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ADI 4.277 e ADPF 132 como fontes asseguradoras da união estável poliafetiva no brasil
ADI 4.277 e ADPF 132 como fontes asseguradoras da união estável poliafetiva no brasil
Rodrigo de Oliveira Moitinho Santos[1]
Ana Cristina Neri da Conceição Accioly[2]
RESUMO
O artigo trata-se de uma releitura à ADI 4.277 e a ADPF 132 como fontes asseguradoras a serem aplicadas por analogia, para a viabilidade da União Estável Poliafetiva no Brasil, a partir de uma nova interpretação, da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002. Verifica-se a matéria, baseada no questionamento de a ADI 4.277 e a ADPF 132, ambas do Supremo Tribunal de Federal (STF), possibilitarem e/ou assegurarem a União Estável Poliafetiva no Brasil. A metodologia utilizada para a realização do artigo foi através de pesquisas bibliográficas, documentais, legislação e jurisprudência. A partir da promulgação da Carta Magna de 1988, em especial, no ramo do direito de família, o texto constitucional ampliou os horizontes do conceito de família na medida em que a sociedade evoluía com as novas formações familiares baseadas na afetividade. O tema da pesquisa mostra-se relevante uma vez que o Poder Judiciário não reconhece este modelo como um núcleo familiar. A pesquisa permite aferir a plena possibilidade de esse novo formato familiar ser reconhecido no mundo jurídico, e com isso, garantir-lhes seus direitos perante o judiciário.
PALAVRAS-CHAVE: Poliamor. União estável. Afetividade. Dignidade humana. Autonomia da vontade.
ABSTRACT
The article is a reinterpretation of ADI 4.277 and ADPF 132 as insurance sources to be applied by analogy, for the viability of the Stable Poliafective Union in Brazil, based on a new interpretation of the 1988 Federal Constitution and the Civil Code of 2002. It is verified the matter, based on the questioning of ADI 4.277 and ADPF 132, both of the Supreme Court of Federal (STF), enable and/or ensure the Stable Poliafective Union in Brazil. The methodology used to carry out the article was through bibliographic, documentary research, legislation and jurisprudence. Since the enactment of the 1988 Constitution, especially in the area of ??family law, the constitutional text has broadened the horizons of the concept of family as the society evolved with new family formations based on affectivity. The research topic is relevant since the Judiciary does not recognize this model as a family nucleus. The research allows to measure the full possibility of this new family format being recognized in the legal world, and with this, guaranteeing their rights towards the judiciary.
KEYWORDS: Polyamory. Stable union. Affectivity. Human dignity. Autonomy of will
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. BREVE CONCEITO DE FAMÍLIA. 3. A UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA NO BRASIL. 3.1 RESPIRAR O AMOR, ASPIRANDO LIBERDADE – E OS DEMAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 4. LIBERTÉ, EGALITÉ E FRATERNITÉ E A ISONOMIA ENTRE AS RELAÇÕES HOMO, POLI E HÉTERO AFETIVAS. 5. ADI 4.277 E ADPF 132 VERSUS PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS.
- INTRODUÇÃO
Pretende-se, com o presente artigo, apresentar uma nova tese que possibilita a União Estável Poliafetiva a partir de uma releitura da decisão da ADPF 132 e da ADI 4.277, ambas julgadas pelo STF, com o objetivo de que os argumentos usados nos julgamentos sejam aplicáveis por analogia para a União Estável Poliafetiva no Brasil.
A nova tese deste artigo terá como base a Carta Magna de 1988 e o Código Civil de 2002, com a problemática de que se a ADI 4.277 e a ADPF 132 do STF são fontes que possibilitam e/ou asseguram a União Estável Poliafetiva no Brasil.
Utilizando-se da metodologia bibliográfica, documental, entrevistas com Trisais, legislativa e jurisprudencial, tendo como referência autores na qualidade de Antônio Carlos Wolkmer, Fernanda de Freitas Leitão, Friedrich Engels, Fustel de Coulanges, Paulo Lôbo, Regina Navarro Lins e Rodrigo Moitinho, o trabalho está dividido em quatro tópicos.
Inicia-se com o breve histórico da evolução do conceito de família desde a Grécia e Roma antigas até a promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 a qual desenvolveu e ampliou os conceitos de família tendo como fundamento primordial a afetividade.
Adiante, houve a necessidade de se mostrar a atual situação jurídica das Uniões Estáveis Poliafetivas, assim como uma breve análise crítica da decisão do CNJ quanto à proibição em território nacional da lavratura dessas uniões em cartório.
Na sequência, com base na decisão do CNJ, precisou-se refutar tal decisão com fundamento nos Princípios Fundamentais da Carta Magna de 1988.
Em seguida, traz-se o recorte da Revolução Francesa com a sua universalização de direitos sociais e das liberdades individuais que impactaram a Constituição Federal de 1988, e a partir daí delinear com escopo de equiparar e tratar de forma isonômica as relações Poliafetivas para com as Homo e Hetero afetivas, com a finalidade de intentar a não ocorrência de haver distinção entre essas relações no mundo jurídico e social.
Objetiva-se investigar os impactos da decisão da ADI 4.277 e ADPF 132 ao ser aplicada, por analogia, com o intento de as relações Poliafetivas se igualarem às relações Homo e Hetero afetivas e alçarem o status de Família.
O presente artigo visa contribuir com o objeto de estudo, oferecendo novos olhares com o intuito de se ampliar novas discussões acerca da temática, para que esse novo núcleo familiar não fique às margens do mundo jurídico. Além disso, contribuirá de maneira significativa para a discussão a respeito da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres que tanto prezamos em nossa Constituição. Um dos objetivos da pesquisa é contribuir para a eliminação de qualquer tratamento discriminatório em relação às pessoas que conduzem suas vidas de forma não monogâmica.
- BREVE CONCEITO DE FAMÍLIA
Para a conceituação de família, faz-se necessário recorrer à história, para analisar os formatos de família e como o Direito inseriu-se dentro do contexto histórico.
Em seu artigo, o autor Rodrigo Moitinho traz uma definição muito comum e que conecta com o que está enraizado dentro da sociedade brasileira e defendida por alas mais conservadoras para se conceituar a família:
É comum que se designe família como o conjunto de indivíduos que de alguma forma têm, entre si, algum grau de parentesco, dentro de sua genealogia, formando um núcleo familiar, tradicionalmente constituído pela tríade pai-mãe-filhos, sendo estes, frutos do ápice afetivo entre aqueles. (MOITINHO, 2017, p. 03).
Dentro da história da civilização humana na Terra, o conceito de família teve diversos contornos e formatos. Por exemplo, na Grécia e Roma antigas, o afeto não era muito importante para que a família fosse caracterizada, pois, o que fundamentava era o poder de chefiar os integrantes da família, o qual ficava centralizado na figura do pai/marido. Caracterizando assim o pater familias, mais conhecido como poder patriarcal (COULANGES, 1961, p. 57-58), e que, atualmente, na sociedade brasileira, chamamos de poder familiar.
Atualização de nomenclatura providencial, uma vez que descentraliza o “poder” e fazendo com que deixe de se ter o peso machista que o pater famílias traz consigo.
Já na Idade Média, o Estado e a Igreja Cristã tinham forte influência no que tange à determinação do que se era família, com bases no casamento indissolúvel, formado apenas pelo homem e pela mulher, cuja relação era estritamente monogâmica e o pater familias era exercido exclusivamente pelo homem (JATOBÁ, 2016, p. 43-45).
Por volta do século XVI, os padres Jesuítas vieram ao Brasil com a finalidade de que fossem inseridos, ou melhor, impostos, na terra brasilis, novos ordenamentos sociais, com forte base da religião cristã, dentro dos costumes indígenas guaranis, do que achavam que deveriam ser a família (WOLKMER, 2006, p. 278).
No decorrer das Missões Jesuíticas, foram impostas aos indígenas as concepções de família, conforme o conceito dos missionários. Dentre essas concepções: proibição da poligamia em detrimento da monogamia; abolição do casamento entre tios, sobrinhas e primos, dentre outros (WOLKMER, 2006, p. 278-279).
Em seu artigo, Wilson Ricardo Antoniassi de Almeida diz que:
Para o indígena o processo educativo jesuítico esteve inseparavelmente ligado ao processo de aculturação, perdendo o seu referencial cultural por ser visto como um papel em branco, podendo ser redigido dentro dos moldes da civilização ocidental cristã.
Cabia, também, aos jesuítas, a responsabilidade da educação dos filhos da incipiente elite, visando fornecer subsídios para que aprendessem a administrar seus latifúndios e/ou negócios da família, nesse caso, os filhos homens, pois, como reflexo de uma sociedade patriarcal, as mulheres estavam fora da escola. (DE ALMEIDA, 2014, p. 120).
Fausto Boris destaca crivelmente a discriminação sexual entre homens e mulheres no período do Brasil Colônia:
Tradicionalmente, sobretudo por influência dos estudos de Gilberto Freyre, quando falávamos em família na Colônia logo vinha à mente o modelo patriarcal: o de uma família extensiva, constituída por parentes de sangue e afins, agregados e protegidos, sob a chefia indiscutível de uma figura masculina. (BORIS, 1995, p. 72-73).
No final do Século XIX, o filósofo alemão Friedrich Engels publicou o livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, cuja obra foi um trabalho de cunho primitivo, a respeito da economia familiar.
Em sua obra, Engels classifica a família em três tipos distintos, quais sejam: punaluana, sindiásmica e monogâmica.
A Família Punaluana, era um grupo familiar ocluso, composto por parentes consanguíneos de linhagem feminina, as quais não poderiam se casar uns com os outros (SILVEIRA, 2012).
Já a Família Sindiásmica, que, para Engels, é o predecessor da Família Monogâmica, baseia-se pelo matrimônio entre duas pessoas, apesar de a infidelidade e a poligamia permanecerem como um dos privilégios dos homens, conforme escrito no livro:
(...)No regime de matrimônio por grupos, ou talvez antes, já se formavam uniões por pares, de duração mais ou menos longa; o homem tinha uma mulher principal (ainda não se pode dizer que fosse uma favorita) entre suas numerosas esposas, e era para ela o esposo principal entre todos os outros. Estas circunstâncias contribuiu bastante para a confusão produzida na mente dos missionários, que vêem no matrimonio por grupos ora comunidade promíscua das mulheres, ora adultério arbitrário. (...) (ENGELS, 1984, p. 48)
A Família Monogâmica, segundo Engels, nasce da Família Sindiásmica e baseia-se no predomínio do próprio homem, cuja finalidade era expressa através da procriação, onde a paternidade é indiscutível, uma vez que os filhos eram herdeiros diretos, que um dia, entrariam na posse dos bens do seu pai (ENGELS, 1984, p. 66)
Engels diferencia a família monogâmica da sindiásmica por haver uma solidez nos laços conjugais, que já não poderiam serem rompidos por vontade das partes (ENGELS, 1984, p. 66).
Com relação à infidelidade conjugal, Engels diz que:
Ao homem, igualmente, se concede o direito à infidelidade conjugal, sancionado ao menos pelo costume (o Código de Napoleão outorga-o expressamente, desde que ele não traga a concubina ao domicílio conjugal), e esse direito se exerce cada vez mais amplamente, à medida que se processa a evolução da sociedade. Quando a mulher, por acaso, recorda as antigas práticas sexuais e intenta renová-las, é castigada mais rigorosamente do que qualquer outra época anterior. (ENGELS, 1984, p. 66).
Os missionários eram contrários a tais costumes. As crenças Cristãs não eram compatíveis com esse modelo, considerando promíscuo e adulterino, já afirmara Engels. Mesmo assim o Princípio da Monogamia teve grande influência na construção do direito de família brasileiro, em especial o Código Civil de 1916 e o de 2002.
Tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002, foram contemporâneos de duas Constituições Federais as quais intitulavam o Brasil como Estado Laico. O Código Civil de 1916 promulgado sob a vigência da Constituição de 1891, assinala o momento em que a Igreja e o Estado romperam seus laços, para que, enfim, o Brasil saísse das sombras da Religião e se tornasse laico (FGV CPDOC), assim como a Europa fez na época do Renascimento.
No entanto, em 1988, durante a Assembleia Nacional Constituinte, presidida pelo ilustre Ulysses Guimarães, a Carta Magna Brasileira, a mais democrática de toda a sua história, foi promulgada. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 instituiu um marco para a definição da entidade familiar.
Através da escrita dada pela Constituição Federal de 1988, o conceito de família se expandiu, tornando-se plural em virtude das novas configurações das famílias que vinham. Havia uma grande necessidade em garantir e assegurar direitos a todos aqueles que estavam à margem da lei, a exemplo dos filhos fora do casamento, que o Código Civil de 1916 discriminava profundamente (MOITINHO, 2017, p. 06).
Alguns motivos foram determinantes para a visão pluralista da família. Primeiro a emancipação tanto profissional como econômica da mulher (LÔBO, 2011, p. 20). O Código Eleitoral de 1932 e a CF/34 concedem o direito de voto às mulheres, reduziu a idade mínima para o exercício desse direito de 21 para os 18 anos (LEITÃO, 2017). Outro marco relevante é a Lei do Divórcio, instituída por meio da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977 e regulamentada pela Lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977. A Lei do Divórcio, por sua vez, foi modificada pela Lei nº 7.841, de 17 de outubro de 1989 que revogou o seu art. 38, fazendo com que fosse possível divórcios sucessivos (IBDFAM, 2007).
Com tudo isso acontecendo na sociedade e no mundo jurídico, a redação democrática dada pelo legislador à Carta Magna de 1988 possibilitou esse conceito mais expansivo e plural da família. Em seu artigo, Rodrigo Moitinho comenta que:
Na redação dada pela Carta Magna de 1988, o legislador, de forma democrática, estabeleceu um conceito mais abrangente do que é família no art.226, §4º, o qual não especifica quem a forma, mas fundamenta a família sob o viés dos laços afetivos para que aquelas que não tenham um dos pais, por qualquer motivo alheio e que seja fruto da adoção, sejam acolhidas. (MOITINHO, 2017, p. 03).
Ou seja, a afetividade encontra-se já implícita na redação da Constituição Federal de 1988, sendo assim um pilar para a constituição da família.
Segundo Rodrigo Moitinho:
Paulo Lôbo ressalta que não se pode confundir a afetividade (princípio jurídico) com o afeto (fator psicológico), pois a afetividade é um dever imposto aos pais para com seus filhos e vice-versa e que este princípio jurídico deixa de existir com a morte de um dos sujeitos dessa relação (MOITINHO, 2017, p. 08).
Diante disso, fica evidente e claro que a família, é pautada e baseada no afeto, e não por definições impostas por determinado segmento religioso ou escritura religiosa. Até porque, o Brasil é um Estado Laico, e sendo laico, não há motivos para que a religião interfira no dever do Estado em expandir, pluralizar e proteger a família.
- A UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA NO BRASIL
Atualmente no Brasil, a lavratura de escrituras públicas declaratórias de União Estável Poliafetiva encontra-se proibida desde o dia 26 de junho de 2018, quando o CNJ decidiu por 8 votos a 5. E desde 2016, conforme o Comunicado da Corregedoria Geral de nº 572/2016 (MOITINHO, 2017, Anexo A), foi “recomendado” que as serventias extrajudiciais aguardassem a conclusão do expediente do Pedido de Providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000, o qual questionava a lavratura.
Com essa fatídica decisão do Conselho Nacional de Justiça, as famílias provenientes de relacionamentos poliafetivos ficaram à margem da lei, que fora imposta por maioria dos magistrados.
Na decisão, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, entendeu que as escrituras não poderiam ser lavradas para registrar a convivência de três ou mais pessoas da relação, e que não poderiam equipará-las à união estável e nem à família (CONJUR, 2018).
Segundo o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga:
O que há é a impossibilidade de elevar à condição de entidade familiar a união de mais de duas pessoas para vida em comum.
E este impedimento está na definição que a Constituição Federal (artigo 226, parágrafos 3º e 4º) e, por conseguinte o Código Civil (artigos 1514 e 1723) – fixam para a entidade família – a união de duas pessoas (agora inclusive do mesmo sexo ou não, conforme já estabelecido pelo E. Supremo Tribunal Federal).
Portanto, o vício que contamina o instrumento público de declaração da vontade objeto do presente, datado de fevereiro de 2012, é elevar a união poliafetiva à condição de entidade familiar.
(...)
Voto, então, no sentido de expedir determinação às Corregedorias Estaduais para que proíbam a lavratura de escrituras declaratórias de união poliafetiva em que dela conste que se trata de constituição de entidade familiar (BRASIL – CNJ, 2018. p. 51).
De acordo com o voto proferido pelo Ministro do CNJ, fica perceptível o equívoco do Magistrado em não reconhecer os relacionamentos poliafetivos como família, assim como o STF o fez com a ADI 4.277 e a ADPF 132, que possibilitou e garantiu direitos às relações homoafetivas.
Apesar de na decisão o Ministro afirmar que seu voto não terá considerações de ordem religiosa, ideológica ou política (BRASIL – CNJ, 2018, p. 51), o trecho ora supracitado carrega em si a carga histórica.
Argumentar que o relacionamento dos trisais[3] ou dos polisais[4] poliafetivos não se configuram como entidade familiar e, por isso, não podem ter os mesmos direitos que os casais homoafetivos é um grave equívoco. Essa afirmação, ainda que de maneira não intencional, está na verdade fazendo o mesmo que os Jesuítas fizeram no Século XVI com os índios guaranis, impor socialmente a monogamia.
- . RESPIRAR O AMOR, ASPIRANDO LIBERDADE – E OS DEMAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Para compreendermos o equívoco que os ilustres Magistrados do CNJ consumaram ao proibir a lavratura das uniões estáveis poliafetivas no Brasil, precisamos elucidar alguns dos principais princípios constitucionais da Carta Magna de 1988.
A Carta Magna de 1988 traz a seguinte redação em seu art. 5º, caput e incisos I e X:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação(...) (BRASIL – CONSTITUIÇÃO, 1988).
É mister ressaltar que a decisão proferida pelo CNJ desrespeita princípios contidos na nossa Constituição, quais sejam autonomia da vontade, dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e a intimidade. A Constituição Federal não permite ao Estado interferir na vida privada de seus cidadãos, mas deve garantir-lhes seus direitos fundamentais.
O CNJ, que é uma instituição pública, e um dos representantes do Estado na esfera Jurídica, tem como missão desenvolver políticas judiciárias que promovam a efetividade e a unidade do Poder Judiciário, orientadas para os valores de justiça e paz social (BRASIL – CNJ) . Portanto, ao interferir na vida privada e na autonomia privada das pessoas que anseiam por direitos iguais aos casais homoafetivos e heteroafetivos, não está fazendo jus à sua missão, e sim deixando de trazer justiça e paz social.
Ao não equiparar as relações poliafetivas às da união estável e à família (CONJUR, 2018), o ministro faz grave descumprimento constitucional no que se refere à dignidade da pessoa humana, pois desqualifica os membros dessas relações.
Ao mesmo tempo em que o Estado concede aos seus cidadãos a autonomia da vontade, para que tenham liberdade e o poder de administrar e conduzir suas vidas da forma que melhor lhes satisfaça, o Estado não poder lhes tolher essa autonomia.
De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso:
A autonomia é o elemento ético da dignidade, ligado à razão e ao exercício da vontade na conformidade de determinadas normas. A dignidade como autonomia envolve, em primeiro lugar, a capacidade de autodeterminação, o direito do indivíduo de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente sua personalidade (BARROSO, 2010, p. 24).
Cibele Kumagai e Taís Nader Marta fazem uma relevante reflexão em seu artigo sobre a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade ao relembrar pensamentos filosóficos como do alemão Imannuel Kant, ao afirmarem que:
Nessa seara, Kant estabelece como imperativo categórico, a LIBERDADE do homem. Que para ser realmente livre necessita de condições para exercer esta liberdade, que nada mais são do que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, condições estas que devem ser proporcionadas pelo Estado.
(...)
Immanuel Kant aborda a dignidade a partir da autodeterminação ética do ser humano, sendo a autonomia o alicerce da dignidade (KUMAGAI; MARTA, 2010).
Para que possamos de fato respirar o amor e aspirar liberdade como no trecho da música Nobre Vagabundo composta por Marcio Mello e Interpretada pela baiana Daniela Mercury, é importante que nossos magistrados compreendam que não se pode deixar de lado os princípios que norteiam a Constituição. Ser um Estado Laico é um antônimo de uma manutenção de supostos “bons costumes” que foram impostos através de grupos religiosos, no período do Brasil Colônia.
É preciso que o Estado amplie os horizontes quanto ao conceito de família e passe a tratar de forma isonômica as relações poliafetivas, homoafetivas e heteroafetivas.
- LIBERTÉ, EGALITÉ, FRATERNITÉ E A ISONOMIA ENTRE AS RELAÇÕES HOMO, POLI E HÉTERO AFETIVAS
A Revolução Francesa do século XVIII foi um grande movimento que desempenhou forte influência sobre a liberdade e o devido respeito aos direitos humanos em todo o mundo (BRASIL – STF, 2009).
Com a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, os cidadãos franceses tomaram o símbolo do governo totalitário francês, a Bastilha, onde prisioneiros contrários ao regime ficavam enclausurados (BRASIL – STF, 2009).
Esses princípios foram inseridos na Carta Magna de 1988 pelos constituintes brasileiros em um extenso rol de direitos e garantias individuais e coletivos, a qual limita a interferência do poder do Estado na vida e dignidade de seus cidadãos.
É com esses ideais que se deve observar a temática, pois ao não ampliarmos conceitos, deixaremos à margem da lei os cidadãos que escolheram ter um relacionamento poliafetivo. Consequentemente, o Estado não estará lhes dando liberdade, igualdade e fraternidade, a fim de alçar isonomia para com as relações homo e hétero afetivas.
Tanto as relações poliafetivas como as homo e hétero afetivas, cumprem os requisitos da união estável, quais sejam:
Podem ser apontados como de ordem subjetiva os seguintes: a) convivência more uxório; b) affectio maritalis: ânimo ou objetivo de constituir família. E, como de ordem objetiva: a) diversidade de sexos; b) notoriedade; c) estabilidade ou duração prolongada; d) continuidade; e) inexistência de impedimentos matrimoniais; e f) relação monogâmica (GONÇALVES, 2015, p. 625)
A única “diferença” que pode ser apontada para que haja a marginalização da relação poliafetiva está no aspecto da monogamia. Muito embora saibamos que a monogamia, dentro do histórico brasileiro, fora imposta socialmente pelos jesuítas.
Entretanto, existe um aspecto da relação poliafetiva que, tanto nossos magistrados como a sociedade num todo, não têm noção de que se trata, também, de uma relação homoafetiva, e por isso a importância da isonomia entre as relações poli para com as homo e hetero afetivas.
Por exemplo, Regina Navarro Lins, em seu livro Novas Formas de Amar, conversou com um trisal formado por um homem e duas mulheres, nessa conversa, consta que as duas mulheres se conheceram antes do rapaz, e que elas se relacionavam tanto afetivamente como sexualmente. Em momento posterior, a autora pergunta também se os três se relacionam sexualmente, e a resposta foi de que sim (LINS, 2017).
Ou seja, em uma relação poliafetiva, como no exemplo supracitado, pode haver uma relação sexual entre os próprios parceiros do mesmo sexo, vindo a caracterizar uma relação também homoafetiva. Logo, é deveras importante que haja a isonomia da relação poliafetiva com as relações homo e hétero afetivas.
Outro exemplo de que pode ou não haver relação sexual entre parceiros do mesmo sexo numa relação poliafetiva, é o trisal formado por, também, um homem e duas mulheres, que foi entrevistado, no quarto episódio da série documental Amores Livres, dirigida por Lauro Jardim para o Canal Fechado GNT da GLOBOSAT (MOITINHO, 2017, p. 18)., que em determinado momento da entrevista, é perguntado a uma das mulheres se já haviam tido relações sexuais entre elas, e a resposta foi a de que não sentiram curiosidade.
O que se pensa a respeito de como funciona a relação, voltando para o exemplo do livro e da série documental, é a de que as duas mulheres se relacionam diretamente para com o homem da relação. E isso acaba por ignorar de que há uma relação afetiva entre essas mulheres e de que pode haver ou não uma relação sexual entre elas também.
É importante salientar que a forma como a relação praticada entre os indivíduos que a compõem é cíclica. Ou seja, todos podem se relacionar entre si, caso queiram. Mas, mesmo que essa relação sexual não exista, a afetiva continua existindo e, portanto, não restam dúvidas de que existe uma relação homoafetiva.
Não obstante haja presente aqui exemplos de trisais formados por um homem e duas mulheres, é importante frisar que há trisais formados exclusivamente por mulheres e por homens, assim como por uma mulher e dois homens e tal qual por quatro ou mais pessoas na relação. Ainda que não se tenha notícias ou publicização da formação desses núcleos familiares, é de boa guarida evidenciar a pluralidade deste modelo de relação.
É de suma importância trazer à baila, principalmente por se tratar também de uma temática LGBTQIA+[5] – uma vez que podemos ter trisais só de homens, só de mulheres e até mesma a bissexualidade no trisal de um homem e duas mulheres e de dois homens e uma mulher – que há trinta anos a Organização Mundial da Saúde retirava a Homossexualidade[6] do CID (Código Internacional de Doenças) (DEUTSCH WELLE, 2020).
Assim sendo, devemos ampliar nossas visões e conceitos para que possamos garantir a isonomia entre as relações poli, homo e hetero afetivas. Com base nisso, abre-se mecanismos para que o Estado possa, de forma fraterna, garantir a liberdade e igualdade às relações poliafetivas.
- ADI 4.277 E ADPF 132 VERSUS PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS
Faz-se mister, com o intuito de prosseguir-se com a ampliação de conceitos sobre família, regressar a um trecho do voto do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga e à decisão da ADI 4.277 e ADPF 132, para que possamos entender melhor a possibilidade de haver a união estável poliafetiva de forma equiparada e/ou em analogia ao da união estável homoafetiva no Brasil.
O Ministro do CNJ proferiu a seguinte justificativa para votar parcialmente divergente:
No debate sobre o tema, há argumentos no seguinte sentido: se a união estável homoafetiva que não conta com expressa previsão legal é possível, nenhum problema há com a união poligâmica.
De fato, problema não há! O que há é a impossibilidade de elevar à condição de entidade familiar a união de mais de duas pessoas para vida em comum.
E este impedimento está na definição que a Constituição Federal (artigo 226, parágrafos 3º e 4º) e, por conseguinte o Código Civil (artigos 1514 e 1723) – fixam para a entidade família – a união de duas pessoas (agora inclusive do mesmo sexo ou não, conforme já estabelecido pelo E. Supremo Tribunal Federal) (BRASIL – CNJ, 2018, p. 51).
Como bem dito pelo Ministro, de fato, não há previsão legal, no sentido de que não consta de forma escrita na Carta Magna ou em qualquer outra norma Infraconstitucional como, por exemplo, o Código Civil ou Código Penal, a vedação ou não, da União Estável Homoafetiva bem como da União Estável Poliafetiva. Ou seja, incorre a incidência do Princípio da Legalidade, do art.5º, inciso II da Constituição Federal. Porém, como estamos na esfera cível, no âmbito das relações entre particulares, vigora-se o Princípio da Autonomia da Vontade (LENZA, 2016, p. 1180).
A Autonomia da Vontade é uma outorga que o Estado dá ao particular para que tenha o poder de gerir e comandar a sua vida da forma que melhor lhe convém. Podendo assim, exercer e pôr em prática o poder que lhe foi outorgado no âmbito da vida privada (ALVES, 2009, p. 18-19).
Para Rodrigo Moitinho:
Este conceito incorpora-se perfeitamente no que tange à anuência das partes envolvidas na relação poliafetiva, pois pode-se compreender que os indivíduos formadores da união poliafetiva têm o poder de administrar e conduzir suas vidas da forma que lhes aprouver, tendo em vista que o Estado lhes concedeu o poder e a liberdade de exercer suas vontades sem que interfira na vida dos particulares - neste caso, os poliamoristas. (MOITINHO, 2017, p. 11).
Exercer a vida privada de forma autônoma é uma forma de liberdade, como bem dito por Kant, ora supracitado, em que o cidadão se sente para poder fazer o que sentir vontade de fazer, de forma consciente, sem prejudicar a liberdade do outro e sem que alguém lhe coaja a fazer ou não fazer determinada ação.
Neste sentido, Roni Edson Fabro e Janaína Reckziegel afirmam:
A autonomia da vontade e a autonomia privada, independentemente da diferença e do significado semântico de cada uma delas, se constituem em liberdades fundamentais à disposição da pessoa humana para lhe proporcionar inserção social e realização plena, seja por intermédio da efetivação de negócios jurídicos, seja praticando atos simples, cotidianos, objetivando a preservação da dignidade e de acordo com necessidades pontuais e específicas. A partir de seu âmbito de utilização, a autonomia de cada pessoa deve servir à satisfação de seus desejos e necessidades, desde que não afronte ao direito ou cause prejuízo a outras pessoas, considerando a existência, por igual, da autonomia das outras pessoas, também sujeitos de direitos (FABRO; RECKZIEGEL, 2014, p. 179).
Portanto, não haveria nenhum problema para a escrituração da união estável poliafetiva nos cartórios extrajudiciais em território nacional.
No entanto, o Ministro cita como impossibilidades o artigo 226, §3º e §4º da Constituição Federal de 1988 e os artigos 1.514 e 1723, ambos do Código Civil de 2002.
Pois, vejamos o que se encontra escrito na Constituição de 1988:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (BRASIL – CONSTITUIÇÃO, 1988).
Já no Código Civil de 2002:
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. (BRASIL – LEI Nº10.406/2002, 2002).
(...)
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL – LEI Nº10.406/2002, 2002).
O parágrafo 3º do artigo 226 da Carta Magna ainda contém a redação dada pela Lei 9.278 de 10 de Maio de 1996, a qual regula o referido parágrafo, portanto, contemporânea do Código Civil de 1916, e, assim como os artigos 1.514 e 1.723 do Código Civil de 2002, o qual revogou o Código Civil de 1916, foram redigidos anos antes da decisão proferida em 05 de Maio de 2011 pelo STF que possibilitou a união estável homoafetiva.
Já o parágrafo 4º do artigo 226 da Carta Magna, ao se fazer uma interpretação gramatical ou literal do que encontra-se escrito, a entidade familiar é formada por “qualquer dos pais e seus descendentes”.
A palavra “pais” encontra-se no plural, ou seja, é “uma classe gramatical numeral que expressa as variáveis formadas por dois elementos em diante” (SITE SIGNIFICADOS), isto é, a escrita dada pela Carta Magna de 1988 pode transcorrer a incidência de haver duas ou mais pessoas que formem o núcleo familiar. Até porque, o Provimento nº63 do próprio CNJ, de 14 de novembro de 2017, permite que na certidão de nascimento, na parte da filiação, inclua-se tanto a paternidade e a maternidade biológica como a paternidade e a maternidade socioafetiva (BRASIL – CNJ, 2017).
É mister ter-se cuidado com a interpretação desse trecho, pois a Constituição Federal de 1988 também reconhece o modelo familiar constituído apenas pelo casal, um dos pais para com os filhos etc.
Em face de a decisão ser proferida pelo CNJ, portanto, órgão do Poder Judicial, não cabe ao órgão ter a competência e poderes para legislar no lugar do Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional e que é composto pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, como consta na Constituição Federal de 1988.
Por conta da elaboração da escrita, que ainda consta na atual legislação, é possível entender o motivo pelo qual o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga pauta seu entendimento.
Por outro lado, a ADPF 132, julgada em conjunto com a ADI 4.277 no STF, cuja relatoria foi do Ministro Ayres Britto, nos elucida de forma objetiva e acolhedora, com argumentos que fundamentaram a decisão histórica acerca da união estável homoafetiva[7]. Neste julgamento os ministros acordaram de forma unânime, julgar procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante (BRASIL – STF ADPF Nº132, 2011).
Ao abordar sobre o conceito de família, o Ministro Relator Ayres Britto profere o seguinte voto, no trecho a seguir:
Tem-se, pois, que a proteção constitucional da família não se deu com o fito de se preservar, por si só, o tradicional modelo biparental, com pai, mãe e filhos. Prova disso é a expressa guarida, no § 4.º do art. 226, das famílias monoparentais, constituídas apenas pelo pai ou pela mãe e pelos descendentes; também não se questiona o reconhecimento, como entidade familiar inteira, dos casais que, por opção ou circunstâncias da vida, não têm filhos. Bem ao contrário, a Constituição de 1988 consagrou a família como instrumento de proteção da dignidade dos seus integrantes e do livre exercício de seus direitos fundamentais, de modo que, independentemente de sua formação – quantitativa ou qualitativa –, serve o instituto como meio de desenvolvimento e garantia da existência livre e autônoma dos seus membros.
Dessa forma, o conceito constitucional pós-1988 de família despiu-se de materialidade e restringiu-se a aspectos meramente instrumentais, merecendo importância tão-somente naquilo que se propõe à proteção e promoção dos direitos fundamentais dos indivíduos. Em síntese, não pode haver compreensão constitucionalmente adequada do conceito de família que aceite o amesquinhamento de direitos fundamentais.
O que, então, caracteriza, do ponto de vista ontológico, uma família? Certamente não são os laços sanguíneos, pois os cônjuges ou companheiros não os têm entre si e, mesmo sem filhos, podem ser uma família; entre pais e filhos adotivos também não os haverá
(...)
O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional (BRASIL – STF ADPF Nº132, 2011).
É possível verificar que, mesmo se tratando de um julgamento atinente à matéria do reconhecimento jurídico da união homoafetiva, o voto proferido pelo Ministro Ayres Britto converge com o entendimento de que o conceito constitucional de família Pós-Carta Magna de 1988 não está mais ligado apenas ao laço sanguíneo, com modelo “tradicional” com pai, mãe e filhos ou sequer de forma quantitativa.
Uma vez que o conceito de família não mais está relacionado apenas ao vínculo sanguíneo e à questão quantitativa de quantos e quais entes devam estar presentes para se configurar família, e sim ao amor presente entre seus integrantes, é de singular relevância elevar e igualar o status familiar das relações poliafetivas para com as relações homo e hetero afetivas.
Em outro trecho, o Ministro Relator Ayres Britto prossegue com o seguinte voto:
E assim é que, mais uma vez, a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser. Assim como dá para inferir que, quanto maior o número dos espaços doméstica e autonomamente estruturados, maior a possibilidade de efetiva colaboração entre esses núcleos familiares, o Estado e a sociedade, na perspectiva do cumprimento de conjugados deveres que são funções essenciais à plenificação da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (BRASIL – STF ADPF Nº132, 2011).
Uma vez entendido pelo próprio STF de que não há distinção entre famílias formadas por sujeitos heteroafetivos e homoafetivos, não há justificativa que se dê para considerar as famílias poliafetivas díspares dessas relações.
A própria Constituição de 1988, uma das mais democráticas do mundo, nos evidencia que, para ser família, não precisa ser exatamente de forma biológica e com laços sanguíneos. Havendo afeto, indivíduos que queiram prosperar juntos, e, claro, perdurando os requisitos objetivos e subjetivos da união estável, com exceção da monogamia, pode-se constatar e reconhecer de que também há uma família formada.
Neste sentido, o Ministro Luciano Frota do CNJ, o qual foi o único a votar pela Improcedência do Pedido de Providência, ora, já citado, nos traz justamente os alicerces os quais fundamentam o não impedimento da lavratura das uniões estáveis poliafetivas, bem como da pluralidade do conceito de família, constante no art.226 da Constituição Federal de 1988.
O Ministro Luciano Frota ainda assevera que:
Não se pode perder de vista que o Direito deve acompanhar a dinâmica das transformações sociais, sob pena de não cumprir o seu papel de regulador e pacificador das relações sociais.
O nosso sistema jurídico, calcado em base principiológica de índole constitucional, possibilita a atualização de seu conteúdo pela releitura dos institutos, a partir dos valores da Constituição, ajustando-o às necessidades da sociedade e não lhe permitindo distanciar-se da realidade objetiva (BRASIL – CNJ, 2018, p. 51).
E por justamente estar-se diante de uma transformação social recente, no que se refere às novas formações familiares, que o mundo jurídico, e em especial, o Poder Judiciário, não pode abster-se, mesmo que transitoriamente, por se tratar de um acontecimento fático e jurídico recente, de cumprir o seu papel social de proteção às famílias.
Em outros trechos, o Ministro Luciano Frota afirma o seguinte:
É certo que a colenda Corte não tratou especificamente da união poliafetiva, até porque não era esse o objeto das ações analisadas, mas deixou aberta a possibilidade hermenêutica de reconhecimento jurídico desse modelo de relação, sobretudo considerando, como consta dos fundamentos da decisão paradigmática aludida, o entendimento firmado de que os vínculos jurídicos constituidores de entidades familiares se estabelecem pela afetividade, estabilidade e continuidade.
(...)
A união poliafetiva deve ser entendida como aquela entre mais de duas pessoas, mediante a troca recíproca de afeto, em que se observam presentes todos os requisitos essenciais da união estável, tais como a publicidade, a continuidade e a estabilidade (BRASIL – CNJ, 2018, p. 51).
É importante salientar que, apesar de a ADPF 132 e ADI 4.277 terem como objeto analisado as relações homoafetivas, é imprescindível destacar que os fatores constitutivos da decisão pautaram-se principalmente no que se refere à afetividade dos sujeitos da relação, e não por questões de gênero tampouco quantitativas.
É igualmente importante e indispensável levar-se em consideração a existência do vínculo afetivo entre as pessoas do mesmo gênero na relação poliafetiva, pois, mesmo havendo ou não relações sexuais entre elas, o afeto se faz presente.
A partir do momento em que se fizer, por analogia[8], a equiparação das relações poliafetivas e homoafetivas, tanto no que tange a reconhecer o fato de que os indivíduos das relações poliafetivas são uma família constituída e que são sujeitos de direitos e deveres, tais quais os que mantêm uma relação homoafetiva, o Estado estará cumprindo o seu papel social, no que diz respeito à Proteção das Famílias.
Por fim, apesar de no momento, as relações poliafetiva encontrarem-se impedidas de lavrarem suas respectivas uniões estáveis, é de extrema importância ressaltarmos que os núcleos poliafetivos são Família. Em face disso, o núcleo familiar poliafetivo merece lograr êxito em suas demandas tanto judiciais como sociais, sem que sejam prejudicados em qualquer âmbito da vida social. Entender e reconhecer o status de Família das uniões poliafetivas é de grande magnitude, pois estará salvaguardando a laicidade do Estado, garantindo a autonomia privada dos indivíduos, os direitos e deveres de seus cidadãos, respeitando o afeto e, principalmente, preservando a dignidade da pessoa humana, a qual tem status Constitucional.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, percebe-se o poder de influência que a religião teve na formação da família, em seu conceito e nos papéis que o homem e a mulher tinham no seio familiar. Com o passar do tempo, o conceito de Família evoluiu até o presente momento e ainda passa por modificações na medida em que o Direito evolui para assegurar direitos e deveres constitucionais.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de família, conforme art. 226, §4º, e além disso, deu valor relevante ao afeto, o qual se tornou um dos mais importantes pilares dentro do direito de família para que houvesse a caracterização dos núcleos familiares, seja por meio da união estável ou de suas inúmeras formas.
Assim, observou-se que atualmente a lavratura da união estável poliafetiva encontra-se proibida por meio da decisão do Conselho Nacional de Justiça, cuja votação foi de 8 votos a 5 pela proibição.
Pôde-se constatar também a importância e influência que a Revolução Francesa teve, assim como os princípios que a regeram, para com a construção da Carta Magna de 1988. Engendrando assim, uma das mais democráticas Constituições do Mundo.
Princípios estes, como o da autonomia privada, dignidade da pessoa humana, liberdade e intimidade, possibilitam e asseguram a todos os cidadãos brasileiros viverem suas vidas particulares da forma que melhor lhes aprouverem. Sem que se ultrapasse o limite do respeito para com o outro.
A garantia desses princípios impede que o Estado, por meio de seus representantes públicos, exerça o poder que lhes foi atribuído, de forma arbitrária e/ou autoritária.
Asseverar a equiparação, por analogia, das relações poliafetivas para com as relações homo e hétero afetivas, e com isso, afirmar e reconhecer o seu status de Família, estar-se-á demonstrando a especial proteção do Estado, conforme art.226, caput da Constituição Federal de 1988.
Por fim, apesar das opiniões doutrinárias e do entendimento de nossos superiores tribunais, reitera-se o pensamento para o reconhecimento do status das uniões poliafetivas como núcleos familiares, sua equiparação por analogia para com as reações homo e hetero afetivas bem como suas consequências jurídicas no que tangem aos direitos das famílias, sucessões e previdenciários, para que assim possa ser garantido o respeito ao afeto, à autonomia privada dos indivíduos pelo Estado e, acima de tudo e de todos, à dignidade da pessoa humana.
Referências
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ANEXO A – ENTREVISTA COM O TRISAL YASMIN, LEANDRO E THAIS[9]
1 – Após 4 anos da lavratura da união estável poliafetiva de vocês, qual ou quais obstáculos vocês ainda enfrentam, no âmbito jurídico e civil?
Resposta:
Yasmin: Então, um dos obstáculos que ainda enfrentamos é a respeito do plano de saúde, né? No momento eu e Thais não estamos trabalhando por conta da Pandemia, nós acabamos de nos formar em Técnico de Enfermagem, e até o momento o Plano de Saúde do Leandro é o que temos na casa. E ainda só é possível colocar uma, no Plano de Saúde.
Leandro: O principal entrave hoje é justamente a questão do plano de saúde, que eu sou empregado no âmbito público federal e o Plano de Saúde não aceitou a inclusão das duas e a gente tá revisando e pensando em ingressar com um processo judicial justamente por conta disso. E outras situações judiciais eu acredito que até então a gente não teve nenhum tipo de problema, e acredito que só aconteça conforme as situações da vida apareçam, né? Por enquanto a gente não teve nenhum entrave, nenhum embarreiramento jurídico por conta da situação da união poliafetiva ou algo que viesse depois. Só essa questão que não chega a ser jurídica, e sim administrativa, no âmbito administrativo do Plano. A princípio é isso.
Thais: Bom, o obstáculo é basicamente esse mesmo, que é bem ruim, né? Por se tratar do plano de saúde, ainda mais agora nesse momento de pandemia, que está tão disputado nos entes públicos. Então seria de bastante importância nesse momento, mas a gente acredita que com o tempo a gente vai conseguir ganhar essa causa.
2 - Até que ponto a união estável poliafetiva pode também ser considerada uma relação homoafetiva, nos casos em que há duas mulheres e um homem e ou dois homens e uma mulher? Tendo em vista que os três estão constituindo uma união estável entre si?
Resposta:
Leandro: Uma união estável poliafetiva, ela pode ser uma união estável homoafetiva também, só que, ao menos a meu ver, desde que haja ali um relacionamento entre três
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pessoas do mesmo sexo. É uma União Poliafetiva, entre três pessoas, três homens ou três mulheres. Então, uma vez que há um, pelo menos a meu ver, um gênero hetero no meio da história, acaba não sendo uma união estritamente homoafetiva. Pode ser até que seja uma união que tenha características bissexuais, mas não homoafetivas. Eu não sei se foi isso que a pergunta quis dizer. Por exemplo, um relacionamento entre três pessoas, que é o mais comum, nas uniões poliafetivas, vamos dizer que tenha uma mulher e dois homens. Se os dois homens são homossexuais, e eles se relacionam só entre eles, então não tem relacionamento com a mulher. Ou então descaracteriza o que seria a poliafetividade. No inverso é a mesma coisa, se tiver um relacionamento a três, com um homem e duas mulheres, e só as mulheres se relacionarem entre si, então o homem está fora. Então, para se caracterizar uma união poliafetiva, não necessariamente os três têm que interagir. Mas o ponto central ali, tem que haver, por que se uma parte fica desconexa, já descaracteriza a poliafetividade. Eu acho que é até uma questão meio lógica. Algum dos dois tem que ter uma conexão, porque, igual ao que a Thais falou aqui, o nosso exemplo aqui, digamos que o relacionamento entre os três, mas se elas são homossexuais e só existe relação entre elas, eu meio que me torno um elemento neutro no relacionamento. Então, não é uma união poliafetiva. E para caracterizar uma união poliafetiva, é a partir de três elementos. Se só tem dois, é uma união afetiva monogâmica homossexual.
3 – Qual a opinião de vocês com relação à Proibição pelo CNJ da lavratura das Uniões Estáveis Poliafetivas em território Nacional?
Resposta:
Thais: É extremamente negativa, né? É uma proibição de algo que não se tem que proibir, que é o Amor. Que é a livre vontade de você ficar com quem você quiser. E isso é uma coisa muito ruim, retrógrada e não tem nem cabimento uma coisa dessa.
Leandro: Como a Thais falou, né? A gente enxerga isso como algo ultrapassado, por que estamos em 2020, a proibição se eu não me engano ocorreu em 2018. A gente vê o judiciário com tantas questões importantes pra tratar no Brasil, e tá se preocupando em proibir o Amor.
Yasmin: Proibir a forma como as pessoas se relacionam é tão importante ao ponto de eles negarem, né? É um retrocesso.
Leandro: é um retrocesso, porque é o judiciário agindo, obviamente, né? O judiciário foi provocado, mas ele acaba agindo quase que ativamente contra o Amor, o
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relacionamento. Mesmo que seja diferente do padrão, e aí que é o que eu sempre digo “O quê que é o padrão?”. Um dia já foi padrão as mulheres não terem direito ao voto. Então esses padrões que fazem o cerceamento da liberdade, eles foram feitos para serem quebrados. No Brasil a gente vê um movimento contrário, né? Que é um movimento ativo de proibição do Amor. E isso é muito triste.
4 – Tendo em vista que a família de vocês já possui primogênitos de ambas, Yasmin e Thais, vocês se consideram mães socioafetivas das filhas uma da outra?
Resposta:
Thais: Sim, com certeza. Nós agimos como se fôssemos. Como se fôssemos, não: Mães mesmo! Porque independente de uma ter tido uma filha biologicamente falando, as duas são igualmente tratadas com filhas de ambas as partes. Tem amor das duas partes, as duas recebem amor igualmente, não tem nenhum tipo de distinção, nem nada. Elas são nossas filhas, mesmo! Minha e da Yasmin.
Yasmin: Sim, o carinho, o amor, respeito por ambas é o mesmo. A Emily eu conheço desde os cinco, sete meses de vida. Então desde o comecinho eu sempre a considerei minha filha. E hoje, mais do que nunca a Emily é a minha mais velha.
5 – Como é conduzido o Poder Familiar entre vocês para com suas filhas?
Resposta:
Leandro: A decisão é compartilhada pelos três. Óbvio que por elas acabarem passando mais tempo com as meninas, levando-se em consideração o momento que a gente tá vivendo, elas acabam tendo uma participação maior, porque tem a convivência ali do dia-a-dia. Mas o que a gente costuma fazer são acordos. Acordos ente a gente e com as crianças, até a Isabela, que tem dois anos, a gente já vai acostumando desde cedo com isso e quando eu digo “Acordos são acordos” no sentido de fazer com que a gente tenha uma maior efetividade na convivência. O quê é que eu chamo de efetividade? As brigas que têm em todas as famílias, são brigas normais. Às vezes um copo quem vai lavar, quem não vai. Quem vai jogar o lixo. Então a gente procura deixar tudo isso pré-determinado na divisão de tarefas, e isso influencia também na forma como a gente educa nossas filhas. É uma educação compartilhada e baseado sempre em acordos, em acordos de confiança. Com a nossa filha mais velha, por exemplo, a gente costuma conversar muito e diz “Olha,
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você faz isso até tal horário, até tal limite. A partir daqui você já não faz”. E nós três temos essa ideia de filosofia de vida pra criação das nossas filhas, é compartilhado e funciona bem. Tanto é que ontem mesmo na Live que a gente participou, eu disse isso e repito agora: não existe um medidor de efetividade de relacionamento. Mas se tivesse, eu acho que a gente estaria numa média boa, acima da média. Porque a gente tenta resolver os nossos conflitos antes que eles aconteçam. E aí a educação dos filhos seguem na mesma linha, no sentido de conversar antes pra evitar conflitos e atritos e gasto de energia com isso, né? Porque o gasto de energia é grande. Todo momento você tem que ou brigar ou reclamar ou fazer algo. Então, a gente conversa antes e isso faz parte da criação das nossas filhas, de forma conjunta.
6 - Levando em consideração que vivemos em uma sociedade conservadora e machista, a obra literária Dona Flor e Seus Dois Maridos do Escritor Baiano Jorge Amado, a Série da Netflix Eu, Tu, Ela e novelas televisivas recentes como o Sétimo Guardião e Segundo Sol, em que todas abordam o poliamor, o tipo de representação trazida por elas, realmente tratam a forma como a relação poliafetiva se estabelece e se desenvolve?
Resposta:
Thais: Então, eu acho que não tem como determinar especificamente se retrata, né? Porque cada relacionamento é vivido de uma forma diferente. Mas de início eu já acho muito importante a demonstração de relacionamentos poliafetivos em novelas, em seriados que tragam mais visibilidade pra que as pessoas possam
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ver que isso não é um tabu tão grande quanto elas imaginam e que isso tá bastante presente na nossa sociedade. Então, faz parte, com certeza que alguns hábitos dessas histórias fazem de alguns como não fazem parte de outros relacionamentos. Aí depende de cada relacionamento, cada relacionamento tem o seu acordo, tem a sua forma de viver. Então, no geral representa sim, porque basicamente fala sobre três pessoas ou o relacionamento em mais de dois, é basicamente isso: tem amor, tem a conexão entre algumas das partes.
Leandro: A fala da Thais é perfeita. Cada relacionamento tem seus próprios acordos, seus símbolos, seus signos e cada um significa de uma forma e essas três obras, duas eu conheço que é a Dona Flor e seus dois Maridos, dificilmente eu não conheço. A série Eu, Tu, Ela a gente chegou a assistir a primeira temporada, e essa outra eu não sei, a novela. A novela eu realmente não sei, mas é isso, cada relacionamento tem suas próprias regras e com certeza eles acabam retratando alguém, em algum local, que se
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identifica muito, no geral. Mas, algumas peculiaridades acabam tendo em outros relacionamentos também. E o importante é o que a Thais falou, abertura pro debate pra discussão do tema, e isso aí é fundamental. E não dá pra gente se apegar a picuinha de dizer o seguinte “Ah, mas aquilo ali não é assim. Ah, mas a série Eu, Tu, Ela fantasiou muito. Ah porque eles têm que exageradamente dar satisfação pro vizinho”, a gente até falou isso durante a série. Por que que eles têm que dar satisfação pro vizinho dizendo que é uma amiga? Não tem que dizer nada! Então, não é assim que funciona, mas aí a gente estaria falando do nosso ponto de vista. E isso é muito pessoal, porque os relacionamentos têm seu próprio ponto de vista, e dentro do próprio relacionamento cada um tem o seu ponto de vista. Mas, no geral, eu acho importantíssimo que as obras literárias tragam cada vez mais as uniões poliafetivas pra com temas de debate. Que é um debate que tem que ser colocado em pauta, e existem famílias que vivem as uniões poliafetivas, tendo o Conselho Nacional de Justiça proibido ou não. As pessoas vivem as suas vidas, independente da autorização e de uniões estáveis, e isso tem que ser debatido sim, é importante.
7 – Sob o ponto de vista dos bens móveis e ou imóveis, consta na escritura que vocês três exercem a propriedade em conjunto?
Resposta:
Leandro: Na União Estável, se eu não me engano, a gente fez com Comunhão Parcial de Bens, eu não lembro como é que foi.
Thais: A gente colocou que após a união estável, o que viesse a vir como bens a gente ia dividir.
Leandro: Eu não lembro como é que está na União, mas a gente fez um testamento no mesmo dia, com a própria Fernanda Leitão, que nos acolheu muito bem. A gente sempre fala dela, é uma pessoa fantástica, sensacional. E a gente fez um testamento no mesmo dia, e cada um de nós colocamos as outras duas partes registrada pra fins de distribuição e divisão de bens e caso na falta de uma das partes.
8 – Quando há uma viagem em família com as crianças, e uma das mães ou o pai não pode ir, houve alguma situação para ter que dar autorização de viagem nacional? Se sim, como foi o trâmite?
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Resposta:
Yasmin: Então, sempre quando viajamos, nós vamos juntos. Nunca houve caso de um ficar e irem eles dois. Ainda não houve casos de ter que dar autorização. Mas caso, no futuro, venha a acontecer esse caso, tranquilo. Acho que na verdade, a autorização mesmo é só por conta judicial, né? Que tem que ter por elas serem menores de idade. Mas, fora isso, tranquilo. Estão autorizadas.
9 – Como é o relacionamento de vocês para com a comunidade (vizinhos, escolar, etc.)?
Resposta:
Leandro: O nosso relacionamento com vizinhos...Então, simplesmente a gente vive nossa vida e o que as pessoas pensam, o que as pessoas falam, muitas das vezes a gente não sabe exatamente o que estão pensando e o que estão falando, né? Às vezes, falam algo diferente do que pensam, então a gente se preocupa com o que pensam e como pensam, porque o pensamento é de cada um. E se tem gente que acha que o nosso relacionamento está errado ou que aquilo não é o padrão, então que não vivam relacionamentos poliafetivos. Mas, da nossa parte a preocupação com o que pensam a gente ainda não tem com vizinho ou qualquer outro espaço que a gente frequente. A gente só vive.
Yasmin: E já é o de se esperar, né? As pessoas no começo se espantam. “Nossa! Três? Como assim? Por quê? Como? Onde?”. Mas no decorrer, a gente vai viver normalmente e as pessoas acabam se acostumando.
Thais: No caso da escola, a gente até falou ontem, né? No caso só quem estuda é a Emily, a nossa filha mais velha. E nas duas escolas que ela já estudou até hoje a gente nunca escondeu, a gente sempre deixou isso claro. Inclusive na escola anterior que ela estudava antes de a gente se mudar pra essa nova casa, a Diretora conheceu, conhecia a gente, gostava muito do nosso relacionamento e no Dia das Mães ela sempre dava duas lembrancinhas. Justamente por sermos Mães. Então, eu não posso dizer assim, que, eu no caso, nós três ou a Emily sofreu algum tipo de retaliação em escola, de preconceito, nunca houve. Até hoje, pelo menos não. Nunca teve crianças falando, porque a Emily ela fala pras crianças que ela tem duas Mães. As crianças não entendem muito bem, não entendem. Mas, elas tentam entender. Então ela sempre fala, também não esconde e também nunca teve nenhum tipo de retaliação contra isso não.
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10 – Quais são as perspectivas de cada um de vocês, a médio e longo prazos acerca do acolhimento da sociedade em relação à poliafetividade?
Resposta:
Leandro: Olha, pelo menos pra mim, eu tenho que dividir essa pergunta, essa resposta, na verdade, em duas. Primeiro, “como eu gostaria que a coisa acontecesse” e “como eu acho que vai acontecer. Então a curto prazo, é óbvio que a curto, médio e longo prazo eu gostaria que as pessoas respeitassem a opinião das outras e que se importassem com as suas próprias vidas, como elas vivem, se elas estão felizes. Tem aquela frase, né? “Quem é feliz não enche o saco”. Então é mais ou menos isso, eu queria que as pessoas fossem felizes e parassem de se importar em como as outras pessoas vivem e que de fato ser feliz fosse o objetivo alcançável para todas as pessoas. Ninguém se importaria com o que o outro faz da vida. Isso é o que eu gostaria. Só que, pelo menos, a curto e médio prazos eu vejo que o Brasil está afundando no precipício, no poço de...Digo, o Brasil está desaprendendo, sabe? A gente vinha numa...e aí não dá pra eu não falar de política de uma forma geral. O Brasil vinha numa ascendente com programas que incentivavam a leitura, e fazer com que os cidadãos pudessem perder parte do preconceito e entender mais o que são os relacionamentos, respeitar que uma pessoa tenha uma orientação sexual diferente, cor de pele. Então, a gente vinha caminhando bem lentamente, mas em uma direção que já era conhecida, mas parece que de 2018 pra cá, desde o Golpe de 2016 até 2018 e a eleição do representante máximo do Executivo Federal, Seu Jair Messias Bolsonaro, parece que a gente afundou no poço de ignorância e eu não vejo a curto e médio prazo boas perspectivas, não só com relação a aceitação social dos relacionamentos poliafetivos, quanto outras questões sociais que tem que ser debatidos. Inclusive até o respeito a uma cor de pele que é diferente da que a outra pessoa tem. A gente tem que pedir respeito, a gente está numa fase de ter que pedir “Por favor, respeitem a Mulher”, “Respeitem o Negro”, “Respeitem a criança”. Então, nessa perspectiva, realmente...Até o idoso a galera tá assim “Ah, é idoso. Vai morrer!”, “É velho mesmo. Deixa pegar o COVID, já vai morrer! O importante é a economia funcionar”. Então, a gente tá vivendo um período muito difícil, um período muito louco, onde, usando as palavras do Wagner Moura “A Verdade acabou”. Não tem mais verdade no Brasil, o quê que é a verdade? Então, em um país onde não se leva em consideração os relacionamentos, a afetividade, a Ciência; eu acho muito difícil que uma relação que seja de uma natureza diferente do padrão convencional, hétero-normativo, seja respeitado. Eu acho que primeiro a gente vai ter que
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desconstruir tudo para começar a construir com pensamento mais livre e minimamente respeitoso porque o Brasil de hoje, é um país complicado.
Thais: A resposta do Leandro foi basicamente completa. Então acaba não tendo nem tanta coisa pra acrescentar. Eu acredito que não só eu, mas como várias outras pessoas, o que se espera a curto, a médio e longo prazo é o respeito. A gente espera isso, que é o mínimo e que não deveria ser pedido, né? Como o Leandro disse. Mas a gente tá aí diariamente lutando contra o preconceito, a desconstrução do preconceito, e tentando cada vez mais fazer as pessoas entenderem que isso é tão normal, quanto o normal que as pessoas acham que é. Então, é só o respeito mesmo. Eu não espero que as pessoas aceitem, que as pessoas compartilhem da ideia, e nem que vivam o que eu vivo. Mas o respeito é o que eu espero, é o que eu acredito que um dia a gente vá conseguir. Não num futuro tão próximo, mas a gente tem esperança nisso aí.
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ANEXO B – ENTREVISTA COM O TRISAL ALFREDO, ANDRÉ E RAFAEL
1 – Vocês entendem a Monogamia como uma imposição social ou como uma regra a ser seguida?
Resposta:
Rafael: Eu entendo como uma imposição social. Há um preconceito muito grande, né? Por conta da cultura do Brasil, por que nos outros países a gente vê, alguns outros países que isso é possível, né? Mas as pessoas têm um certo preconceito quando você fala “Ah, eu vivo em um trisal”, “Eu tenho um trisal”, “Faço parte de um trisal”. Então as pessoas já levam para um outro lado, né? Não é de uma relação como um casal, é uma relação mais de “Ah, então você tem uma relação aberta”, “Ah, então tá tudo liberado”. Vai mais pro lado promíscuo. Eu entendo dessa forma. Então, eu acho que é uma imposição social. Ah, então se você foge dos padrões, então eu acho que já é, já foge, então dessa parte de responsabilidade, de relação com o outro, de respeito com o outro. Eu entendo dessa maneira. Não sei vocês.
Alfredo: Eu entendo como uma imposição social também. Principalmente nos países que são cristãos ou que em sua maioria são cristãos, é uma imposição social. Assim como o Rafael disse, em alguns outros países com uma diversidade cultural religiosa diferente, existem um entendimento diferente sobre a monogamia.
André: Eu não sei se isso é possível, mas colocaria os dois. Porque eu associaria a imposição social, mas a regra a ser seguida por conta que a religião como o “Alfred” disse, a religião acaba ditando essa regra. E como nós vivemos num país católico, né? Majoritariamente católico, acaba sendo uma regra a ser seguida. Imposta pela Igreja. Eu colocaria os dois.
2 - Até que ponto a união estável poliafetiva pode também ser considerada uma relação homoafetiva, nos casos em que há duas mulheres e um homem e ou dois homens e uma mulher? Tendo em vista que os três estão constituindo relacionamento poliafetivo entre si?
Resposta:
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Alfredo: Eu penso que, nessa relação você está pontuando a consideração de ser homoafetivo ou não, né? Eu penso que, numa relação que existe outro gênero, né? Então eu penso que ela deixa de ser só homoafetiva, né? Ela engloba um pouco mais que isso. Não consigo pensar numa palavra, não tem um estudo para entender uma palavra certa para isso, mas, talvez, uma bissexualidade. Mas ela um pouco mais que homossexualidade.
André: Eu vou pedir pra você repetir a pergunta, por favor. Porque eu fiquei um pouco perdido.
(Leitura novamente da pergunta).
Rafael: Assim, às vezes eu fico pensando e refletindo sobre isso, né? Porque eu me considero homossexual. Eu não sou bissexual, sou homossexual. E assim, eu acho que vai de cada relação. Eu não posso ditar isso, né? Falar: “Ah, você está numa relação poliafetiva, com dois homens e uma mulher ou duas mulheres e um homem, você é gay ou você é lésbica”. Eu não posso dizer isso, acho que a pessoa que tem que definir isso. Porque a gente também luta por isso. Eu defino o que eu sou. “Você” não tem que definir o que eu sou. Eu defino. Entende? Então, ela é complicada essa questão, porque aí também depende do que a pessoa se considera, porque a gente tem amigos Trans, e que se relacionam com pessoas que se consideram Héteros. Então, eu fico assim, meio confuso também, né? Porque se a pessoa se considera hétero, mas está com um Homem Trans ou uma Mulher Trans, quem sou pra dizer que ele não é hétero. A pessoa que tem que se considerar. Então eu tenho que respeitar.
André: Eu acredito que mesmo dentro de qualquer meio existem muitos rótulos. A sociedade ainda é muito rotulada, ela tem uma obrigação em rotular se “aquilo” é homossexual, se é bissexual, se é hétero, se é lésbica, enfim. Existe essa necessidade, e isso quem define é...eu concordo com os meninos, discordando, né? Tem que discordar. Quem define somos nós mesmos, não a partir destes rótulos.
3 – Qual a opinião de vocês com relação à Proibição pelo CNJ da lavratura das Uniões Estáveis Poliafetivas em território Nacional?
Resposta:
André: Eu vou começar respondendo. Nós temos muitas lutas ainda a serem vencidas, né? Mesmo que eu considere que atualmente a gente já venceu muitas coisas, e nós temos que vencer muito mais, é...é um retrocesso. Já que nós estamos em 2020.
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Tantas coisas já mudaram, tantos direitos conquistados, mesmo que nós estamos num momento de perda de direitos, se você me entende. Acaba sendo um sendo um retrocesso, visto que isto em alguns outros países não é visto com o mesmo olhar que o Brasil vê, né? Então, eu acredito que vai ter que ser algo trabalhado por mais tempo, né? Assim como as leis LGBT’s, por várias coisas que os LGBT’s já conseguiram, acho que os relacionamentos poliamorosos também vão ter esse enfrentamento aí por um bom tempo, por o Brasil necessariamente ter essa visão sempre de retrocesso. Eu observo como um retrocesso mesmo, sempre! Principalmente quando envolve o poliamor, e o poliamor necessariamente não sei em si, mas, tá meio um pouco condicionado ao meio LGBT. Sempre.
Alfredo: Bom, eu penso que o Brasil é um país extremamente atrasado. Mas não só atrasado no sentido da Lei, mas principalmente culturalmente atrasado. Por quê? Ele possui diversos elementos que demonstram ser extremamente diferentes daquilo que é tradicional. Porém, ele na sua essência é extremamente hipócrita, extremamente tradicional. Então, isso faz com que as leis nossas elas são baseadas com aspectos relacionados à religião majoritária, e relacionados no caso ao cristianismo aqui. Então, essa questão de ser autorizado ou não ser autorizado, eu penso que ele diretamente relacionado a essa influência cristã dentro, no sentido do que pode e do que não pode, somente o casal monogâmico, entre outras coisas que a gente passa que alguns Estados permitiram o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo e outros não. Então, nós estamos muito ainda atrasados nesse sentido. Por quê? Porque nós estamos extremamente confundindo o que é a vida política, digamos assim, a constituição que defende a todas as pessoas de diferentes classes e religiões e tudo mais. Mas a religião majoritária está interferindo nessas decisões políticas.
André: Que era pro Estado ser Laico, né?
Alfredo: Que deveria não acontecer se o Estado fosse respeitadamente Laico, isso não aconteceria.
Rafael: Concordo com os meninos.
4 – Em 2011, o STF na ADI 4.277 e ADPF 132 decidiu unanimemente e excluiu qualquer interpretação que impeça o reconhecimento da união estável homoafetiva. Diante disso, decisões como estas poderão ajudar os relacionamentos poliafetivos a galgarem seus direitos no âmbito jurídico e social?
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Resposta:
Alfredo: Sim, com certeza! Eu penso que, pelo que você está falando essa Lei, essa decisão de 2011, ela com certeza criou uma base muito forte para diversas outras que valorizem, que preservem os direitos da nossa comunidade, fez com que possibilitasse um alicerce, para que essas outras leis elas fossem sendo criadas entre outras que nós teremos ainda mais. Mas ela foi muito importante para que seja como uma base para as demais.
André: Como eu disse nas perguntas anteriores, eu acredito que essa conquista dessa decisão de 2011, ela não foi uma simples conquista. Foi através de muita luta, muita intervenção, muitos pedidos, exigências de direitos igualitários. E eu acredito que se for possível, com muito custo. Óbvio, né? Em um país atrasado, como a gente já mencionou, acho que pontuar isso, colocar isso em questão, colocar em pauta, nós futuramente podemos quem sabe, fazer igualitário, ser igualitário também.
Rafael: Eu acho que é muito esse relacionamento poliafetivo ser tão aberto quanto a gente tá hoje, né? Essa decisão já tem nove anos, pelo que você disse, é de 2011. E assim, se a gente parar pra pensar nesses nove anos, não mudou muita coisa então, né? Porque se há nove anos atrás isso está sendo defendido e até hoje tá lutando por isso, o quê que está acontecendo, né? E agora a gente no momento que tá vivendo, vivendo esse retrocesso, tendo que lutar sobre essas coisas porque a gente está perdendo os direitos, e tendo que colocar a cara a tapa o que já deveria estar normatizado. É um problema isso, né? Então assim, se lá atrás foi defendido o relacionamento homoafetivo, o casamento homoafetivo, e hoje a gente já está em uma outra etapa que é o poliafetivo, né? Já deveria estar normatizado, natural. É o meu pensamento. Já deveria ser algo normal já são nove anos, e nove anos é muito tempo, na minha opinião. Eu concordo com os meninos, com tudo que eles disseram, eu só fiz pautar isso.
5 – Há quanto tempo vocês estão juntos?
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Resposta:
André: Hoje a gente faz, nove meses.
Rafael: A relação é muito intensa, não era algo que todos estavam planejando, porém foi algo que aconteceu e nos abraçamos. Então não é um “fetiche”, é o que a gente tá vivendo hoje é uma relação como acredito seja como todas as outras, né? E pode ser consideradas séria como todas as outras: casa...
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André: As mesmas conquistas, adversidades, problemas, tudo. Mesma coisa.
6 – Vocês pretendem ter filhos no futuro?
Resposta:
Rafael: Não.
Alfredo/André: Calma!
Alfredo: Eu tenho muito interesse, sempre tive o desejo em ter um filho de sangue e um filho adotivo. Eu!
André: Eu, se pudesse, hoje já seria pai. Sim, eu quero muito ter filhos, tenho muito interesse sim.
Rafael: Eu acho que vai muito da vivência de cada um, também, né? E assim, pelas minhas experiências...
Alfredo, André e Rafael: (dão risada)
Rafael: É porque você não perguntou as idades, mas talvez você já saiba, mas eu tenho 32, ele (aponta pra Alfredo) tem 30 e ele (aponta pra André) tem 25 anos. Eu não tenho, eu nunca, nunca quis ter filho. Só que assim, diferente de algumas pessoas eu não quero ter filho mas respeito. Eu sei que estou num relacionamento com pessoas diferentes de mim, e se eles quiserem ter filhos, eles vão ter os filhos deles. Aí serão responsabilidades deles...(falha no áudio).
André: É algo a se pensar no futuro.
Rafael: Tipo isso. É que assim, a gente não conversa muito sobre isso, é algo bem superficial, mas é muito claro que eu não quero, mas eles querem. Então aí é complicado.
Rodrigo: Eu peço desde já mil desculpas por essa pergunta, por haver um dissenso entre vocês, mas é porque assim, o motivo de eu ter feito, até nem pensei de haver ou ocorrer essa situação, posso até mudar para os próximos trisais. Mas, é porque o seguinte, eu vejo pelas minhas pesquisas que faço, por exemplo, o último trisal tem duas filhas, uma com cada parceira, entendeu? É mais nesse sentido, porque assim, o meu TCC da graduação eu já considero vocês Família, independente de qualquer coisa vocês são Família. Mas assim, mesmo sendo só vocês, sem filhos, com filhos, eu acho que seria uma pergunta pertinente a se fazer aos trisais. Porque assim, existe muito preconceito com a relação e também certamente com a decisão de um trisal, digamos assim, ter filhos. Aí era mais o meu objetivo de pergunta, que desde já peço mil desculpas.
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Rafael: Eu não acho, Rodrigo. Eu não que você tenha que mudar essa pergunta, eu acho ela super relevante, tá? Eu acho o seguinte, que tanto casais héteros ou homo afetivos quanto trisais também, seja de dois homens e uma mulher, ou duas mulheres e um homem, ou três homens ou três mulheres; vai ter essa diferença de opiniões. E são três pessoas diferentes, então pode acontecer dos três quererem filhos, de dois quererem, de um só querer, e isso vai ser normal assim como um casal, às vezes o homem quer a mulher quer ou o homem não quer e a mulher quer, e assim vice-versa. Entende? Então, essa pergunta não deve ser retirada, porque eu acho ela muito importante sim! E eu quero deixar bem claro que Eu não quero, porque não é o que eu desejo para a minha vida por conta dos planos que eu tenho, lá pra frente e cada um tem os seus planos. Então é o desejo de cada um, e isso não quer dizer que eu desrespeito a vontade deles, eu acho que Relação é isso. A gente respeitar a opinião de cada e os desejos porque eu não entrei na vida deles pra mudar as coisas. Eu entrei pra compartilhar, pra somar as coisas. Então se é um desejo deles, eu acho sim que eles têm que ter filhos, eu respeito isso, só que não é o que eu quero para mim Rafael Santana. Entende?
7 – Pra vocês, qual é a definição de família?
Resposta:
Rafael: Família eu acho que é o que a gente vive entre altos e baixos, sabe? É o que a gente compartilha entre si sem aquele pensamento de que tudo tem que ser perfeito, vai ser do jeito que eu quero, do jeito que o outro quer. Família tem problemas, família tem coisas boas, tem coisas ruins, e a gente tá junto traçando um caminho de dificuldades e de coisas boas também pra gente chegar a algum lugar. Eu acho que a gente, como trisal, nós três aqui nós conversamos bastante sobre isso. Nós torcemos um pelo outro, tanto individualmente quanto como trisal e também com casal, por que tem coisas que a gente se dá bem com um mas não se dá bem com o outro, e eu acho isso muito normal, né? Porque como eu disse anteriormente nós temos três cabeças, três vivências diferentes, então a gente tem que saber respeitar as diferenças do outro e também compartilhar sobre as coisas que a gente acha que tem que ser desse jeito, tem que ser daquele, mas, respeitando o outro. Eu acho que isso é Família.
André: Família pra mim, eu acho que vai além da normatização que a palavra tem, que é bem usada, né? “Família tradicional brasileira: pai, mãe e filhos, brancos, loiros, de olhos azuis”, enfim. Família são constituições que você agrega à sua vida, seja ela em
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amizades, seja ela afetivamente, com duas três, quatro, enfim. O seu Pet pode ser sua família, assim como dois homens podem ser sua família. Eu acho que a gente tem que “desnormatizar” a normatização que a palavra Família tem, por que Família são várias constituições seja ela da forma que está.
Alfredo: Concordo com ele (apontando pra André).
8 – Houve alguma situação de hostilidade que vocês viveram?
Resposta:
André: Em conjunto, não.
Alfredo: Em conjunto, não.
Rafael: É porque assim, a gente acha até isso estranho porque a gente escuta falar de outras pessoas, de outros casais ou trisais também que sofrem esse tipo de coisa. Só que na nossa frente isso não acontece, eu acredito que seja por um motivo: a gente é muito seguro de si, nó sabemos o que queremos, não escondemos nada. Então se você quer aceitar, aceite. Se não quiser, não faça parte da nossa relação. Eu acho que isso faz toda diferença.
9 – Como é o relacionamento de vocês para com a comunidade (família, vizinhos etc.)?
Resposta:
Alfredo: Eu não vejo diferença de outros relacionamentos monogâmicos que eu tive. Eu compartilho com a minha família, minha família compartilha bem estar, do conviver com eles. Os nossos vizinhos, é que a nossa cidade, os vizinhos não se conversam, é uma coisa estranha. Mas os nossos vizinhos aqui todos sabem que nós estamos juntos, sabe? A gente não tem amizade, porém nós temos amigos, colegas de trabalho; todos que convivem comigo me dou muito bem, sabe? Tratam muito bem, não tenho nenhum problema com isso.
André: Eu coloco até um ponto que, eu não sei até onde isso é bom, né? Mas, acaba que em especial os amigos, acham curioso, sabe? A gente sempre comenta isso quando a gente conversa. É motivo de questionamentos, perguntas, alguns são bem, assim como você mesmo começou quando você disse “não vai ser invasivas as perguntas”, alguns são bem delicados a este ponto, sabe? Perguntam coisas bem tranquilas, outros não, outros
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são mais invasivos. Mas, pelo menos os nossos vínculos dos três, seja vizinhos, amigos, profissionalmente, são tranquilos.
Rafael: Eu acho que por exatamente o que eu acabei dizer, nós somos muito seguros. E assim, a gente busca não desrespeitar os outros, né? É Claro que a gente não vai ficar se pegando, fazendo coisas na frente dos outros e não por conta de preconceito, mas por conta de respeito às outras pessoas. Assim como se eu fosse um hétero e com uma relação com uma menina, eu não ia ficar fazendo coisas ali fora na rua da qual eu acharia desrespeitoso das outras pessoas, entende? A gente se comporta da mesma maneira. Nós três somos professores, então a gente sabe separar as coisas também. Não é porque nós vivemos um trisal, que eu sou homossexual, que eu vou desrespeitar a opinião do outro. Eu acho que as pessoas têm que nos respeitar quando nós respeitamos ela. Então eu faço isso para ser respeitado também.
10 – Quais são as perspectivas de cada um de vocês, a médio e longo prazos, acerca do acolhimento da sociedade em relação à poliafetividade?
Resposta:
André: Eu vou começar falando. Nós estamos passando por um momento, mais uma vez, de perda de direitos. Porém, a comunidade, por mais que ela entenda algo curioso, que o processo que está acontecendo é curioso. Eu pelo menos tenho percebido que pessoas da minha idade, sem excluir a idade dos meninos, que pessoas da minha idade tem essa visão mais aberta a essa possibilidade, da possibilidade do poliamor, do relacionamento poliamorosos. Que ele é possível, claro que existem várias e várias barreiras a serem conquistadas, né? A serem ultrapassadas. Mas, em especial as pessoas mais novas, não estou tirando as pessoas mais velhas, mas isso é uma tendência, não sei se é certo, mas é uma tendência mais jovem, e que a comunidade de uma certa forma tá olhando isso, com um olhar mais curioso, mas vendo que é uma possibilidade real, que isso acontece e que pode acontecer tranquilamente e que vai certamente aumentar gradativamente ao longo dos anos.
Alfredo: Eu penso que em pouco tempo, eu acho que as mudanças estão acontecendo de uma forma muito rápida e eu penso que em pouco tempo nós teremos grandes mudanças em nossas legislações. Porque a sociedade está mudando muito rápido, a visão dos jovens (apontando pro André), digamos assim, compartilhando com ele a ideia, a visão dos jovens, dessa juventude, elas receberam informações totalmente
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diferentes daquelas que eu recebi. Então, elas pensam muito de uma forma mais plural, diferente de nós, que fomos criados assim de determinada forma, tivemos menos acesso a determinadas informações. Então essa rapidez vai influenciar as mudanças nas legislações, e eu acho que em questão de cinco, dez anos, que é um período que eu penso que é da maturidade da vinda dessa geração para a democracia real que é a votação, os direitos, a cobrar e tudo o mais. Então essa maturidade deles vai mudar rapidamente nossa sociedade.
Rafael: É, eu acho que é uma evolução realmente algo que aconteceu bastante rápido, há dez anos atrás, por exemplo, a gente não escutava falar nem de relação homoafetiva. Porque o preconceito era muito maior do que é hoje. Então eu acho que por conta da evolução da tecnologia, da rapidez das informações, tudo isso influencia no que a gente vive hoje e também influencia nas novas gerações. Então tende a mudar muita coisa hoje, o André tem um pensamento totalmente diferente do meu quando eu tinha 25 anos, porque a gente não vivia na mesma realidade, ele não vive na mesma realidade que eu vivi, que o Alfredo viveu, né? Então essas dificuldades, elas vão sendo ultrapassadas e vão evoluir. Hoje a gente tem uma dificuldade, amanhã a gente vai ter outra dificuldade, porque essa já vai ter sido ultrapassada. Então, sempre a gente vai viver em momentos de problemas, a gente vai ter que superar as coisas, preconceitos, tudo mais. Porque antigamente, por exemplo, eu vou falar por mim, há 5 anos atrás, eu não escutava falar de trisal, eu nem me imaginava em um trisal, eu nunca pensei viver em um trisal. Hoje eu vivo e eu estou confortável com isso, eu tenho foco, eu tenho sonhos com eles, e tudo mais. Então, é algo que eu não me imaginava, eu não tinha preconceito como muitos têm, mas eu vivo isso hoje e estou confortável com isso. Então, as pessoas vão evoluir no pensamento, e isso se dá através do conhecimento que elas vão adquirindo e também a nossa luta contra esse preconceito, é passar informação. Nossa, isso não putaria, desculpe a palavra, mas isso não é putaria. Isso é uma relação como todas as outras, entende? Então você não pense que por eu morar com dois homens, isso aqui é uma relação aberta. Respeito quem tem relação aberta, quem considera isso, mas quem sou eu pra dizer que aquela relação é aberta... (falha no áudio)[10] e a gente tem uma relação fechada, é um relacionamento digno sim de um casamento de algo no papel, e é o que a gente deseja. E a gente vai lutar por isso.
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Alfredo: Dando um gancho nisso que ele falou, eu compartilho e acrescento aquilo que ele acabou de falar. Eu acho que inclusive esta informação, a quantidade de informações, colocarem isso, dar visibilidade a isso é extremamente importante para que oportunize que as pessoas te reconheçam como poliafetivas. Oportunize que essas pessoas se reconheçam inclusive e entendam que elas têm necessidade de lutar por direitos. Então é extremamente importante o que você está fazendo (se referindo a mim, entrevistador e autor do artigo), e é extremamente justamente isso: dar visibilidade a isso, propagar esta informação que até alguns anos atrás isso era extremamente difícil de ser receber.
André: Por que eu não tenho dúvidas de que essa geração, como o “Alfred” disse que daqui a uns dez anos já vai está efetivamente exercendo o seu direito de questionar, vão usar trabalhos como o seu (se referindo a mim, entrevistador e autor do artigo), pra pautar, pra ter uma pauta que isso é possível, isso é igualitário.
Rafael: As nossas pesquisas são muito importantes para evolução da sociedade.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal).
[2] Orientadora, Advogada, Especialista em Direito Processual Civil (Jus Podivm – Faculdade Baiana de Direito), Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutoranda pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
[3] Nomenclatura amplamente utilizada pelos poliamoristas.
[4] Neologismo empregado por este autor para incluir relações que tenham 4 ou mais pessoas. Não consta, não vista ou ainda não foi definida até então na literatura atinente à esta temática.
[5] Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queers, Interssexuais e Assexuais. O símbolo “+” também agregam AndrógInos, Agêneros, Crossdressers, Drag Queens/Kings, Gêneros Fluídos, Não Binários e Pansexuais.
[6] Nomenclatura correta, uma vez que as Relações Homoafetivas não é uma doença mental.
[7]O autor deste artigo reitera que, a utilização desta nomenclatura é exclusivamente para facilitar a compreensão dos leitores que não são da área jurídica, uma vez que o STF, no julgamento da ADPF 132, orientou que todos os notários do Brasil adotassem a nomenclatura “União Estável” ao invés de “União Estável Homoafetiva”.
[8]Decreto-Lei nº 4.657/1942 com Redação dada pela Lei 12.376/2010 - Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
[9] Primeiro Trisal a ter a União Estável Poliafetiva lavrada em cartório no Estado do Rio de Janeiro e um dos primeiros em Território Nacional,
[10] Houve supressão de uma parte da fala, pois, devido a uma falha no áudio, este erro poderia interferir na explicação que ele estava dando e ocorrer uma interpretação equivocada acerca do que estava sendo dito.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM