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Possibilidade da união estável nas relações poliafetivas
Possibilidade da união estável nas relações poliafetivas
Lucas Gabriell Gomes de Oliveira1
RESUMO
O presente trabalho contempla o tema união estável e suas possibilidades perante o Direito. A pesquisa tem o objetivo de demonstrar a possibilidade de união estável nas relações poliafetivas, visto que a sociedade vive em constante mudança, e principalmente em ralação a conceito que é o caso da entidade familiar e seus conceitos sociais. O estudo do tema poliamor é de suma importância, visto que tal polêmica passa por vários conceitos e princípios do Direito, como é caso do Princípio da Dignidade da pessoa Humana, princípio constitucional e os conceitos relacionados à estrutura familiar. A Constituição Federal e Código Civil brasileiro são utilizados para a interpretação da possibilidade de união estável no poliamor de efetivar e garantir direitos a todos dessa entidades. O tema poliamor gera polêmica, pois no Brasil existem vários posicionamentos a respeito do tema, contudo, uma parte dos pesquisadores e professores aponta quais são os possíveis caminhos para solucionar o conflito envolvendo as relações poliafetivas.
Palavras-Chave: União estável, poliamor e Direito de Família
Abstract
The present work contemplates the theme domestic partnership and its possibilities before the Law. The research aims to demonstrate the legal possibility of domestic partnerships in polyamory relationships, since society lives in constant change, and especially in relation to the cultural concept of family entities. The study of the polyamory theme is of paramount importance, since this controversy relates to several concepts and principles of Law, such as the Principle of Dignity of the human person, all the constitutional principles and concepts concerned to family structure. The Brazilian Federal Constitution and Civil Code are used for the interpretation of the legal possibility of stable union in the polyamory relationships to create and guarantee rights to all of this kind of family. The polyamory theme is controversial, because in Brazil there are several positions on this subject, however, a part of the researchers and professors points out the possible ways to solve the conflict involving polyamory relationships.
Keywords: domestic partnership, polyamory, Family Law
- INTRODUÇÃO
O propósito é demonstrar a diversidade social principalmente no que se refere às questões familiares. O poliamor é um tema que deve ser debatido e questionado, pois com a realidade fática, o Direito deve analisar deveres e garantias que terão aqueles que vivem nesse contexto familiar.
Passando por princípios do Direito de família e constitucionais, como Princípio da Dignidade Humana, o tema apresentado, possuis divergência entre a doutrina, e ao mesmo tempo possíveis soluções
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 UNIÕES ESTÁVEIS E A SOCIEDADE
A consolidação da união estável se deu no Direito Brasileiro ao momento em que a sociedade passou a buscar novos caminhos para construção familiar e efetividade jurídica do afeto envolvendo casais e ou parceiros. Novas interpretações do modelo de família e a nova realidade social fez com que a população buscasse no Direito, meios alternativos e ao mesmo tempo oficiais, a concretização da garantia constitucional de que o direito não excluirá ninguém de seu campo de visão e atuação.
O princípio Constitucional da dignidade Humana, de fato é um dos principais princípios que protege as instituições do direito e principalmente as pessoas que necessitam de uma resposta, seja do Estado, da própria população e do alcance do Direito.
Em um contexto atual, a união estável vem sendo aplicada nos mais diversos casos, contudo seguindo as normas e entendimentos jurídicos, como é o caso do reconhecimento da união estável nas relações homoafetivas que foi reconhecida recentemente pela suprema corte brasileira. Dando maior credibilidade ao argumento base, que é pautado pela afetividade, ou seja, reconhece que nos dias atuais a instituição família, está mais ligada ao afeto, do que tão somente ao antigo pensamento em relação à prole.
É estabelecida a união estável, quando o objetivo da relação é a constituição familiar, o Código Civil de 2002, não menciona prazo mínimo de duração (da convivência) para que se atribua a condição de união estável, também não sendo necessário que morem juntos, ou seja, podem ter domicílios diversos, contudo devem ser observados os elementos que comprovem tal união. Um dos exemplos é a existência de filhos e a intenção de constituição de família, contudo não se restringe a esses elementos, como meio de prova.
Na união estável prevalece o regime da comunhão parcial de bens, mas pode haver um contrato entre as partes sobre os bens dos companheiros com a mesma flexibilidade admitida no pacto antenupcial.
2.1.2 da evolução da união estável
Tratando-se da evolução da união estável no Brasil é válido ressaltar que inicialmente o direito brasileiro apenas tratava do casamento civil e religioso, que era regulamentado pelo Código Civil de 1916, com um único intuito de proteger o que era chamado de “família legitima”. Outras formas de união eram conhecidas como concubinato.
O concubinato possui duas espécies, puro e impuro.
A primeira delas, o concubinato puro, é aquele que merece total proteção do Estado e é constituído por uma união duradoura entre homem e mulher, sem casamento, que constitui família de fato, sem qualquer detrimento da família legítima; a exemplo das uniões entre solteiros, viúvos, etc. desde que respeitada outra união concubinária. A segunda espécie, o concubinato impuro, é aquele que não goza de nenhuma proteção do Estado, trata-se do adultério, incestuoso ou desleal (relativamente à outra união de fato), como o de um homem casado ou concubinato que mantenha, além de seu lar, outro de fato. (SILVA E GICO, 2010).
Durante muitos anos, o poder econômico de uma família ficava nas mãos dos homens, ou seja, as mulheres eram “donas do lar”, podiam cuidar apenas dos afazeres da casa, dos filhos e pouco movimentava o orçamento da casa em que vivia. Normalmente os bens eram colocados no nome do homem da casa, que gerava um prejuízo imenso para as mulheres, que muito das vezes eram abandonadas por seus maridos. Com o fim da relação essas mulheres ficavam desamparadas financeiramente e sem garantias materiais.
Surgem nesse momento inúmeras jurisprudências, decretos leis e outros instrumentos jurídicos a proteção às concubinas, “dando-lhe direito a pleitear indenização pelos serviços prestados ao parceiro, dependendo do caso concreto” (SILVA E GICO, 2010), também poderia ser reconhecida a sociedade de fato, desde que comprovassem a contribuição mútua (direta ou indireta).
O primeiro avanço na compreensão de família no Brasil se deu na década de 40. O Decreto Lei 4.737 de 24 de setembro de 1942 foi o primeiro passo para legalizar a união estável no país, visto que tal decreto dispunha sobre o reconhecimento dos filhos naturais. Surgem outras regras e leis que passam a beneficiar a companheira não casada civilmente. Um dos maiores avanços ocorre na década de 1960, com a jurisprudência que tratava de acidentes do trabalho, porém foi de suma importância para avanços sociais principalmente na esfera do direito de família. Tal jurisprudência apontava o seguinte: “Em caso de acidente de trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para matrimônio” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1963).
Outro passo importante foi dado na lei a Lei nº 6.515 de 1977, que cria o instituto do divorcio regularizando a vida daqueles em se encontravam separados de fato “bem como dos que viviam em uniões extra matrimoniais com os respectivos cônjuges, com os quais formavam nova família sem casamento, vivendo assim à margem da lei” (SILVA E GICO, 2010).
O maior avanço da união estável ocorre na década de 80, com a nova Carta Magna. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, §3º, o reconhecimento legal da união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento e gozando de total proteção do Estado (BRASIL, 1988). Noutro momento surge outra lei que garante o reconhecimento do direito a alimentos e direitos sucessórios dos companheiros, bem como os requisitos mínimos para que reconheça a união estável.
A Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, reconheceu, como entidade familiar, a convivência duradoura pública e contínua de um homem e uma mulher com a finalidade de constituição de família, estabelecendo direitos e deveres de cunho pessoal e patrimonial aos conviventes, a presunção de que os bens adquiridos, a título oneroso, na constância da união estável, são fruto do trabalho e da colaboração comum dos companheiros, passando a pertencer, em partes iguais, a ambos, salvo estipulação contratual em contrário, e o direito real de habitação convivente sobre o imóvel destinado à residência da família, em caso de morte do companheiro (MONTEIRO, 2007).
Por fim, o atual Código Civil de 2002, foi de fato o maior avanço para consolidação das garantias da união estável no Brasil.
2.1.3 Do reconhecimento da união homoafetiva e o afeto
A sociedade, com o passar dos tempos, vem a cada dia quebrando tabus, sejam, a través de movimentos sociais, políticos, manifestações, passeatas, debate e outros, demonstrando que todos têm igualdades e diferenças.
Existem diversas orientações sexuais e tipos de gêneros. Segundo a Comissão de Direitos Humanos de Nova Iorque em 2016, foram reconhecidos 31 gêneros e sexualidades, ou seja, há uma constante evolução que gera novos entendimentos e descobertas sociais.
O direito ao redor do mundo encontra a enorme dificuldade de se encaixar nos avanços sociais. A lei não é o suficiente para se adequar as novas gerações e novos conceitos sociais. Fato é que o poder judiciário vem buscando novos meios e novas interpretações do ordenamento jurídico para tentar suprir o atraso legislativo. Não somente no Brasil, mas o mundo vem se preocupando com os avanços tecnológicos, medicinais, sociais, econômicos, comportamentais e etc.
O avanço social fez com que surgissem novas famílias, ou melhor, o acesso à informação a busca pela igualdade, fez com que o poder patriarcal caísse por terra, visto que cada vez mais o interesse pessoal à dignidade própria passou a ter mais valor e a estrutura familiar se tornou mais baseada no laço afetivo. É o que ocorre nos lares onde a constituição da família é formada por casais homoafetivos. Daí trouxe em debates o questionamento da oficialização e regulamentação dessa nova estrutura familiar.
Deu-se então o reconhecimento da união homoafetiva, porém, não foi tão simples esse processo, visto que ainda existem aqueles que defendem a chamada “tradicional família brasileira”.
O STF em 2011 equiparou através da ADIN 4277 as uniões homoafetivas aos relacionamentos entre pessoas do sexo oposto (homem e mulher), reconhecendo esse tipo e relacionamento como núcleo familiar, dando mais força ao argumento da afetividade entre esses.
O afeto em um aspecto geral “tem sua origem na palavra latina affectus, que significa disposição, estar inclinado a. A raiz vem de afficere, que corresponde a afetar e significa fazer algo a alguém, influir sobre”. Desta forma decidiu o STF demonstrar que ninguém será excluído, seja, em virtude do sexo, raça, cor. Afirma também que ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
Ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. (BRASIL, 2011).
Para o Direito todos devem ser tratados com igualdades, ou seja, os iguais nos limites de suas igualdades e os diferentes no limite de suas diferenças. Gerando assim deveres e direitos a serem cumpridos por cada cidadão.
3. POLIAMOR: POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
Sabe-se que o Direito é um campo das ciências Humanas que além de trabalhar com a lei e o ordenamento jurídico, também se preocupa em observar o que os especialistas têm a dizer e orientar sobre determinado campo de conhecimento, ou seja, no Direito a doutrina é de suma importância para interpretação da lei.
O direito de família em vários momentos necessita de colocar em debate suas complexidades. Assuntos “polêmicos” geram vários entendimentos.
O doutrinador Carvalho (2011) é contrario a possibilidade de união estável nas relações poliafetivas, pois argumenta que “não pode prosperar no sistema brasileiro, em atenção ao principio da monogamia vigente na nossa legislação”.
Boa parte da doutrina demonstra que a constituição de união estável deve observar tais elementos: união publica, continua duradoura e objetivo de constituição de família. Venosa (2010) deixa claro que união estável não se confunde com “mera união de fato, relação fugaz e passageira”. Que não é necessária a convivência no mesmo teto. Mas sim, mor uxório, “o convívio como se marido e mulher fosse”.
A doutrina explica que a união estável é um fato social que também gera efeitos jurídicos.
Para fugir à conotação depreciativa que concubinato teve no passado com frequência, a lei, a doutrina e a jurisprudência já não se referiam a concubinos, mas a companheiros ou conviventes. (VENOSA, 2010).
3.1 DA CRÍTICA À DOUTRINA
A doutrina mais conservadora diz que não cabe dentro do contexto do direito de família o poliamorismo, visto que o principio vigente no ordenamento brasileiro é a monogamia. Tal doutrina não observa que constituição de família nos dias atuais não se restringe tão somente ao casamento, ou seja, não há que se falar em possível crime de bigamia ou que o Estado brasileiro se restringe em reconhecer outras modalidades de família.
A bigamia é o a realização de novo casamento, sem que se tenha dissolvido o anterior e está previsto no artigo 235 do atual Código Penal Brasileiro.
O poliamor vem sendo discutido no Brasil (judiciário) desde 2011/2012 quando foi registrado o primeiro caso ao qual foi aceito o pedido de união entre os adeptos. A justificativa para efetuar o registro tem como base o argumento da "dignidade humana e de que o conceito de família é plural e aberto”.
3.1.2 Poliamor ou poligamia
É válido ressaltar que existem diferenças entre esses dois termos “poliamoar” e poligamia. O primeiro se diferencia do segundo, pois a poligamia está diretamente relacionada a cultura de determinados Estados (Países, Nações) e nesse caso em regra o Homem quem tem o direito de se casar com várias mulheres, ou seja, segue a tendência do patriarcado.
Tratando do poliamor, em um breve resumo, tal termo significa pregar o amor e o afeto acima de qualquer padrão, costume ou credo.
3.1.3 Da doutrina que define o poliamaor
Se fosse possível estabelecer uma única definição para o poliamor, certamente ela descreveria uma forma de relacionamento em que é possível válido e compensatório manter – em geral por longos períodos no tempo – relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais de duas pessoas simultaneamente (SANTIAGO, 2015). Não existe a obrigatoriedade de que este tipo de família decorra do relacionamento existente entre um trio. Podendo ser um quarteto, um quinteto e etc.(DOMITH, 2014).
3.2 Da aceitação
O artigo científico publicado por Mattos (2017), resalta um dos principais princípios do direito que é o da Igualdade e Liberdade ou Autonomia. Tais princípios são de suma importância para o direito brasileiro, principalmente nos casos em que existe uma clara união entre constitucional e direito de família “podendo-se, inclusive, afirmar que sua constitucionalização representou um grande avanço para o direito brasileiro, principalmente para o Direito de Família”. O doutrinador Mello (2014), demonstra que todos os núcleos familiares podem se fundamentar nos princípios da Igualdade e Liberdade (Autonomia). Tal autor mencionado, fala que a lei não pode ser fonte de privilégios ou ate mesmo de perseguições, mas deve servir como instrumento regulador a vida social. O direito é a soma de um fato social e um conjunto de regras, princípios entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que somados chegam a um denominador que pode ser ou não um denominador comum, porém, não pode o direito ficar apenas no campo das ideias.
É possível afirmar que ao Estado não é dado à possibilidade de preferir isso ou aquilo, quando se trata do Dir. de Família, pois em questões sociais, se torna subjetivo a ideia de família. E além desse contexto (social), “o princípio da igualdade está expressamente contido na Constituição, designadamente nos preceitos que tratam das três principais situações nas quais a desigualdade de direitos foi a constante histórica: os cônjuges, os filhos e as entidades familiares. [...] O caput do art. 226 tutela e protege a família, sem restringi-la a qualquer espécie ou tipo, como fizeram as Constituições brasileiras anteriores em relação à exclusividade do casamento” como demonstra Lôbo (2011).
Outro fator a ser analisado é mínima intervenção estatal, Farias e Rosenvald (2015), apontam que o Direito de Família se baseia na autonomia privada dos indivíduos, o Estado só será atuante quando estiver ameaçado algum direito desses indivíduos tendo como justificativa a proteção pessoal e não a invasão pessoal. Mesmo que a proteção seja para garantir o instituto família, o modelo desse instituto não pode ser definido pelo poder estatal, pois ai estaria o Estado deslegitimando o princípio da Liberdade. “Ao estado não cabe intervir no âmbito do Direito de Família ao ponto de aniquilar a sua base socioafetiva” (GAGLIANO, 2014).
A professora Domith (2014) em seu artigo para CONPEDI Florianópolis em 2014 demonstra que o rol protegido pela constituição é meramente exemplificativo, ou seja, os novos modelos de família não estão vinculados aos modelos pré-definidos pela sociedade ou Sociedade-Estado. Afirma que as famílias poliafetivas, não têm necessidade de se calhar em nenhum tipo de família ao qual foi exemplificada pela Constituição Federal para que sejam consideradas legítimas, socialmente e juridicamente. Domith (2014) afirma que “O Direito de Família, em sua perspectiva civil-constitucional, tem se mostrado avesso aos pré-conceitos, pré-julgamentos, sempre tendo em vista a promoção e a proteção da dignidade da pessoa humana, já que esta preocupação se traduz na função social das famílias na atualidade”.
3.2.1 Da aceitação no cartório
O cartório de notas detém as mais diversas competências, dentre elas a união civil e até mesmo estável. O 15º cartório de notas da cidade do Rio de Janeiro, por meio da tabeliã Fernanda Leitão, efetuo o primeiro registro de união estável entre três pessoas, que inicialmente foi chamado de “trisal”, contudo ao analisar tal situação e com a popularização do termo poliamor, o grupo passou a ser reconhecido como casais poliamoristas.
Para tabeliã Fernanda Leitão um dos principais fundamentos que deve ser analisado ao efetuar esse tipo de união é o Principio da Afetividade, pois tal princípio se torna fundamental nos dias atuais, principalmente no Direito de Família, pois é o seu mais novo pilar, segundo a tabeliã. Outros Princípios são da Dignidade da Pessoa Humana, da Personalidade, da Autonomia da Vontade, da Não discriminação e o do Silencio Normativo. Pois, o ultimo princípio demonstra que no Direito Privado “tudo o que não é proibido é permitido”. Tais Princípios mencionados tem relação com o Direito de Família, visto que o conceito de família atualmente é plural e aberto. A tabeliã argumenta também que no Art. 1521 do CC, não existem impedimentos, e ressalta que para haver a união estável, as partes devem ser maiores e capazes, a relação deve ser duradoura e como objetivo de formar família, além disso, a união deve ser pública. Em entrevista ao IBDFAM, Fernanda Leitão ressalta “Dizer que o nosso ordenamento jurídico não permite esse tipo de união é imaginar que o legislador pátrio pensou nessa situação e a proibiu, o que, a meu ver, absolutamente não aconteceu”.
3.2.2 Do IBDFAM
Em entrevista o advogado membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), Silva (2014), coloca que nenhum tabelião do Brasil pode se negar a efetuar o contrato de União Estável entre mais de duas pessoas, pois o contrato constitui mera faculdade estabelecida pela lei, para que, por meio dele, os companheiros possam definir os efeitos patrimoniais da união entre eles estabelecida, conforme dispõe o artigo 1.725 do Código Civil. Demonstra também, que pode ser celebrado o contrato por escritura publica ou instrumento particular. Sendo que a escritura pública terá a vantagem da fé pública, e que não é o contrato que constitui a União Estável, mas sim suas garantias. Resalta que qualquer pessoa poderá solicitar que a declaração seja reduzida a termo (por escritura pública). Contudo, os efeitos jurídicos dependerão do entendimento do poder Judiciário quando for provocado.
4. DA POSSIBILIDADE DA UNIÃO ESTÁVEL
Assim como no caso da união concedida no cartório do Rio de Janeiro as uniões poliafetivas são duradoras, se tornam públicas e mesmo que mantidas por mais de duas pessoas, existe o ânimo de constituir família. Cumprem os requisitos exigidos para verificação da união estável. Tais como os requisitos que são aplicados para relações homoafetivas. Diferencia-se apenas do fato de não conter apenas duas pessoas. Os envolvidos no relacionamento se consideram como uma única família, tal consideração é importante, pois matem a característica base que é a constituição de família. Destaca-se que sobre a ótica do Direito Penal, o poliamor não será classificado como bigamia, visto que a lei penal não dispõe sobre tal situação, da mesma forma que não trata do assunto em relação aos casais homoafetivos. Tais fatos não são tipificados pela lei penal.
O direito só não chancela a união de mais de duas pessoas quando for formalizado através do instituto do casamento, sendo possível ser celebrado entre duas pessoas e não do que isso.
É válido mencionar que em vários momentos na união monogâmica, muita das vezes ocorre às uniões paralelas popularmente tidas como traição. Nesses casos podem gerar efeitos jurídicos, a jurisprudência garante direito à pessoa que foi enganada (“amante” e que não sabia que vivia em um paralelismo), o efeito da união válida. O artigo intitulado como “lutemos, mas só pelo direito ao nosso estranho amor, legitimidade da família poliafetiva” exemplifica dizendo que:
Se um homem casado começa a manter um relacionamento amoroso estável com uma mulher ou com outro homem sem que estes saibam de seu vínculo matrimonial anterior, embora este segundo relacionamento, em regra, não seja válido para o Direito, ensejarão direitos a exemplo do que ocorre no casamento putativo com relação aos cônjuges que o contraíram de boa-fé. Pode-se falar, também, em uniões estáveis putativas diante da verificação da boa-fé de quem as mantém. (DOMITH, 2014)
Conclui-se que se geram efeitos jurídicos positivos e possíveis efeitos matérias para esses que estavam em um relacionamento paralelo e seguindo a boa-fé, poderá o Direito reconhecer as uniões poliafetivas como válidas. Visto que nessa situação a boa-fé não é subjetiva, pois conta com a consciência de todos que estão se relacionando.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A boa-fé nas relações poliafetivas é um dos principais pontos a serem destacados. Com isso, conclui-se que o Direito de Família é uma das fontes do direito Civil que também segue as regras da boa-fé objetiva. As novas construções sociais devem ser observadas e percebidas pelo Direito sem o olhar preconceituoso e conservador. Pois para “construir é necessário primeiro desconstruir”.
O Direito não pode seguir o conceito de “dois pesos, duas medidas”, pois o “contrato social” entre Estado e sociedade, tem como objetivo alcançar todos da sociedade, “sem distinção de qualquer natureza”(BRASIL,1988). Não seria válido aplicar garantias e gerar deveres a alguns e excluir outros. A que busca da união estável nas relações poliafetivas tem o intuito de também gerar deveres a esses.
Reforçando o que foi disposto acima no item 4.1, se geram efeitos jurídicos positivos e possíveis efeitos matérias para esses que estavam em um relacionamento paralelo e seguindo a boa-fé, poderá o Direito reconhecer as uniões poliafetivas como válidas. Visto que nessa situação a boa-fé não é subjetiva, pois conta com a consciência de todos que estão se relacionando.
O princípio da afetividade também é uma das garantias atuais na definição de família, principalmente tratando-se das relações homoafetivas, que nesse caso, não se avalia o gênero. A afetividade serviu para garantir a união estável aos casais homoafetivos.
A base das uniões poliafetivas, como o próprio nome já diz, é o afeto. Ou seja, poderá de fato ser o mecanismo à regular a união estável nessas relações, principalmente via cartório, como demonstrado no item 3.2.1 desse artigo.
O assunto poliamor, apesar de não ser novo, hoje (dias atuas) vem alcançando outros patamares de debates, principalmente quando se trata de questões jurídicas. Tanto é que o CNJ irá decidir e analisar a constitucionalidade dos registros ou possíveis registros nos cartórios de todo país, demonstrando que de fato o Direito como um ramo das ciências Humanas, deve dar uma resposta à sociedade em relação às suas evoluções e desejos, principalmente aqueles que de fato se relacionam com as questões sociais e de direito.
REFERÊNCIAS
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[1]. Bacharel em Direito - Universidade Salgado de Oliveira (Juiz de Fora) e Pós-Graduando em Ciências da Religião - Instituto Nacional de Ensino (INE-MG).
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