Artigos
“A ADVOCACIA NÃO É PROFISSÃO DE COVARDES”: ressignificando Sobral Pinto rumo à uma advocacia colaborativa
“A ADVOCACIA NÃO É PROFISSÃO DE COVARDES”: ressignificando Sobral Pinto rumo à uma advocacia colaborativa
Maíra Lopes de Castro
Advogada, Mediadora e Conciliadora
Professora do Centro Universitário Dom Bosco – UNDB
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA
Especialista em Direito de Família e Sucessões
e-mail: maira.lopes.castro@hotmail.com
A advocacia não é profissão de covardes. A célebre frase do advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto segue ecoando pela academia, tribunais e fóruns Brasil afora, como forma de relembrar a advocacia que lhe cabe a defesa das liberdades, e da ordem constitucional.
Em um viés comunicativo a afirmação de que a advocacia não é profissão de covardes pode ser recebida por alguns como sinônimo de enfrentamento, de oposição e adversariedade, de polarização e assunção de posições fixas das quais o advogado não pode abrir mão. Por toda uma geração de advogados perpetuou-se o entendimento de que o bom advogado é aquele que litiga melhor, “o bom de briga”, que conhece os melhores artifícios processuais, e que por conseguinte, possui a melhor argumentação e poder de convencimento.
Ousa-se dizer que os novos tempos trouxeram outros parâmetros para a boa advocacia: colaborar é o novo desafio.
E aqui registra-se o reforço: é preciso coragem para romper com o paradigma da cultura do litígio e sentença. A advocacia tem exigido cada vez mais coragem por parte dos advogados para romper com o paradigma de adjudicação, de polarização, da cultura sentença. O advogado que se propõe a ser colaborativo, que foca na satisfação do cliente e na promoção efetiva de justiça por suas múltiplas vias é um advogado que está efetivamente se valendo da coragem mencionado por Sobral Pinto.
A advocacia tem se reformulado. Cobra-se do advogado nova postura sobre acesso à justiça, partindo de uma leitura de acesso à justiça como acesso à ordem jurídica justa.
É crescente insatisfação com o direito adversarial, sobretudo no campo do direito das famílias. O litigio se tornou mais complicado e tático, sendo os contatos profissionais permeados por um vocabulário bélico, violento. Isso, inclusive, reflete na qualidade de vida da própria classe profissional e intensifica o desenvolvimento de transtornos e doenças psicossomáticas (CAMERON, 2019).
Começam a ser questionados padrões como o consumo integral do patrimônio liquido que uma família por batalhas judiciais homéricas, de famílias investirem mais capital no acirramento do litigio do que na educação dos filhos. Sistemas judiciais extremamente adversariais costumam ser destrutivos para manutenção da convivência familiar saudável (CAMERON, 2019).
Pensando de forma mais específica no Direito das Famílias, a adoção de métodos autocompositivos parece ainda mais significativo tendo em vista a multiplicidade de vínculos continuados que precisam ser trabalhados no decorrer da abordagem do conflito.
Não por outro motivo o Código de Processo Civil de 2015 traz em seu artigo 694, a necessidade de envidar-se todos os esforços para a solução consensual das controvérsias de família, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Nesse afã de quebra de paradigma e insatisfação com o modelo tradicional, surge o movimento norte-americano da advocacia colaborativa, que em linhas gerais se caracteriza pela contratação de advogados para atuar fora do processo judicial, e, pelo compromisso firmado por esses profissionais de, diante do insucesso do processo colaborativo, não irem ao tribunal, em espécie de termo de não litigância (CAMERON, 2019).
Há aqui um comprometimento integral e efetivo com a resolução do conflito, evitando-se abordagens estratégicas e argumentos de poder que ameaçam uma das partes a serem submetidas ao processo judicial.
O processo colaborativo tem por cerne a descoberta de interesses e protagonismo das partes na eleição das questões a serem resolvidas, abrindo-se mão da mera tipificação civil em capítulos (pensão, guarda, convivência familiar, etc), permitindo assim a personalização da resolução aos efetivos interesses e necessidades das partes. Permite-se, portanto, que os clientes trabalhem ativamente para a resolução das suas demandas (CAMERON, 2019).
Não estar-se-á aqui abrindo mão da segurança jurídica, nem de todos as garantias constitucionais e legislativas que permeiam as famílias, do contrário, estar-se-á por reforça-las à luz da dignidade da pessoa humana e da reinserção das partes num modelo cidadão e democrático de gestão de conflitos.
O modelo tradicional de acesso à justiça afastou-as inclusive do exercício de plena cidadania. A ideia de subjetividade jurídica nos leva inevitavelmente a negação do outro, a dissolução do indivíduo. “A cidadania está reduzida a indivíduos que participam indiretamente na produção das decisões do Estado, para logo delegar-lhe a missão de decidir seus próprios conflitos” (WARAT, 2001, p. 161).
Portanto, permanece atual o advogado Sobral Pinto, ao afirmar, ainda que nas entrelinhas, que a advocacia requer coragem, afinal, esse tem sido o papel da nova advocacia, não se acovardar frente à uma sociedade eminentemente litigante, e seguir desafiando-se na promoção do acesso à justiça de modo qualificado.
REFERÊNCIAS:
CAMERON, Nancy J. Práticas colaborativas: aprofundando o diálogo. Trad. São Paulo: Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, 2019.
WARAT, Luís Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 279.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM