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O processo de adoção e suas implicações legais
O processo de adoção e suas implicações legais
Núbia Marques Pereira
Graduada em Direito - MACKENZIE
Pós-graduada em Direito das mulheres - UNIDOMBOSCO
RESUMO
O presente artigo tem como objeto de estudo o instituto de adoção no Brasil que vem se modificando ao longo dos anos através da legislação, com o objetivo de facilitar esse importante processo o qual é orientado por meio de diversos princípios, como, por exemplo, o da igualdade entre os filhos. No entanto, a adoção de maiores é pouco praticada e até mesmo desconhecida por muitas pessoas, possuindo significantes diferenças em relação ao processo de adoção de menores. Além disso, é importante analisar as consequências jurídicas em relação a adoção quanto aos alimentos e a sucessão.
Palavras-chave: Adoção. Processo de adoção. Adoção de maior.
ABSTRACT
The present article has as objective the institute of adoption in Brazil that has been modifying over the years through legislation, with the aim of facilitating this important process that is guided by several principles, as for example the principle of equality between children. However, the adoption of larger ones is little practiced and even unknown by many people, possessing significant differences in relation to the process of adopting minors. In addition, it is important to analyze the legal consequences in relation to adoption on the alimony and succession.
Keywords: Adoption. Adoption process. Adoption of greater.
INTRODUÇÃO
No direito romano, a família possuía como chefe o marido, sendo que esse pater familias tinha o poder absoluto sobre os filhos e a esposa que deveria ser submissa. Hoje em dia, já é possível encontrar no direito de família o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, esse princípio está estabelecido no artigo 226, § 5º da Constituição Federal: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”
Já na Idade Média, devido à forte influência da Igreja Católica, somente o casamento religioso possuía validade, razão pela qual, as famílias eram regidas pelo direito canônico. Atualmente, apesar da permanência da existência do casamento religioso, a validade jurídica está no casamento civil.
Esses fatos mostram que ao longo dos anos a concepção de família foi se alterando, sendo um conceito muito associado com as questões culturais de uma sociedade. Assim, enquanto em alguns países é comum a presença de famílias poligâmicas, no Brasil, essa constituição de família é vedada, por exemplo.
De acordo com Paulo Luiz Netto Lobo, a filiação é a “relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascidas da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga [...]”, é possível notar que essa definição abrange tanto a filiação biológica como a não biológica, o que não ocorria no passado.
A questão afetiva nas relações de família tem se tornado cada vez mais importante. No direito de família, essa tendência pode ser observada através do princípio da afetividade, que determina que o afeto e o amor são elementos formadores da família.
Em 2013, surgiu uma polêmica em torno do Projeto de Lei n. 6583/2013 que estabelece a família como a união entre um homem e uma mulher, o que excluiria os homossexuais. No entanto, o Supremo Tribunal Federal através da ADI 4.277/ADPF 132 reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, o que permitiu a adoção.
Além da família homoafetiva, existem outras espécies de família, como é o caso da família informal, decorrente de união estável, a família monoparental, constituída por apenas um genitor com seus filhos e a pluriparental, constituída por pelo menos um dos genitores com filhos de casamento ou relação anterior.
A família extensa seria, de acordo com a Lei de Adoção, “aquela formada por unidades familiares maiores, ou seja, constituídas não somente pelos pais e filhos, mas também pelos parentes próximos, com os quais a criança mantenha afinidade e afetividade.”
Dentro da família com filhos menores, é possível encontrar o poder familiar que seria “o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante a pessoa e aos bens dos filhos menores”. O referido poder é atualmente exercido de forma igualitária entre os genitores, não havendo distinção entre sexo, devido ao já citado princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros.
Quando ocorre a adoção, o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que os vínculos com os pais e parentes são extintos, assim, os pais biológicos deixam de possuir o poder familiar sobre a criança ou adolescente. Contudo, no caso do maior de idade, já não há um poder familiar, visto que a partir de 18 anos a pessoa capaz passa a ter autonomia sob seus atos.
A capacidade possui duas espécies: de direito (adquirida por qualquer ser humano ao nascer) e de fato (possibilidade de exercer os atos da vida civil por si mesmo). O indivíduo que possui ambas as modalidades, é considerado pela legislação como plenamente capaz, como é o caso do maior de 18 anos que não se enquadra nas hipóteses de incapacidade previstas no Código Civil.
Dessa forma, pretende-se com este artigo apresentar o histórico e os princípios do instituto da adoção, esclarecer as questões processuais referentes ao processo de adoção de maior e menor, além de abordar as implicações legais que uma adoção pode gerar a todos os envolvidos.
ASPECTOS GERAIS DA ADOÇÃO
No intuito de viabilizar a ampla discussão das questões processuais da adoção, necessário realizar a definição do que é a adoção. O artigo 39, §1° do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa.
Conforme Carlos Roberto Gonçalves, a adoção é “ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”. Há, assim, um vínculo fictício de filiação que deve observar determinados requisitos legais.
Esses requisitos sofreram mudanças ao longo dos anos, na maioria das vezes, com o intuito de facilitar que esse processo se realize. Além dessas mudanças, ao longo do tempo, também se modificaram os direitos do adotado, já que inicialmente ele não era equiparado ao filho que nasceu do casal.
É importante observar que existem ainda modalidades de adoção que foram surgindo, sendo elas a adoção singular, ou seja, feita por apenas uma pessoa, a adoção conjunta, feita por um casal que pode ter se formado a partir tanto de união estável como pelo casamento e a adoção unilateral, quando um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro.
Ademais, pode-se mencionar a adoção póstuma, a qual ocorre quando o adotante falece ao longo do procedimento e a tardia que ocorre quando a criança a ser adotada possui mais de dois anos de idade, visto que a maioria das adoções são realizadas com crianças mais novas.
Por fim, há a adoção por estrangeiro, também conhecida como adoção internacional, que somente ocorre caso esteja comprovado que foram esgotadas as possibilidades de adoção por brasileiros, sendo importante ressaltar que os brasileiros que residem no exterior terão preferência aos estrangeiros. Outro requisito é que o país dos adotantes, assim como o Brasil, deve ser ratificante da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993, conhecida como Convenção de Haia.
Dessa forma, as mudanças históricas ocorridas através da cultura, legislação ou princípios devem ser melhor analisadas para o entendimento do tema.
Em seu livro A cidade antiga, Fustel de Coulanges diz que a adoção surgiu da necessidade de perpetuar a família, evidenciando a legislação hindu que em seu Código de Manu determinava que “Aquele a quem a natureza não deu filhos, pode adotar um, para que as cerimônias fúnebres não se extingam.”. Além disso, era necessário a desvinculação completa com a antiga família.
Após esse momento, esse instituto se expandiu e foi disciplinado pelo Direito Romano, porém, no período da Idade Média, ele deixou de ser praticado, já que o Direito Canônico tinha leis rígidas relacionadas ao sacramento do matrimônio. Somente no Código de Napoleão de 1804, é que houve o resgate deste instituto que passou a existir em todas as legislações modernas.
No Brasil, apesar de ser uma prática comum, só houve a permissão da adoção nas Ordenações Filipinas durante o período colonial, sendo essa legislação proveniente de Portugal e com vigência até o surgimento do Código Civil de 1916 que manteve como influência o Direito Romano. O novo Código determinava que só as pessoas com mais de 50 anos e sem filhos legítimos é que podiam adotar, além do fato de que, os adotantes e adotados deveriam ter uma diferença de 18 anos de idade.
A partir da modificação do pensamento da sociedade, a adoção passou a ser vista não só com uma forma de perpetuar o nome da família, mas como uma possibilidade de ajudar os menores desamparados. A Lei n. 3.133, de 8 de maio de 1957 passou a permitir a adoção da pessoa com 30 anos de idade, independentemente do fato de ter ou não filhos naturais.
No entanto, os direitos sucessórios continuaram a serem negados ao filho adotado, como demonstrado através da lei posterior, a chamada Lei n.4.665, de 2 de junho de 1965, que apesar de afirmar que os filhos legítimos e adotados são equiparados, ela determinava que na supervivência de filho legítimo, o adotado perde o direito em questões sucessórias. Essa lei também restringiu a adoção para as crianças de até 7 anos e afirmou a irrevogabilidade da adoção.
A partir da vigência do Código de Menores, Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, é instaurada a chamada “adoção plena” que era aplicada para menores em “situação irregular”, essa adoção contrastava com a “adoção simples” presente no Código Civil. A principal diferença estava no fato de que a “adoção plena” desvinculava o adotado da família anterior, o que extinguia os deveres resultantes do parentesco natural, além de ser irrevogável, o que não acontecia na “adoção simples”, resultando em diversos conflitos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 revogou o Código de Menores, acabando com a diferença entre “adoção plena” e “adoção simples”, apenas estabelecendo que a adoção seria feita para crianças ou adolescentes de 0 a 18 anos, excepcionalmente até 21 anos de idade.
Outras modificações foram o fim de fato da diferenciação entre adotados e filhos naturais, a diminuição da idade do adotante para 21 anos, independente do estado civil e a instituição de adoção post mortem e unilateral. Também se passou a proibir a adoção pelos ascendentes e irmãos e instituir a obrigatoriedade da oitiva de maior de 12 anos que deve dar sua opinião sobre a adoção.
O novo Código Civil que entrou em vigor em 2002 manteve as linhas gerais do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que as modificações mais significativas surgiram com a vigência da Lei Nacional de Adoção, Lei n. 12.010, de 29 de julho de 2009, que determina que a adoção de menores de 18 anos, excepcionalmente de pessoas entre 18 e 21 anos, seria regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto a adoção de maiores seria tratada pelo Código Civil e Código de Processo Civil.
Outras alterações trazidas pela nova lei são a substituição da expressão pátrio poder para poder familiar, o estabelecimento do período máximo de dois anos de permanência dos menores em abrigo e a criação do Cadastro Nacional com crianças e adolescentes em condições de serem adotadas por pessoas habilitadas.
É importante ressaltar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 determina que a deficiência não é fator impeditivo para exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Outra novidade legislativa referente à adoção é a Lei n. 13.509, de 22 de novembro de 2017 que garante, por exemplo, que a mãe que adotou uma criança tenha direito a licença-maternidade em seu trabalho, possuindo como uma de suas motivações a importância da formação de laços.
A lei também determina que o prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção é de cento e vinte dias, podendo ser prorrogado por igual período, o que tornou o processo mais rápido.
De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente, a adoção exige que a pessoa seja capaz e tenha mais de dezoito anos, sendo vetado o uso de procuração civil. O artigo 29, deste diploma legal, ainda exige um ambiente familiar adequado e que a pessoa não revele incompatibilidade com a natureza da medida.
A adoção pode ser realizada independentemente de estado civil, mas no caso de adoção conjunta é exigida a comprovação da estabilidade familiar.
Diante do cenário apresentado, é possível ainda encontrar outra proibição prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente que visa impedir a fuga da prestação de contas e a responsabilização pelos débitos provenientes da gestão ao determinar que tutor ou curador só pode adotar pupilo ou curatelado após prestação de contas.
O Estatuto também proíbe a adoção por ascendente e irmão do adotante. A justificativa estaria no fato de que a adoção alteraria um vínculo familiar que já existe, a constelação familiar, e, consequentemente, modificando, a questão patrimonial, já que se um neto for adotado, ele passará a concorrer com o pai na sucessão, por exemplo.
O artigo 45 do mesmo código exige que os pais ou representante do adotante deem seu consentimento para que a adoção seja realizada, mas dispensa esse ato quando os pais forem desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar. Além disso, o adotando maior de 12 anos deverá ser previamente consultado em audiência e seu consentimento será necessário para a realização do ato.
Outro ponto a ser mencionado é a necessidade exigida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de que a adoção deve trazer vantagens para o adotando e ter motivos legítimos, respeitando sempre o princípio do melhor interesse da criança.
Em relação a quem pode ser adotado, o instituto da adoção compreende tanto crianças e adolescentes como maiores de idade, sendo necessário um procedimento judicial em ambos. Um requisito exigido pela Lei Nacional da Adoção é que os irmãos devem ser mantidos unidos, a não ser que haja alguma situação que justifique uma excepcionalidade, mas sempre buscando evitar o rompimento definitivo do vínculo.
No entanto, além dos requisitos previstos em lei, é necessário também se observar os princípios aplicáveis.
De acordo com o jurista Miguel Reale, os princípios são “enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”. Essa definição já demonstra a importância dos princípios dentro do ordenamento jurídico e sua influência em relação as decisões a serem tomadas.
Essa importância também está presente no Direito de Família, o qual possui entre seus princípios, o já citado princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, estabelecido no artigo 226, § 5º da Constituição Federal, que garante que ambos os pais, independente do sexo, tenham poder de decisão na criação dos filhos de forma igualitária.
O princípio da igualdade jurídica de todos os filhos que está previsto no artigo 226, §6° da Constituição Federal estabelece que os filhos havidos dentro ou fora do casamento, assim como os adotados, não podem ser tratados de forma desigual, possuindo os mesmos direitos.
O Direito de Família também se rege pelo princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, visto que a família é uma instituição importante para a formação individual, estando relacionada diretamente com o desenvolvimento da personalidade dos filhos.
Já o princípio do melhor interesse estabelece que o bem-estar da criança e do adolescente deve ser priorizado e não os interesses dos pais. Na adoção, esse princípio é aplicado através da ideia de que a adoção só deve ocorrer caso ela seja vantajosa para o menor, inclusive, em casos de adoção internacional.
A concepção do que pode ser interesse do menor aparenta ser subjetiva, mas a jurisprudência vem usando como critério o desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade de suas relações afetivas e sua inserção no grupo social. Alguns juízes também levam em conta a idade e o sexo da criança.
No Estatuto da Criança e do Adolescente, os referenciais para identificar o interesse do adotando são: as relações de afinidade ou de afetividade, o ambiente familiar adequado, o ambiente livre de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes e, por fim, os motivos legítimos para adoção.
É admissível ainda citar o princípio da função social da família presente no artigo 226 da Constituição Federal que dispõe que a família é a base da sociedade, devendo ter especial proteção do Estado.
Em seu livro, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam essa ideia dizendo que “A principal função da família e a sua característica de meio para a realização dos nossos anseios e pretensões. A família não é mais um fim em sim mesmo, conforme já afirmamos, mas, sim, o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro”.
Por fim, o princípio da plena proteção das crianças e adolescentes pode ser encontrado no artigo 227 da Constituição Federal, pois neste dispositivo está determinado que os menores devem possuir plena proteção e prioridade absoluta em seu tratamento.
Direitos básicos como educação, saúde, lazer, alimentação, vestuário devem ser observados, caso contrário, pode resultar em responsabilização criminal e civil dos responsáveis pela criança ou adolescente, ou em destituição do poder familiar.
PROCESSO DE ADOÇÃO
O processo, conforme Renato Montans de Sa? Rodrigo da Cunha Lima Freire, e? o “meio (me?todo) pelo qual a jurisdic?a?o e? prestada, em raza?o do exerci?cio de uma ac?a?o”. Esses autores ainda definem jurisdic?a?o como “uma func?a?o estatal de resolver os conflitos de interesses que lhe sa?o apresentados” e a ac?a?o como “um direito – ou poder, para alguns – decorrente desse encargo do Estado, mais precisamente o direito de exigir a jurisdição.”
Dentro do processo, há partes que são as pessoas, físicas ou jurídicas, que participam da relação processual, ou seja, são os sujeitos do processo. A capacidade processual é a aptidão de estar em juízo, sendo essa diferente da postulatória que é a aptidão para promover ações judiciais, elaborar defesas e praticar outros atos processuais.
Especificamente em relação a ação de adoção, ela está prevista nos artigos 39 a 52-D no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que seu cabimento está no desejo de assumir como filho outra pessoa. Está previsto a necessidade de existir a expressa concordância dos pais naturais, a não ser nos casos em que o adotando não possui pais naturais conhecidos, estes já terem sido destituídos do poder familiar por meio de medida judicial própria ou, ainda, serem eles falecidos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda determina que as normas da legislação processual são aplicadas subsidiariamente ao previsto no Estatuto. Além disso, há prioridade na tramitação dos procedimentos, processos e execuções previstos nesta Lei.
O artigo 47, § 9º ainda determina que terão prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica.
PROCESSO DE ADOÇÃO DE MENOR
Primeiramente, é importante salientar que a ação de adoção deve ser interposta no foro do domicílio dos pais ou responsáveis do menor ou na falta destes, no lugar onde se encontre a criança ou o adolescente.
A concordância dos genitores no processo de menor é um requisito essencial, devendo ser espontânea e de livre vontade. Assim, se estes não concordarem, o processo deve ser extinto, a não ser nos casos cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o consentimento exige uma forma específica, devendo ser realizado na presença de autoridade judiciária e de promotor, tomando-se por termo as declarações.
O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento da criança, sendo que os pais antes de darem sua autorização devem receber informações, especialmente sobre a irrevogabilidade da medida. No entanto, o consentimento é retratável até a data da realização da audiência e os pais podem exercer o arrependimento no prazo de dez dias, contado da data de prolação da sentença de extinção do poder familiar.
Caso seja constatado que o genitor biológico possui alguma deficiência mental, o procedimento contraditório será necessário, assim como a nomeação de um curador especial, devendo o genitor ser ouvido.
O artigo 1.634 do Código Civil estabelece a forma como o poder familiar deve ser exercido, citando a obrigação de providenciar a criação e a educação, o poder de conceder ou negar consentimento para o menor viajar ao exterior, bem como consentimento para casar, entre outros exemplos.
Por sua vez, no artigo 1.635 do mesmo Código estão previstos os casos em que ocorre a extinção do poder familiar, estando entre elas a ocorrência da maioridade e a adoção e por decisão judicial.
É possível, inclusive, interpor uma ação de destituição de poder familiar cumulada com adoção, nos casos em que os pais não concordem com a adoção ou estejam em local incerto ou não sabido.
Em contrapartida, o procedimento está previsto nos artigos 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente que determinam que o procedimento pode ter início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse. Há possibilidade de ocorrer a decretação da suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.
Ademais, será realizado o estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar para comprovar a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar. O Ministério Público deve ter vista no processo e dará seu parecer.
No caso em que os pais estiverem privados de liberdade, será requisitada a sua apresentação para oitiva por meio de uma autoridade judicial.
O procedimento deve terminar no prazo de cento e vinte dias e a sentença que decretar a perda ou suspensão do poder familiar deve constar à margem do registro de nascimento da criança ou do adolescente, além de se iniciar a preparação para colocá-los em família substituta.
O acolhimento institucional é uma medida de proteção realizada por uma organização que possui caráter excepcional e provisória e visa acolher crianças e adolescentes que necessitaram ser afastados de suas famílias por algum problema relacionado ao poder familiar.
A diferença do acolhimento institucional para o acolhimento familiar, está no fato de que o último se trata de um programa que engloba famílias preparadas e cadastradas que recebem o menor em suas residências, o que garante a preferência em relação ao acolhimento institucional. Após o acolhimento, o menor pode retornar a sua família ou ser colocado em uma família extensa ou substituta.
No procedimento de colocação em família substituta, o Ministério Público também deve ter vista dos autos após a apresentação de relatório social ou laudo pericial para decidir sobre a concessão de guarda provisória e, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência. Caso seja feita a concessão, a criança ou adolescente será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade.
Os adotantes passam por uma fase de preparação jurídica e psicossocial, visando analisar se os adotantes possuem os devidos requisitos e evitando que haja arrependimento posterior. Após esse momento, há inscrição no Cadastro Nacional de Adoção para que a partir desse ponto, seja possível a realização da adoção.
O estágio de convivência é uma modalidade de guarda, definido como o período pelo qual o menor vai adaptar-se aos requerentes do pedido de adoção, além disso, o menor fica sobre responsabilidade do adotante. Esse período visa fazer as partes reconhecerem as dificuldades da adoção e criarem laços afetivos, no entanto, o estágio pode ser dispensado, caso a guarda ou a tutela esteja com o adotante tempo suficiente.
Como a guarda pode ser revogada a qualquer tempo mediante ato judicial fundamentado e ouvido o Ministério Público, a perda ou a modificação da guarda poderá ser decretada nos mesmos autos do procedimento.
A sentença que defere a adoção possui natureza constitutiva, produzindo efeitos aquisitivos do novo parentesco e extintivos do parentesco anterior. Assim, deve ocorrer a inscrição, mediante mandado, no registro civil para que haja a eficácia erga omnes.
PROCESSO DE ADOÇÃO DE MAIOR
Como demonstrado no gráfico abaixo, as pessoas que buscam realizar a adoção, como regra, procuram crianças mais novas para adotar, o que mostra como a adoção de maiores de dezoito anos é pouco recorrente, sendo mais usual que ela seja realizada por padrastos ou madrastas que desejam ter seus enteados como filhos.
Figura: Idades das crianças disponíveis no CNA e idades que os pretendentes aceitam (Fonte: Cadastro Nacional de Adoção).
O processo que envolve o maior de dezoito anos também se rege pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e exige a existência de um procedimento judicial, como previsto no artigo 1.619 do Código Civil.
Deste modo, a adoção em ambos os casos possui requisitos e vedações similares, como é o caso da necessidade de diferença de dezesseis anos entre adotado e adotante. No entanto, pode-se citar como diferença a questão do estágio de convivência que é dispensável quando constatada a maturidade do adotando.
Outro ponto divergente entre os dois processos está relacionado à competência. O artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece os casos em que a Justiça da Infância e da Juventude é competente, tendo em seu inciso III a presença da adoção. Contudo, a jurisprudência estabelece que os casos de adoção com maior de dezoito anos, o processo deve ser encaminhado para as Varas de Família e Sucessões.
Por fim, a diferença mais marcante entre esses dois processos é a desnecessidade de consentimento dos pais biológicos do adotando maior, possuindo como argumento o fato de que esses pais já não possuem mais o poder familiar, o que torna esse maior autônomo em suas decisões.
IMPLICAÇÕES LEGAIS
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que os vínculos entre o adotado e seus pais biológicos são extintos após a adoção, sendo disposto apenas uma exceção, os impedimentos matrimoniais.
O artigo 49 do documento jurídico supracitado afirma que mesmo após a morte do adotante, o poder familiar dos pais biológicos não é restituído, assim como a superveniência de filhos dos adotantes não anula os efeitos da adoção. No entanto, é possível notar que alguns juristas defendem a tese de que seria possível reaver a representação legal por parte dos genitores biológicos através da guarda e da tutela, mas não pela adoção que apresenta um impedimento legal.
Dessa forma, é possível observar que a adoção traz implicações legais que se agravam ainda mais quando se trata de uma irrevogabilidade da medida que aborda um assunto tão sensível como a família.
De acordo com Orlando Gomes, os alimentos são prestações para a satisfação das necessidades essenciais de alguém que não pode prove-las para si, assim, é fornecido o necessário para a subsistência de um parente, cônjuge ou companheiro.
Conforme o “Justiça em Números” de 2019 realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, as ações de família/alimentos está na 3° posição entre os temas mais demandados na Justiça Estadual.
Apesar de na maioria dos casos, o pedido de alimentos seja pedido pelos filhos para os pais, o artigo 1.694 do Código Civil determina que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem, observando a condição social.
É importante salientar que o cancelamento da pensão alimentícia quando o filho atinge a maioridade não é automático. O principal critério dos alimentos é a existência de necessidade, assim, a obrigação será mantida caso essa existência seja comprovada.
Esse dever de prestar alimentos está baseado na solidariedade humana e econômica, vinculado à uma ideia de dever moral e de obrigação ética, mas também relacionado a inclinação da pessoa de prestar assistência. Logo, devido a sua importância, as normas sobre o tema são de ordem pública, não podendo ser anuladas por meio de convenção entre particulares.
A sanção em caso de descumprimento dessa obrigação também é bastante grave, sendo o único caso previsto na Constituição Federal de prisão por dívida, visto que após a súmula vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal passou-se a considerar ilícita a prisão civil de depositário infiel.
É importante ressaltar que a súmula 309 do STJ determina que a prisão civil só poderá ocorrer compreendendo as últimas três prestações alimentares anteriores ao ajuizamento, assim, como as que vencerem no curso do processo.
Em relação ao adotante e o adotado, após ser adquirida a condição de filho, o direito dos alimentos não pode ser negado, sendo também recíproco. Esse fato ocorre pois não há distinção entre filhos legítimos e adotivos.
Em relação a sucessão, ela está relacionada à mudança de titular, sendo decorrente da morte de alguém que gera a transmissão do patrimônio. Assim, o direito sucessório tem como função a regulamentação dessa transmissão, sendo o objeto de transmissão a herança que abrange tanto o ativo como o passivo, ou seja, os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações.
A sucessão pode ser legitima ou testamentária, caso não tenha sido deixado um testamento ou esse seja considerado tanto caduco (torna-se ineficaz por causa posterior) como nulo, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos. É importante observar que caso haja herdeiros necessários, o testador somente poderá dispor da metade da herança, além disso, entre os herdeiros legítimos existe uma ordem preferencial denominada ordem da vocação hereditária.
Em relação aos descendentes, a regra prevista na Constituição Federal de igualdade entre os filhos prevalece, não podendo ser feita a distinção entre legítimos e ilegítimos
Dessa maneira, o filho adotivo terá direitos em relação a herança de seus pais adotivos, no entanto, em relação aos seus pais biológicos a situação é diferente, não é possível que o adotado obtenha a herança de seu pai biológico, já que os vínculos são completamente desligados.
CONSIDERAÇÕES
O foco deste trabalho foi abordar o processo de adoção de menores e maiores de idade. A partir de um breve histórico, foi exposto a modificação que ocorreu ao longo do tempo da visão sobre a família e do instituto da adoção.
Nesse contexto, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente que garante maiores direitos aos menores. No entanto, no que se refere ao processo de adoção, ele também é aplicado para maiores de idade, o que faz com que os processos tenham muitas semelhanças.
Contudo, devido às suas particularidades, há questões divergentes entre ambos, como a dispensa do estágio probatório, a competência e, principalmente, a dispensa de consentimento dos pais biológicos.
É possível observar que a adoção tem a capacidade de extinguir os vínculos do adotado com os pais biológicos, com exceção dos impedimentos matrimoniais, tornando o processo ainda mais relevante.
Dessa forma, é possível analisar as consequências da adoção no âmbito patrimonial, especificamente quanto aos alimentos e ao direito sucessório. Os alimentos estão relacionados com a garantia de um mínimo que preserve a dignidade do membro da família e os direitos sucessórios estão vinculados com a transmissão de bens após o falecimento, devendo ser seguida a ordem de sucessão prevista em lei.
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