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Família multiespécie: análise da (in) viabilidade de tutelar judicialmente as demandas de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação após a ruptura do vínculo conjugal
Família multiespécie: análise da (in) viabilidade de tutelar judicialmente as demandas de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação após a ruptura do vínculo conjugal
Walquíria de Oliveira dos Santos[1]
RESUMO
A família multiespécie é conceituada como aquela lastreada essencialmente na afetividade inerente na relação humano-animal, tendo em vista que modernamente os animais são considerados como seres sencientes, portanto, dotados dos mais variados sentimentos. Nesse contexto, a presente pesquisa busca analisar a família multiespécie visando averiguar a (in) viabilidade de tutelar judicialmente nas demandas de dissolução de união estável e divórcio os pedidos de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação. Para tanto, foi utilizada pesquisa de natureza bibliográfica, com abordagem qualitativa e exploratória, sendo embasada essencialmente no estudo da doutrina de direito civil, especificamente, os doutrinadores da seara familiarista, jurisprudências, legislações, manuais, artigos, monografias, teses de dissertação, e outras fontes, objetivando em um primeiro momento descrever a evolução da relação afetiva entre o homem e o animal no contexto doméstico, ressaltando a evolução histórica, haja vista que, perante a legislação são considerados como meros seres semoventes, por outro lado, parte da doutrina e da jurisprudência os reconhecem como sendo seres sencientes com fundamento nos fatos sociais, especialmente a afetividade. No segundo capítulo, conceitua a família multiespécie, e por conseguinte a pesquisa analisa se é possível pugnar a guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação, e afirma que mesmo perante a lacuna legislativa, com fulcro na doutrina e em entendimentos jurisprudências é possível pleitear tais demandas perante o judiciário, cabendo ao magistrado decidir perante o caso concreto.
Palavras-chave: Família Multiespécie. Animais de estimação. Guarda. Alimentos. Regulamentação de visitas.
ABSTRACT
The multispecies family is conceptualized as one based essentially on the affection inherent in the human-animal relationship, considering that animals are considered as sentient beings, therefore, endowed with the most varied feelings. In this context, the present research seeks to analyze the multispecies family in order to verify the (un) feasibility of judicial protection in the demands of dissolution of stable union and divorce, custody requests, visits regulation and pet feeding. To this end, a bibliographic research with a qualitative and exploratory approach was used, based essentially on the study of the doctrine of civil law, specifically, the indoctrinators of the family area, jurisprudence, legislation, manuals, articles, monographs, dissertation theses, and other sources, aiming at a first moment to describe the evolution of the affective relationship between man and the animal in the domestic context, emphasizing the historical evolution, considering that, under the law they are considered as mere moving beings, on the other hand, part of the doctrine and jurisprudence recognize them as sentient beings based on social facts. In the second chapter, it conceptualizes the multispecies family, and after, the research examines whether it is possible to challenge custody, to regulate visits and pet food, and states that even before the legislative gap, with focus on doctrine and jurisprudential understandings It is possible to plead such claims before the judiciary, and it is for the magistrate to decide before the specific case.
Keywords: Multiespécie Family. Pets. Custody. Foods. Visit Regulation.
SUMÁRIO: Introdução p. 8; 1.0 A evolução histórica da relação afetiva entre o homem e o animal p. 09; 1.1. Animais: de seres semoventes a seres sencientes p. 11; 2.0 A família multiespécie p. 12; 3.0 A (in) viabilidade de tutelar judicialmente em divórcio ou dissolução de união estável as demandas de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação p. 14; Considerações finais p. 21; Referências p. 22
INTRODUÇÃO
O presente estudo baseia-se na análise da família multiespécie que é fundamentada na relação humano-animal, quando o casal, independentemente de terem ou não filhos humanos adquirem durante a relação conjugal animais de estimação. À vista disto, é embasada essencialmente no seguinte questionamento: havendo a ruptura do casamento ou da união estável, a quem se destina este animal de estimação?
Então, a presente pesquisa visa averiguar a (in) viabilidade de tutelar judicialmente nas demandas de dissolução de união estável e divórcio os pedidos de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação.
Tal indagação surgiu devido à evolução afetiva entre o homem e o animal, bem como, o grande índice destes nos lares brasileiros. Segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente no ano de 2013, foi constatado que no país há mais de 130 milhões de animais de estimação nos domicílios brasileiros, o que culmina na demonstração de que são inúmeras as famílias que possuem animais domésticos em seus lares.
Tendo em vista isso, o site O Globo em 2015 com fulcro nos dados lançados pela pesquisa do IBGE, noticiou que “Cerca de 44% dos domicílios têm cães, o que equivale a mais de 52 milhões de animais; crianças são 45 milhões” (KNOPLOCH, 2015, on-line).
O ordenamento jurídico brasileiro vislumbra os animais de estimação inerentes no seio familiar como meros objetos. Entretanto, segundo a evolução social tal posicionamento pode ser considerado como ultrapassado, haja vista que, em muitas famílias os pets deixaram de ser considerados como objetos, para serem tratados como membros da família, e em determinadas situações acatados como verdadeiros filhos. Partindo-se disso, surge a família multiespécie, sendo que essa nova configuração de família é fundamentada precipuamente na relação humano-animal.
Portanto, conforme o esposado tornou-se crucial analisar o contexto sócio jurídico a qual pertence à família multiespécie, pois quando os casais não possuem acordo entre si, as demandas são resolvidas de forma litigiosa, sendo, consequentemente, decididas pelo órgão julgador com base nos autos.
Assim, a presente pesquisa objetiva descrever a evolução da relação afetiva entre o homem e o animal no contexto doméstico, bem como, conceituar a família multiespécie, e, por conseguinte identificar a (in) viabilidade de tutelar judicialmente em divórcio ou dissolução de união estável as demandas de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação.
Desse modo, o trabalho pautar-se-á essencialmente em bibliografia, nesse contexto, quanto à metodologia ela pode ser considerada como a forma adotada para alcançar a pesquisa. Assim, segundo Oliveira (2018, p. 29) “É a metodologia que direciona o pesquisador ao caminho que deve seguir para chegar ao resultado da pesquisa”.
Dessa forma, a pesquisa terá natureza bibliográfica, sendo embasada essencialmente no estudo da doutrina de direito civil, especificamente, os doutrinadores da seara familiarista, jurisprudência, legislação, manuais, artigos, monografias, teses de dissertação, e outras fontes.
No que tange a abordagem da pesquisa, esta, caracteriza-se como qualitativa, uma vez que, será baseada em teorias e interpretação com cunho investigativo visando demonstrar a (in) viabilidade tutelar para os pets às demandas supracitadas previstas na legislação, até então para filhos humanos.
Ademais, quanto aos objetivos da pesquisa, essa, será exploratória, com base bibliográfica, já que conforme supracitado, possui ênfase no estudo de doutrina, legislação, decisões jurisprudências, pautando-se também na bibliografia para subsidiar os procedimentos de coleta e fonte de informações, afim de responder o problema ora proposto.
Desse modo, seus resultados visam auxiliar todo o público que possuem animais domésticos e sentem pelo mesmo sentimento de afetividade, porquanto dentre as diversas espécies de animais em nosso país, não é possível identificar/classificar quais são os animais de estimação, haja vista que é uma relação muito íntima de cada ser com o referido pet que escolhe para conviver e relacionar-se no recinto do contexto doméstico.
Isto posto, é de grande valia a presente pesquisa, uma vez que diante do desenvolvimento da sociedade novas configurações familiares foram surgindo, como é o caso do reconhecimento da família multiespécie, pois com o passar do tempo esse vínculo afetivo entre o homem e os animais só vem aumentando.
- A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RELAÇÃO AFETIVA ENTRE O HOMEM E O ANIMAL
O vocábulo animal significa “Ser organizado, dotado de movimento e de sensibilidade” (ANIMAL, 2019) O número de animais de estimação aumenta cada vez mais nos lares brasileiros. Nota-se que nos primórdios da civilização os animais foram domesticados pelo homem para ajudá-lo em suas atividades diárias, bem como, auxiliar na defesa contra o inimigo. Posteriormente, tornaram-se os melhores amigos do homem, e atualmente, estão sendo considerados em algumas famílias brasileiras como um “filho de quatro patas”.
Nessa baila, importante salientar que existem pessoas que defendem insistentemente os animais, tornando-se em alguns casos vegetarianos, para que assim contribua para a redução do abate de animais. Segundo Ferry (1994, p. 52) “mais surpreendente ainda, na Inglaterra, o número de vegetarianos, que não iam além de 0,2% da população em 1945, saltou para 2% em 1980 e atingiu os 7% em 1991. Ora, 75% deles declaram ter parado de consumir carne por respeito aos animais!”. Em relação à diferenciação de tratamento existente entre as espécies humana e animal Ferry (1994, p. 67) alega que:
Se se quiser considerar a tese antiespecista em seu melhor nível, cumpre acrescentar que a igualdade formal entre todos os animais, “humanos ou não”, em nada implica a indiferenciação dos casos particulares. Em nome do próprio utilitarismo, deve-se admitir que, sofrendo alguns seres mais do que outros em certas condições, eles devem ser tratados de modo diferente – sendo o essencial que essa diferença não dependa a priori da pertença a tal ou tal espécie, mas da realidade do sofrimento.
Desse modo, em linhas gerais nas lições do referido autor o que deve prevalecer é o sentimento de sofrimento e não tão somente a qual espécie pertence, sobressaindo à ideia de igualdade no que tange ao tratamento dispensado entre os gêneros humano-animal.
Portanto, com fundamento na análise histórica, torna-se crucial afastar o antropocentrismo, retirando a premissa do homem como sendo o centro do universo, para sobressair o biocentrismo, no qual todas as espécies são consideradas de forma igualitária, para que assim possam ser reconhecidos e efetivados os direitos dos animais de estimação da mesma forma que são assegurados os direitos do homem. Ainda no que se refere à história da relação entre o homem e o animal, Rodrigues (2018, on-line) preceitua:
A relação homem-animal apresenta diversas nuances, a depender do momento histórico, científico e cultural analisado, começando pelo período em que os animais não humanos sequer eram entendidos como seres vivos, ou eram vistos como máquinas, sendo que em meados do séc. XX passaram alguns animais a participarem das famílias, como se fossem verdadeiros membros daquele grupo. Ademais, atualmente, há a comprovação e reconhecimento de sua senciência e consequente tutela jurídica, como o caso de Portugal, em razão da aprovação do Estatuto Jurídico dos Animais, materializado por meio da Lei n. º 8/2017, de 1º de maio de 2017, a qual alterou o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código Penal.
Assim, diante do esposado nota-se que, no decurso do tempo houve uma modificação de atitudes que transformaram o relacionamento humano-animal, tendo em vista que anteriormente os animais eram analisados meramente como coisas, posteriormente como amigo do homem e na atualidade percebe-se que são considerados como integrantes da família, sendo vistos em alguns casos como filhos, o que caracteriza a denominada família multiespécie.
1.1 ANIMAIS: DE SERES SEMOVENTES A SERES SENCIENTES
O termo semovente é caracterizado pela possibilidade de mobilidade própria, assim, em linhas gerais, o Código Civil de 2002 elencou a premissa de que os animais de estimação seriam bens semoventes, atribuindo-lhes cunho valorativo meramente econômico, dessa forma, nos moldes da legislação civilista os animais não são sujeitos de direito.
Contudo, na contemporaneidade o vocábulo sencientes vem sendo empregado em face dos animais domésticos, tendo em vista a possibilidade que esses seres possuem de sentir e transmitir os mais variados sentimentos. Isto posto, os animais tornam-se a serem reconhecidos como seres dotados de sensibilidade, inteligência, capazes de sentir e retribuir os sentimentos. Assim, Dias (2018, on-line) diz o seguinte:
Os animais de estimação, especialmente, cachorros (mais presente nos lares) deixaram de ser o "melhor amigo do homem" e passaram a qualidade de "filho". Esta é a nova realidade que permeia os lares contemporâneos. Não é incomum a situação de inúmeras pessoas que "adotam" animais de estimação os elevando a qualidade de "filho” em detrimento da procriação tradicional, optando por não dar continuidade a família por meio de descendentes. Noutro ponto, ainda vislumbra-se casais com filhos humanos e animais de estimação, ambos convivendo em condições de igualdade e tratamento.
Dessa forma, tendo em vista que as famílias dividem afeto, despesas e reponsabilidades na criação do pet e o inserem na vida do agrupamento, ultrapassado torna-se o entendimento de que os animais domésticos sejam considerados tão somente como bens, objetos de partilha. Então, deve sobressair e repensar na premissa de que os pets são seres que possuem sentimentos e são capazes de repassá-los. Conforme (BOVOLATO, 2011, on-line)
Os cães estão entre as espécies com maior propensão a desenvolver a depressão, em especial aqueles que por algum tempo viveram em casas grandes, fazendas ou sítios, mas depois se mudaram para locais menores, como apartamentos. Mas se engana quem pensa que os gatos não estão sujeitos a desenvolver a depressão. No caso dos felinos, mudanças na rotina do animal, ausência de alguém a quem o gato seja muito apegado ou perda de um companheiro são algumas das causas do estresse e consequente depressão nos gatos.
Portanto, conforme exposto pelo o médico-veterinário verifica-se que os animais são dotados de tamanha sensibilidade que poderá até mesmo desenvolver depressão. Nessa mesma perspectiva, segundo o noticiado no site Estado de São Paulo, um grupo de cientistas realizou por 02 anos pesquisas com animais, visando compreender como funcionava o cérebro destes, salientando na notícia que para o cientista Gregory Burns “os cachorros são 'gente', como nós”. (Estadão, 2017, on-line), assim, é notável que esses bichinhos atualmente possuem a capacidade de assimilar os mais variados comportamentos. Destaca-se que o ordenamento jurídico vigente possui normas pelas quais visam a proteção dos animais, assim sendo, a carta magna em seu art. 225, § 1º, inciso VII, institui sobre o amparo dos animais, conforme segue in verbis:
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII -proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988, on-line)
Nesse ínterim, verifica-se que houve uma mudança de entendimento em relação a classificação dos animais para o homem, tendo em vista que os fatos sociais modificaram o relacionamento dessas espécies, pois mesmo a legislação estabelecendo os animais como meros seres semoventes, atualmente, os pets são tratados no cotidiano como seres sencientes.
- A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE
Na seara internacional a família recebe especial proteção do estado conforme o esposado no artigo 17, I, Pacto de San José da Costa Rica (BRASIL, 1992, on-line), o qual o Brasil é signatário. Desde os tempos remotos até a contemporaneidade durante séculos a família obteve um processo de grandes modificações, essencialmente, com o advento da Constituição Federal de 1988, um novo conceito de família foi estabelecido no ordenamento, pois o artigo 226 “caput” aponta “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 1988, on-line).
De tal modo, nota-se que, o referido diploma legal expõe a família como sendo um pilar da sociedade, além disso, a norma-mãe consagrou a igualdade entre todos os membros inerentes no seio familiar, ressaltando o respeito aos preceitos da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Carvalho (apud, ROSA, 2019, p. 53) dispõe que:
A carta Magna acolheu as transformações sociais da família brasileira e reconheceu a igualdade dos cônjuges e dos filhos, bem como outras formas de constituição de família fora do casamento, não recepcionado as normas que prevaleciam no código civil de 1916, o que exigiu sua atualização nas leis especiais, inclusive com edição de novas normas, resultando, finalmente, a aprovação do Código Civil de 2002, que também reclama revisão em diversas normas para se adequar ao atual momento e às concepções modernas de família.
Tendo em vista o dinamismo da sociedade é cediço que, no sistema normativo vigente existem diversos modelos de famílias, sendo elas reconhecidas de forma expressa ou implícita no corpo das leis, uma vez que, o rol esposado no supracitado artigo não é taxativo, mas, meramente exemplificativo. Nesse sentido, para Dias (2015, p. 34) “(...) houve a repersonalização das relações familiares na busca elo atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor”.
Frise-se que o texto constitucional de forma abrangente expõe alguns princípios constitucionais em relação às famílias, entre eles a liberdade, igualdade, solidariedade, proteção integral, afetividade e outros esposados no corpo da constituição cidadã.
É possível afirmar que a família multiespécie é implícita na Constituição Federal de 1988, pois é uma nova forma de configuração familiar e é lastreada precipuamente na doutrina e na jurisprudência pátria. Desse modo, Rosa (2019, p. 203) afirma que “na mesma dinamicidade que a vida requer, paulatinamente, as varas de família passaram a reconhecer aquilo que para muitos leitores pode ser uma realidade, qual seja, de que animais de estimação passaram a ser considerados como integrantes das famílias”.
Tendo em vista que os casais direcionam o afeto para os animais de estimação, Rosa (2019, p. 203) prescreve que “tal como ocorre nas famílias com prole, quando o amor se transforma em rancor, todas as armas possíveis são utilizadas entre os ex-parceiros, entre elas, a disputa pela companhia do pet”. Nessa mesma linha de entendimento, Seguin, Araújo e Neto (2016, on-line) enfatizam:
O que vale nessa nova configuração, a família multiespécie, é a formação do laço social onde se respeite a diferença e a condição de não humanos dos animais relativamente ao cuidado e ao carinho que os animais necessitam e sabem retribuir. Essa relação contribui para o bem estar das pessoas e dos animais que fazem parte dessa nova constituição familiar.
Ressalta-se ainda que, o fato de somente possuir um bichinho de estimação no lar não é elemento suficiente para caracterizar a família multiespécie, mas, o compartilhamento de afetuosidade é um dos principais elementos norteadores desse novo arranjo familiar. Assim, por exemplo, se um determinado animal possui tão somente a finalidade de desempenhar a função de guarda de uma casa não pode ser considerado como se filho fosse, pois possui uma finalidade específica, uma função determinada, ele não participa das atividades familiares, da rotina.
Para a caracterização da constituição da família multiespécie devem ser considerados alguns elementos norteadores na relação humano-animal, precipuamente o afeto inerente na relação entre as classes. Dias (2018, on-line) enfatiza:
A relevância do surgimento deste novo arranjo familiar é de tamanha importância que muitas pessoas, sejam oriundas de uniões estáveis ou de uniões matrimoniais, estão optando por não ter descendentes, dando lugar aos "filhos" de quatro patas, bem como os donos e tutores estão sendo substituídos por "mães", "pais", "irmãos", "tios", de acordo com a extensão da família.
Nesse ínterim, importante ressaltar ainda que nos termos da portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, nº 93, de 7/7/1998, conforme o anexo 01, diversas das espécies inerentes no mundo animal podem ser consideradas como animais domésticos, entre eles: Abelhas, cabra, cachorro, cavalo, galinha, gato, porco, ovelha, rato, pavão e diversas outras classes elencadas na referida portaria (BRASIL,1998, on-line). Porém, comumente é de praxe perceber que entre tantas variedades os principais animais domésticos geralmente são gatos e cachorros.
- A (IN) VIABILIDADE DE TUTELAR JUDICIALMENTE EM DIVÓRCIO OU DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL AS DEMANDAS DE GUARDA, REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS E ALIMENTOS PARA OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO
Tendo em vista que os sentimentos vêm sobressaindo à condição de mero bem semovente, havendo a ruptura de uma relação conjugal cabe ao judiciário no caso de litígio dirimir como ficará a vida do bichinho doméstico, estabelecendo, assim, as suas condições de vida. Dias (2016, p. 720), assevera que “findo o casamento ou a união estável, são alvo da partição não só bens de conteúdo econômico. Modo frequente, o casal tem animais de estimação que geram discórdia sobre quem ficará com eles. Assim, possível estipular não só a custódia, mas também o direito de convivência e o pagamento de alimentos”.
Atualmente, no que tange aos institutos de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para humanos nos termos do artigo 693 do Código de Processo Civil, “as normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação” (BRASIL, 2015, on-line). Dessa maneira, segundo o esposado no referido artigo em sede de divórcio ou dissolução de união estável, havendo filhos humanos é possível pugnar e definir cumulativamente acerca de ambas as demandas.
E, no que tange a aplicabilidade desses institutos aos animais domésticos, destinados por lei até então somente para os humanos, na doutrina há posicionamentos diversos acerca da (im) possibilidade de aplicação. Sobre isso Rosa (2019, p. 204) diz o seguinte:
Destaca-se, por oportuno, que o reconhecimento de tais direitos não podem, por óbvio, ser confundidos com aqueles atribuídos a guarda de filhos. Isso porque, o reconhecimento jurisprudencial do vínculo afetivo com os animais de estimação e sua importância no momento presente não importam na aplicação dos institutos historicamente criados para a proteção das crianças e adolescentes, sendo afastado dessa maneira a possibilidade de guarda compartilhada, sendo elemento estranho ao reconhecimento de direito de convivência dos pets com os ex-integrantes da relação afetiva.
A legislação civilista estabelece o parâmetro pelo qual a constância do rompimento do vínculo conjugal os animais de estimação podem tão somente serem objeto de partilha. Todavia, com essa nova realidade social o afeto vem modificando essa situação, pois os pets em muitos relacionamentos são considerados como membros da família, e, em muitos casos são identificados como “filhos de quatro patas”. Nestes termos, Chaves (apud, DIAS, 2016, p. 582) preceitua que:
Não só débitos e créditos são alvo de partilha. Cada vez com mais frequência a justiça tem sido acionada para deliberar sobre os animais de estimação do casal. Há toda uma discussão sobre a natureza dos animais domésticos, sendo questionada a classificação como coisas. Inclusive estão sendo chamados de seres sencientes (coisas sensíveis), formando com seus donos uma família multiespécie. Independente do fato de ser de propriedade de um ou outro, a tendência é reconhecer a cotitularidade dos animais de companhia, com o estabelecimento de períodos de custódia alternados e pagamento de verba de natureza alimentar.
Tal assunto é tão importante que o Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM já discutiu sobre a temática e sedimentou o seu entendimento afirmando em seu enunciado 11 que “na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal” (BRASIL, 2015, on-line).
Internacionalmente, em alguns países como a Alemanha e a Suíça já possuem legislações que regulamentam a temática, assim, Santos afirma que: “Na França, o movimento crescente em prol dos animais defende que devam ser tratados como seres sencientes e não como objeto pessoal e nesse sentido, buscam a elevação oficial do estatuto jurídico dos animais com apoio de 89% da população.” (SANTOS, 2014, on-line).
Ressalta-se que, atualmente, no Brasil as demandas que se referem aos animais de estimação contam exclusivamente com a sensibilidade e o bom senso dos operadores do Direito, uma vez que, inexiste legislação própria/especifica regulamentando a temática.
Entretanto, tal assunto já foi objeto de discussão legislativa, pois 05/05/2015 o deputado Ricardo Tripoli - PSDB/SP apresentou a proposta do projeto de lei tombado sob o nº 1365/2015 (BRASIL, 2015, on-line), o qual objetivava, “Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências.”. Contudo, esse projeto encontra-se arquivado.
Hodiernamente, a respeito dessa temática há alguns projetos de lei em trâmite no senado. Nesse diapasão, há o projeto de lei 62/2019, apresentado em 04/02/2019, por Fred Costa - PATRI/MG, o qual “Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências.” (BRASIL, 2019, on-line) de modo que se encontra aguardando o parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Frise-se ainda que, outros dois projetos de Lei tombados sob o número 473/2019, apresentado em 05/02/2019, pelo Deputado Federal Rodrigo Agostinho PSB/SP e o de nº 4099/2019, exposto em 12/07/2019, pelo Deputado Juninho do Pneu - DEM/RJ, estão apensados ao referido projeto de lei 62/2019, haja vista que, se referem sobre a mesma temática.
Constata-se que a proposta aduzida no texto do projeto de lei 62/2019 visa suprir a omissão legislativa referente à guarda, alimentos e regulamentação de visitas, assim, regimentando a temática, pois está esposado no texto do referido projeto uma análise dos direitos dos animais mediante o rompimento de quaisquer vínculos conjugais, seja casamento, união estável, e ainda relacionamentos decorrentes de relações hetero ou homoafetivas.
No que tange a guarda, o respectivo projeto de lei estabelece que “Art.4º. A guarda dos animais de estimação classifica-se em: I–unilateral: quando concedida a uma só das partes; ou II–compartilhada, quando o exercício da posse responsável for concedido a ambas as partes” (BRASIL, 2019, on-line). Ademais, estabelece alguns parâmetros expostos do artigo 5º do referido texto os quais o magistrado deverá analisar perante o caso concreto para poder deferir a guarda.
Outrossim, vê-se na redação do projeto a disposição de alguns aspectos processuais tal como a possibilidade de audiência de conciliação e o procedimento que deverá ser seguido na assentada, conforme disposto no artigo 6º e seus respectivos parágrafos. Acentue que o projeto se preocupou ainda ao fato de quem ficar com a guarda do animal de estimação constituir um novo relacionamento dispondo o seguinte:
Art. 8º A parte que contrair nova união não perde o direito de ter consigo o animal de estimação, que só lhe poderá ser retirado por mandado judicial, provado que não está sendo tratado convenientemente ou em desacordo com as cláusulas, conforme despacho do juiz. (BRASIL, 2019, on-line)
Outra proposta legislativa que se refere a guarda dos animais que encontra-se em tramitação trata-se do projeto de Lei do Senado n° 631, de 2015, proposto pelo Senador Marcelo Crivella (REPUBLICANOS/RJ), que visa instituir no ordenamento jurídico o Estatuto dos Animais, bem como alterar a redação do art. 32 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, o qual, conforme o esposado no site do Senado Federal atualmente encontra-se aguardando inclusão na ordem do dia de requerimento para que haja manifestação.
Nessa perspectiva, conforme o artigo 2º, inciso I, do mencionado projeto em análise, um dos principais objetivos deste é (...) “o estímulo à conscientização e à educação para a guarda responsável.” (BRASIL, 2015, on-line). Além do mais, o capítulo III, reserva-se para dispor sobre os deveres em relação a guarda dos animais, in verbis:
Art. 5º Toda pessoa física ou jurídica que mantenha animal sob sua guarda ou seus cuidados deverá: I – fornecer alimentação e abrigo adequados à espécie, à raça ou à idade do indivíduo; II – garantir espaço adequado e apropriado para a manifestação do comportamento natural, individual ou coletivo, da espécie; III – assegurar a inexistência de circunstâncias capazes de causar ansiedade, medo, estresse e angústia; IV – empreender todos os esforços para o animal conviver ou ser alojado com outros da mesma espécie, dependendo das circunstâncias específicas e do comportamento da espécie; V – prover cuidados e medicamentos sempre que for necessário e quando constatada dor ou doença. (BRASIL, 2015, on-line)
De mais a mais, expõe sobre a proibição do detentor da guarda do animal doméstico abandoná-lo, notemos “art. 7º É proibido: (...) III – abandonar animal sujeito a sua guarda ou deixá-lo a sua mercê em qualquer recinto, público ou privado, artificial ou natural, com a finalidade de se eximir das responsabilidades inerentes ao dever de guarda”. (BRASIL, 2015, on-line)
Nessa acepção, verifica-se que o projeto de lei n° 631, de 2015 visa precipuamente assegurar o tratamento aos animais como seres sencientes, bem como regulamentar os deveres referente à guarda de animais. Todavia, é silente em relação aos alimentos e regulamentação de visitas para os animais, bem como será definida a guarda dos animais domésticos mediante o rompimento de um vínculo conjugal, estabelecendo tão somente os deveres do detentor da guarda de um animal de modo geral.
Contudo, conforme ressaltado ainda não dispomos de normas que regem tais demandas e tendo em vista que, o afeto aos animais de estimação é imenso que mediante a ruptura de um vínculo conjugal não havendo acordo prévio, os casais estão pleiteando tais demandas perante o judiciário, cabendo ao magistrado a decisão acerca da vida da família.
Desse modo, temos o recente caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ trata-se do Recurso especial nº 1713167 SP 2017/0239804-9 (BRASIL, 2018, on-line), in casu, a lide era uma dissolução de união estável, onde o casal conviveu junto por mais de sete anos em São Paulo, mediante o regime de comunhão universal de bens, havendo a aquisição de um animal de estimação na constância do relacionamento e existindo intenso afeto de ambas as partes com o animal de estimação, o casal separou-se afirmando que não haviam bens a serem partilhados.
Todavia, posteriormente, o Requerente pleiteou judicialmente perante o juízo de primeiro grau da referida comarca o direito de realizar visitas ao animal, pois mesmo após o término do relacionamento este ainda realizava visitas ao pet, porém, acabou sendo impedido por sua ex-companheira de ver o animal, argumentando que isto estava lhe causando sentimento de angústia.
O juiz de piso considerou que os animais não seriam integrantes da relação familiar negando o pleiteado. Em sentido diverso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicou por analogia o instituto da guarda no caso concreto.
Diante disso, no STJ o Relator Ministro Luís Felipe Salomão decidiu pela manutenção da regulamentação de visitas, uma vez que, restou demonstrado o afeto do Recorrente com a cadela Kim, da raça yorkshire, ressaltando ainda que mesmo perante a omissão legislativa referente a essa relação afetuosa humano-animal, a possibilidade da concessão desta deverá será analisada perante o caso concreto.
Ademais, conforme as palavras do Ministro (BRASIL, 2018, on-line):
Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -” proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade").
Nessa mesma perspectiva, a justiça do Rio de Janeiro – RJ no processo no 0009164-35.2015.8.19.0203 (RIO DE JANEIRO, 2015, on-line) em caráter liminar concedeu guarda compartilhada de um animal para os ex-cônjuges. Resumidamente, nesse caso, o casal de noivos adquiriu o cãozinho “Braddock” ainda durante o noivado, e após ter findado o casamento o ex-marido buscou o judiciário para obter contato com o animal, pois teria ficado com a ex-mulher que estava impedindo de vê-lo.
Diante disso, a juíza concedeu guarda alternada ao “pai” e a “mãe” do cachorro, dividindo os dias, devendo o animal permanecer metade do mês com cada uma das partes. Destarte, permitindo a ambas as partes o direito de convivência, salientando ainda que quanto à guarda que é instituto próprio do direito de família e destinado a filhos humanos não poderá ser aplicada aos animais, porém, tendo em vista que os bichos se tornam seres sencientes, portanto, dotados de sensibilidade, merecem o resguardo do judiciário no que tange ao seu bem-estar.
Outro caso semelhante refere-se à disputa pela guarda do cão de estimação “Dully” raça Coker Spaniel que ocorreu no bojo dos autos da Apelação Cível nº 0019757-79.2013.8.19.0208 do RJ (RIO DE JANEIRO, 2015, on-line), esse recurso foi em face da sentença proferida em sede de dissolução de união estável c/c partilha de bens, onde o ex-companheiro recorria tão somente em relação à posse do animal alegando ser o verdadeiro proprietário do animal já que tinha comprado para si e custeado valores com consulta e vacinação.
No caso, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça – RJ acolheu parcialmente o feito, reconhecendo que era a ex-mulher que cuidava do cão, tendo em vista que constava o nome dela em atestados de vacinação, receituários e laudos médicos do pet e que teria ganhado o cachorrinho em momento de fragilidade, qual seja o aborto espontâneo da companheira, situação que fez com que ela criasse vínculos emocionais e afetivos com o animal, o que segundo o relator Marcelo Lima Buhatem deve ser mantido devendo ela ficar com a posse do animal de estimação.
Por outro lado, a decisão ressalta que não pode ser ignorada a importância que o cão tinha para ambos, razão pela qual foi concedido ao ex-companheiro a possibilidade de exercer a companhia do animal em fins de semana alternados entre às 10h:00min de sábado às 17h:00min do domingo. Nesse sentido, tendo em vista o embasamento das decisões proferidas pelos magistrados Borges e Valle (2018, on-line) concluem que:
O Brasil está no caminho das alterações ocorridas em âmbito internacional em relação aos animais de estimação, enquanto não temos uma lei específica que trate do assunto, as demandas referentes à guarda dos animais com o fim do casamento ou da união estável, preceitos como o princípio da afetividade e da senciência passam a ser invocados por magistrados a sentenciarem ações envolvendo família multiespécie.
Recentemente, outra lide fora pleiteada no judiciário no que concerne a mesma temática e o site G1 noticiou que em 13 de setembro de 2019 a 5ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central de São Paulo concedeu liminar em um processo que está tramitando em segredo de justiça, possibilitando o autor realizar vistas para um animal de estimação que se encontra idoso e doente, bem como o direito de participar da rotina do pet, assim, segundo STOCHERO (STOCHERO, 2019, on-line)
O mecânico Anderson Alberto Ferreira, de 36 anos, conseguiu na Justiça de São Paulo uma liminar que o autoriza a visitar o seu cachorro de 13 anos --um pug chamado Emmett Brown-- que ficou com sua ex-companheira após a separação do casal. O caso tramita em segredo de Justiça, já que envolve uma disputa de família.
Outro caso veiculado pela mídia através da assessoria de comunicação do IBDFAM, em linhas gerais, concerne à possibilidade de pagamento de pensão alimentícia para animais, pois uma mulher pleiteou em face do ex-companheiro um pedido de ajuda com as despesas de sete animais de estimação que foram adquiridos na constância da união estável.
E, em uma decisão inédita a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ (RIO DE JANEIRO, 2018, on-line) decidiu nos autos do processo tombado sob o nº 0056698-31.2017.8.19.0000 também mediante segredo de segredo de justiça que o ex-companheiro deveria pagar o montante de R$ 150 (cento e cinquenta reais) por animal, ou R$ 1.050 (um mil e cinquenta reais) no total a título de alimentos.
Isto posto, tal assunto ainda gera muita controvérsia e opiniões conflitantes, tendo em vista que ainda não há nada sedimentado legalmente. Todavia, conforme os entendimentos supracitados, nota-se que mesmo havendo omissão legislativa em relação a essas demandas para os pets o judiciário vem pautando suas decisões acerca do tema essencialmente em princípios e analogia.
Diante do exposto, verifica-se que conforme a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942, on-line) permite o magistrado mediante o caso concreto que haja omissão legislativa poderá utilizar-se da analogia e outros meios para fundamentar as suas decisões conforme prescreve os artigos 4º e 5º do supramencionado diploma legal, aplicando-se ao caso os institutos de direto de família visando um fim social, visto que os animais tornaram-se uma riqueza afetiva e não mais meramente patrimonial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse diapasão, verifica-se que a presente pesquisa visa analisar a (in) viabilidade de tutelar judicialmente nas demandas de dissolução de união estável e divórcio os pedidos de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação.
Para a elucidação do problema proposto no presente estudo tornou-se necessário pautar-se em doutrina, entendimentos jurisprudenciais, legislação vigente e projetos de lei ainda em trâmite.
Nessa acepção, primeiramente apresentou-se a evolução histórica da relação afetiva entre o homem e o animal ressaltando que é o animal e como essa relação foi transmudando-se no decorrer do tempo, apontando ainda índices da quantidade de animais que possuem nos lares brasileiros.
Posteriormente, ressaltou-se a evolução característica dos animais demonstrando que com a evolução social os animais deixaram de serem considerados como seres semoventes, como preceitua a legislação e tornaram-se seres sencientes, haja vista que são dotados dos mais variados sentimentos, tais como: amor, afeto, angústia, tristeza, felicidade, medo, anseios dentre outros e são capazes de perceber o que acontece em sua volta.
Ademais, conceituou-se a família multiespécie a qual é lastreada essencialmente no afeto, sobressaindo os laços de afetividade ao invés do de sangue, haja vista que os seres humanos gastam tempo, dinheiro, e atribuem ao animal de estimação a qualidade de membro da família, e, em determinados casos considerados como verdadeiros filhos, havendo assim uma relação mútua de cunho sentimental. Dessa forma, notável que a família multiespécie é lastreada na modernidade com fulcro precipuamente no afeto entre os indivíduos inerentes no seio familiar.
Por fim, expõe uma análise doutrinária, legislativa e jurisprudencial acerca da (im) possibilidade de aplicação dos institutos do direito civil no que concerne a guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação, nesse ponto, verificou-se que o legislador quedou-se inerte e cabe ao judiciário decidir as lides que são pleiteadas.
Assim, nota-se que é possível o reconhecimento da família multiespécie e que perante os casos concretos embora não seja pacífico, os magistrados vêm pautando-se na aplicação analógica dos referidos institutos, visto que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB permite tal aplicação mediante omissão legislativa.
Portanto, é viável tutelar judicialmente os pedidos de guarda, regulamentação de visitas e alimentos para os animais de estimação após a ruptura da relação conjugal. Ressalta-se ainda que perante o esposado as demandas de guarda e regulamentação de visitas são mais comuns que o pedido de alimentos, todavia, existem casos raros, porém, o judiciário prefere empregar o termo ajuda de custo ao invés de pensão alimentícia.
Nessa prima, tendo em vista o esposado conclui-se que é crucial legislação especifica para regulamentar a temática, tendo em vista que a família multiespécie torna-se cada vez mais iminente perante a sociedade, pois atualmente tal litígio conta tão somente com a sensibilidade do julgador perante o caso concerto, pois a legislação estabelece os animais como coisa, todavia, não podem serem vistos como tais, pois o contexto social modificou essa característica devendo, portanto, o legislador acompanhar as modificações trazidas pelos fenômenos sociais, uma vez que, o direito não é estático.
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[1] Bacharela em Direito pelo Centro Universitário São Francisco de Barreiras (UNIFASB). Pós-graduanda em Direito Previdenciário pela Faculdade Educamais (UNIMAIS).
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