Artigos
Obrigação alimentar entre tios, sobrinhos e primos
Tendo lido a notícia veiculada neste prestigiado Espaço Vital, onde havia referência a entendimento do TJRS referentemente a existência de obrigação alimentar entre tios, sobrinhos e primos, tive a oportunidade de ler atentamente o artigo doutrinário de lavra da prezada colega desembargadora Maria Berenice Dias. E peço vênia para tecer algumas considerações a respeito.
Primeiramente, observo que se trata de entendimento inédito, como bem destacou o eminente desembargador Luiz Felipe Brasil Santosno voto que lançou em processo onde tal tema estava sendo questionado, e, ouso afirmar, mais do que inédito é inusitado e isolado.
Em segundo lugar, observo que o paralelo traçado pela eminente articulista, entre a obrigação alimentar e a capacidade sucessória é impertinente, na medida em que são institutos diversos e de naturezas distintas, ambos tendo em comum apenas e tão somente o fato de contemplarem parentes numa relação de reciprocidade.
Lembro, ainda, que não há falar em ônus e bônus, na medida em que a capacidade sucessória dos parentes colaterais é limitada e eventual, ou seja, eles somente herdam se ninguém os preceder na ordem de vocação hereditária e, mesmo assim, se o autor da herança quiser, isto é, se não nomear outra pessoa, já que tios, sobrinhos e primos são herdeiros facultativos...
No que tange ao conceito de alimentos e à extensão do encargo alimentar, observo que o novo Código Civil Brasileiro simplesmente reproduziu as disposições do anterior, com pequenas e pouco relevantes alterações de redação. E jamais, em tempo algum, cogitou-se da obrigação alimentar além do segundo grau na linha colateral. Ou seja, não há base legal, nem doutrinária para agasalhar uma possível pretensão alimentar entre tio e sobrinho, ou primos entre si.
Quando se cogita de alimentos, na acepção técnica, se está a considerar o sustento, a habitação, o vestuário, a instrução e educação, a assistência médica e odontológica, e tais facetas da obrigação alimentar podem ser reduzidas ou ampliadas, dependendo do vínculo ou da relação jurídica existente entre o alimentante e o alimentando.
A expressão alimentos, porém, deve ser vista sob duplo enfoque. De um lado, objetivamente, há o conteúdo obrigacional, materializado em virtude de lei, a partir de uma causa jurídica preexistente (casamento ou parentesco), da vontade (testamento, doação condicional ou contrato) ou decorrente de ato ilícito (por exemplo, a sentença judicial condenatória, estabelecendo tal pagamento a título de indenização para ressarcir danos provenientes de ato ilícito). De outro, há o direito subjetivo de alguém receber os alimentos. Cuidou a ilustre articulista da obrigação de prestar alimentos decorrentes do parentesco.
Ora, dentro da relação de parentesco, observo que constitui dever legal próprio dos pais prestar o sustento e também assegurar a plena educação aos filhos menores, sendo que a obrigação alimentar, como decorrência do dever de solidariedade familiar, tem substrato legal na regra do art. 1.694 do Código Civil, o qual estabelece que podem os parentes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. Ou seja, os alimentos têm em mira sempre a situação de necessidade pessoal do alimentando (art. 1.695 do Código Civil).
E o Código Civil vigente dispõe, taxativamente, que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns na falta dos outros” (art. 1.696), sendo que “na falta dos ascendentes, cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim os germanos como unilaterais” (art. 1697).
Lembro, por oportuno, que não há qualquer eiva de inconstitucionalidade nessa disposição, na medida em que apenas refere o âmbito do parentesco colateral. Se os irmãos são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, são bilaterais; se forem filhos do mesmo pai ou da mesma mãe, são irmãos unilaterais. Isso nada tem de discriminatório e nada tem a ver com igualdade jurídica entre os filhos. Cuida-se apenas da relação entre irmãos e da forma como o parentesco entre eles se estabelece.
Esse é, pois, o universo de pessoas que mantém reciprocamente relação obrigacional alimentar. E nele não estão contemplados, como se vê, nem os tios, nem os sobrinhos, nem os primos...Ou seja não existe encargo alimentar entre tios e sobrinhos, nem entre primos. A obrigação vai ao infinito na linha reta (pai-filho, avô-neto, bvisavô-bisneto e assim por diante), mas, na linha colateral, não supera o segundo grau, isto é, não vai além dos irmãos, sejam eles unilaterais ou bilaterais.
Os vínculos familiares não podem ser enfraquecidos e a obrigação alimentar, com a marca da reciprocidade, é, seguramente, um dos mais nobres e significativos institutos do nosso ordenamento jurídico e, sintetiza, em si mesmo, o conjunto dos deveres ditados pela solidariedade familiar, na forma estabelecida pela lei.
Trata-se de uma obrigação ética que foi convertida em obrigação jurídica, que a sociedade reclama, a lei impõe e o Estado exige.
* desembargador da 7ª Câmara Cível do TJRS
(Fonte: Artigo publicado no site Espaço Vital - www.espacovital.com.br em 11.10.2004)
Primeiramente, observo que se trata de entendimento inédito, como bem destacou o eminente desembargador Luiz Felipe Brasil Santosno voto que lançou em processo onde tal tema estava sendo questionado, e, ouso afirmar, mais do que inédito é inusitado e isolado.
Em segundo lugar, observo que o paralelo traçado pela eminente articulista, entre a obrigação alimentar e a capacidade sucessória é impertinente, na medida em que são institutos diversos e de naturezas distintas, ambos tendo em comum apenas e tão somente o fato de contemplarem parentes numa relação de reciprocidade.
Lembro, ainda, que não há falar em ônus e bônus, na medida em que a capacidade sucessória dos parentes colaterais é limitada e eventual, ou seja, eles somente herdam se ninguém os preceder na ordem de vocação hereditária e, mesmo assim, se o autor da herança quiser, isto é, se não nomear outra pessoa, já que tios, sobrinhos e primos são herdeiros facultativos...
No que tange ao conceito de alimentos e à extensão do encargo alimentar, observo que o novo Código Civil Brasileiro simplesmente reproduziu as disposições do anterior, com pequenas e pouco relevantes alterações de redação. E jamais, em tempo algum, cogitou-se da obrigação alimentar além do segundo grau na linha colateral. Ou seja, não há base legal, nem doutrinária para agasalhar uma possível pretensão alimentar entre tio e sobrinho, ou primos entre si.
Quando se cogita de alimentos, na acepção técnica, se está a considerar o sustento, a habitação, o vestuário, a instrução e educação, a assistência médica e odontológica, e tais facetas da obrigação alimentar podem ser reduzidas ou ampliadas, dependendo do vínculo ou da relação jurídica existente entre o alimentante e o alimentando.
A expressão alimentos, porém, deve ser vista sob duplo enfoque. De um lado, objetivamente, há o conteúdo obrigacional, materializado em virtude de lei, a partir de uma causa jurídica preexistente (casamento ou parentesco), da vontade (testamento, doação condicional ou contrato) ou decorrente de ato ilícito (por exemplo, a sentença judicial condenatória, estabelecendo tal pagamento a título de indenização para ressarcir danos provenientes de ato ilícito). De outro, há o direito subjetivo de alguém receber os alimentos. Cuidou a ilustre articulista da obrigação de prestar alimentos decorrentes do parentesco.
Ora, dentro da relação de parentesco, observo que constitui dever legal próprio dos pais prestar o sustento e também assegurar a plena educação aos filhos menores, sendo que a obrigação alimentar, como decorrência do dever de solidariedade familiar, tem substrato legal na regra do art. 1.694 do Código Civil, o qual estabelece que podem os parentes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. Ou seja, os alimentos têm em mira sempre a situação de necessidade pessoal do alimentando (art. 1.695 do Código Civil).
E o Código Civil vigente dispõe, taxativamente, que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns na falta dos outros” (art. 1.696), sendo que “na falta dos ascendentes, cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim os germanos como unilaterais” (art. 1697).
Lembro, por oportuno, que não há qualquer eiva de inconstitucionalidade nessa disposição, na medida em que apenas refere o âmbito do parentesco colateral. Se os irmãos são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, são bilaterais; se forem filhos do mesmo pai ou da mesma mãe, são irmãos unilaterais. Isso nada tem de discriminatório e nada tem a ver com igualdade jurídica entre os filhos. Cuida-se apenas da relação entre irmãos e da forma como o parentesco entre eles se estabelece.
Esse é, pois, o universo de pessoas que mantém reciprocamente relação obrigacional alimentar. E nele não estão contemplados, como se vê, nem os tios, nem os sobrinhos, nem os primos...Ou seja não existe encargo alimentar entre tios e sobrinhos, nem entre primos. A obrigação vai ao infinito na linha reta (pai-filho, avô-neto, bvisavô-bisneto e assim por diante), mas, na linha colateral, não supera o segundo grau, isto é, não vai além dos irmãos, sejam eles unilaterais ou bilaterais.
Os vínculos familiares não podem ser enfraquecidos e a obrigação alimentar, com a marca da reciprocidade, é, seguramente, um dos mais nobres e significativos institutos do nosso ordenamento jurídico e, sintetiza, em si mesmo, o conjunto dos deveres ditados pela solidariedade familiar, na forma estabelecida pela lei.
Trata-se de uma obrigação ética que foi convertida em obrigação jurídica, que a sociedade reclama, a lei impõe e o Estado exige.
* desembargador da 7ª Câmara Cível do TJRS
(Fonte: Artigo publicado no site Espaço Vital - www.espacovital.com.br em 11.10.2004)
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM