que não ocorre na posse de má-fé;a primitiva ocorre quando determinado possuidor é o primeiro a exercer a posse,a derivada ocorre de posses anteriores,a nova quando passou menos de ano e dia do esbulho e a velha quando já passou mais de ano e dia do esbulho.Na posse justa não há violência,clandestinidade ou ainda precariedade,situação contrária na posse injusta.
A posse ad interdicta não conduz à usucapião, mas, no entanto, gera direito aos denominados interditos possessórios, é o que ocorre com o inquilino ou locatário no contrato de aluguel, desde que seja possuidor direto de boa-fé.
Interditos possessórios são ações intentadas em prol de esbulho, turbação ou ainda ameaça em relação ao exercício da posse, sendo que para cada uma dessas “lesões”será cabível ação específica, como no caso do esbulho, cuja ação será a de Reintegração de Posse; na turbação a ação de Manutenção de Posse e no caso da ameaça, o Interdito Proibitório.
O Código de Processo Civil ampara em seu artigo 554 o Princípio da Fungibilidade, que dispõe sobre a substituição de ação de manutenção pela de reintegração, objetivando menor prejuízo à parte e desde que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àqueles cujos pressupostos estejam provados.
Já a denominada posse usucapionem é aquela que tem o condão de gerar a aquisição da propriedade.Vale destacar que a palavra usucapião, vem de “usucapio”, que significa tomar pelo uso.
Não podem ainda ser esquecidas: a composse que é o exercício simultâneo da posse por duas ou mais pessoas e a detenção que é o exercício da posse direta em razão do cumprimento de ordens
03 A usucapião: conceito e espécies
A usucapião é considerada para fins civilistas, modo originário de aquisição da propriedade e para que seja configurada faz-se necessário três elementos que são: posse, animus domini e o tempo.Existem várias espécies da usucapião: a familiar, indígena, administrativa, rural coletiva, especial urbana coletiva, constitucional rural ou para o labore, ordinária, extraordinária.
A aquisição, no entanto, da propriedade imobiliária deve ocorrer por meio do registro do título, que não deve ser confundido com a matrícula que é efetuada quando acontece o primeiro registro e a averbação que são anotações feitas no registro com a finalidade de indicar quaisquer alterações que ocorreram no imóvel.
A Teoria Objetiva de Ihering foi sabiamente adotada por nosso Código Civil, tendo como suporte o artigo 1196 do mesmo código, ao dispor que possuidor é toda a pessoa que age como se fosse dona (o) do bem, por força da lei, exercendo assim de forma plena ou não, alguns dos poderes inerentes à propriedade.
Existe, no entanto, uma questão relacionada à posse, que recai sobre a possessio juris, ou seja, a chamada e tão questionada posse de direitos.Trata-se de situação pouco conhecida, mas que gera direitos.É o que ocorre em relação à linha telefônica e o número do telefone.
A usucapião também pode ser observada em relação ao direito de utilização da linha de telefone, isso no que diz respeito ao número de telefone.
Justificável tal fato, haja vista a usucapião recair tanto sobre bens imóveis como em móveis e ser forma de aquisição da propriedade, desde que uma de suas condições seja a posse ininterrupta.
Inegavelmente a posse é um assunto de suma importância para o direito das coisas ou direitos reais e cada situação que envolva o proprietário, o possuidor direto e o bem deve ser analisado minuciosamente, pois alguns direitos podem ser exercidos pelo possuidor direto de boa-fé como os interditos possessórios, já ao possuidor direito de má-fé esses direitos não podem por ele ser intentados.
04-A usucapião familiar e o direito das famílias
O Divórcio é uma das formas de dissolução da sociedade conjugal, no entanto em algumas situações determinado bem que faria parte da meação do casal, acaba por ser objeto da usucapião familiar, especialmente quando ocorre o abandono voluntário e unilateral.
O divórcio pode ser feito judicialmente como também extrajudicialmente, à luz da Lei 11.441/07.Para fins de divórcio extrajudicial há que se observar o consenso entre as partes e quando o assunto é posse, nem sempre há o referido consenso.
No entanto, se a saída de um dos cônjuges do lar, ocorre de forma consensual, não há que se falar em usucapião familiar.
A usucapião familiar é um assunto gerador de muitas dúvidas e como já dito anteriormente, a usucapião familiar está prevista no artigo 1240-A do Código Civil, in verbis:
1240-A-“Aquele que exercer, por 02 anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 metros quadrados cuja propriedade dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que nãos eja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.
Conforme discorreram, PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHO, (2017, p.1034-1036), ”trata-se de dispositivo incluído pela Lei 12.424/2011, consagrador de denominada usucapião familiar, pró-família ou por abandono de lar conjugal, cujo respectivo direito somente poderá ser reconhecido ao possuidor uma única vez”.
É importante esclarecer que o divórcio é direito potestativo e que o abandono do lar não é requisito para o pedido do divórcio, no entanto, se o outro que ficou no bem imóvel e de fato exerceu a chamada posse pacífica, mansa e com o domínio, haverá possibilidade considerável do reconhecimento da usucapião familiar para esse que permaneceu no imóvel, sendo observados os requisitos do artigo 1240-A do Código Civil.
Direito protestativo é aquele onde não é cabível o contraditório, a contestação.
Em situações envolvendo a violência doméstica e familiar, Lei 11.340/06, não é visto com “bons olhos jurídicos”, a possibilidade do reconhecimento da usucapião familiar, pois nesse sentido houve retirada forçada do agressor do imóvel como medida protetiva para a vítima.
05-Reconhecimento da usucapião familiar
Estando presentes os requisitos do artigo 1240-A do Código Civil, a parte interessada deverá pleitear o reconhecimento judicial da usucapião familiar.Esse pedido pode ser feito na própria ação do divórcio, em relação à questão da divisão patrimonial.
Se o casal tenha oficializado união estável, o pedido da usucapião familiar pode ser feito na Ação de Dissolução da Sociedade Conjugal. ´Provas testemunhais podem auxiliar na comprovação do abandono do lar por uma das partes.
A sentença é título hábil para o registro da propriedade em nome de uma das partes.
06-Considerações Finais
O artigo teve por finalidade explicitar sobre a posse no direito civil brasileiro, suas espécies, diferenças, esbulho, turbação e ameça, sendo essas três últimas situações, lesões em relação ao exercício da posse e remediadas pela legislação processual civilista ao dispor sobre as ações possessórias.
A importância do direito material e do direito processual é considerável para a posse.
Ainda foi citada a Teoria Objetiva da Posse, de Ihering, haja vista tratar-se de grande relevância quando o assunto tratado é sobre a posse.
Buscou-se discorrer de forma concisa sobre outras situações vinculadas no direito como a questão da usucapião e suas espécies e em particular sobre a usucapião familiar.
A usucapião familiar foi introduzida no Código Civil em 2011, pela Lei 12.424, sendo um direito que só poderá ser reconhecido uma vez ao cônjuge que permaneceu no bem imóvel e feitas as devidas observações no artigo 1240-A do Código Civil.
A posse e seu estudo tem o condão de abranger várias áreas do Direito.
Espera-se ter havido contribuição ainda que de forma singela, aos leitores desse artigo, onde se procurou de forma mais objetiva discorrer sobre a posse.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Código Civil Brasileiro.Lei nº 10.406, de 10/01/2002
Disponível em http://www.planalto.gov.br
______, Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940
Disponível em http://www.planalto.gov.br
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.Manual de Direito Civil,1º Ed; Saraiva,2017
[1] Advogada.Pós-Graduada em Docência Universitária pela UCAM RJ.Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UCAM Prominas.Docente Universitária nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em Educação à Distãncia.Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB GO.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM