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A Suspensão do Regime de Convivência Familiar por Risco de Contágio do Coronavírus
A Suspensão do Regime de Convivência Familiar por Risco de Contágio do Coronavírus
É inegável que estamos diante de um cenário extremamente grave ocasionado pela pandemia da COVID-19 e que o isolamento social tem sido indicado como o principal meio para tentar combater o aumento desenfreado de casos, não só no Brasil, mas no mundo. Neste contexto, surgem novas questões relacionadas às famílias, em especial, quanto ao regime de convivência e visitação dos filhos de pais separados.
Diante da atual situação, é necessário muito equilíbrio e sensatez tanto das partes, como também dos advogados e dos julgadores, para não incentivar o conflito, mas pacificar e conduzir com calma as questões familiares. Assim, o caminho a ser percorrido deve ser o da atuação colaborativa, com vistas a atender ao melhor interesse dos filhos envolvidos.
O cerne da resolução dos conflitos familiares deve ser o bem estar das crianças e dos adolescentes interessados, pois, somente assim sendo, acredita-se que será possível alcançar a justiça e a efetividade da medida aplicada à circunstância, seja quando optar-se pelo afastamento físico de um dos genitores em decorrência do isolamento social, seja quando for determinada a manutenção do direito de visitas por não vislumbrar-se na situação tal necessidade, o que evidentemente dependerá da análise das peculiaridades de cada caso em concreto.
Em diversas situações verifica-se um confronto de interesses entre os pais, de um lado um que acredita que o isolamento social representa a opção mais acertada para os filhos e pretende a suspensão do regime de visitas, enquanto o outro compreende o distanciamento como algo totalmente negativo do ponto de vista emocional, psicológico e afetivo para sua prole, o que, aliás, é totalmente aceitável, pois, não é nenhuma novidade que estes fatores também geram perdas e são capazes de atingir de forma bastante dolorosa as crianças, o que pode trazer consequências negativas que perduram no tempo.
Assim, na análise de cada caso em concreto, a fim de dar a solução que melhor resguarde o interesse dos filhos e que ainda atenda ambos os pais, figura-se de grande importância que sejam considerados determinados aspectos, tais como, se os filhos estão dentro do grupo de risco por serem portadoras de alguma doença crônica ou congênita, por exemplo; se os pais estão cumprindo com as regras de isolamento social evitando um maior risco de contágio e seguindo as normas e orientações das autoridades; se os familiares são do grupo de risco ou representam maior chance de contágio à criança, como é o caso de profissionais da saúde, por exemplo.
Além disso, deve-se considerar se o contato físico de um dos pais com a criança implica em maior risco de contágio, quando, exemplificativamente, esteve ou está em situação que, necessariamente, possa ter sido exposto ao vírus, exemplo: é piloto de avião; é médico e está trabalhando na linha de frente do enfrentamento ao COVID-19; ou ainda, se utiliza de transporte público para levar a criança de uma casa para outra, situações essas que denotam a exposição do menor ao vírus.
A análise de cada caso em concreto exige muita cautela a fim de optar-se ou não pela suspensão do direito de visitas ou do regime de convivência parental, de modo que, a pandemia do coronavírus não pode ser usada como uma desculpa para o rompimento do convívio familiar. Deste modo, não havendo diferenciação das condições do pai ou da mãe, tais como a ausência de comorbidades, a custódia física de ambos deve ser garantida.
Se por um lado a síndrome da Covid-19 causada pelo Coronavírus pode implicar em prejuízos para os menores, isto, SE e SOMENTE, forem contaminados, do mesmo modo, os sentimentos envolvidos nas questões familiares, quais sejam, a dor, a angústia e o sofrimento, podem implicar em prejuízos para todos os envolvidos, principalmente para as crianças e adolescentes, uma vez arrancadas da presença de seus pais, notadamente, por não terem maturidade suficiente para compreender o que está acontecendo no mundo.
Os filhos envolvidos nas questões familiares merecem total atenção. Há se atentar para o fato de que muitos já vêm de um histórico de dor, sofrimento e abalo emocional em decorrência do divórcio dos seus pais. Em muitos casos a separação ainda é muito recente e, portanto, os filhos subitamente estão tendo que adaptar-se a nova realidade familiar, o que por si, pode ter lhes causado abalo emocional, corroborando - se com o afastamento físico, se assim ocorrer.
Não desconsidera-se o fato de que com a explosão de casos em diferentes localidades, atualmente, o isolamento social está sendo recomendado como forma de proteção. Contudo, a medicina psiquiátrica tem considerado outra problemática advinda do atual cenário, a saber, quanto aos efeitos psicológicos decorrentes da mudança da rotina e restrição da mobilidade. De acordo com a pesquisa realizada pelo Dr. Rafael Duarte, a maioria dos estudos indica efeitos psicológicos negativos como sintomas de estresse pós-traumático, sintomas depressivos, tristeza, abuso de substância, estado confusional e irritabilidade.[1]
Neste mesmo aspecto, uma matéria publicada recentemente, que trata sobre os impactos psicológicos da quarentena, demonstra que terapeutas e psicólogos apontam que a pandemia também tem consequências positivas, como a oportunidade de enfrentar realidades emocionais. Todavia, tais benefícios estão associados diretamente com a forma como a quarentena é enfrentada, apontando-se sentimentos de maior intimidade e de camaradagem,[2] como sendo fatores importantes para obter resultados positivos no enfrentamento da situação.
A mesma matéria destaca ainda que segundo Kent Toussaint, terapeuta de família da Califórnia e que trabalha em estreita colaboração com crianças e adolescentes, diz que crianças menores parecem lidar melhor com a crise, pois, estão desfrutando da atenção adicional de ter os pais em casa e porque elas encontram mais tempo para se conectar com os pais, o que segundo Toussaint seria o lado realmente positivo para as famílias no meio dessa situação horrível.[3]
Acontece, porém, que quando se determina o afastamento de um dos pais, os filhos ficam prejudicados, pois, além de ter que adaptar-se com a nova rotina que lhes foi imposta: casa da mãe, casa do pai, (com o advento do divórcio), outra vez, por ocasião da pandemia, acabam sendo penalizadas quando se é determinado o afastamento físico de um de seus pais.
Médicos e psicólogos tem defendido que as pessoas enfrentarão a crise do COVID-19 se encontrarem um ambiente saudável de familiaridade, amizade, convivência, estreiteza, intimidade. São os chamados critérios facilitadores de enfrentamento ao período de crise mundial. Assim, o afastamento de um dos pais, sem que existam critérios efetivos e realmente necessários para tanto, pode ser compreendido como um potencializador do sofrimento dos filhos e, consequentemente, ofensa aos próprios direitos típicos da personalidade.
Neste trilhar, independentemente da sua estrutura e configuração, a família é o palco em que se vivem as emoções mais intensas e marcantes da experiência humana, em especial pelos sentimentos e emoções presentes.[4] E, em sendo assim, a busca do equilíbrio entre tais emoções, somada às diversas transformações na configuração deste grupo social deve ser uma tarefa não só das famílias, mas dos operadores do Direito como um todo, a fim de resguardar as crianças e os adolescentes.
Por esta razão, o que se tem é que o divórcio do par parental não deve atingir de forma negativa aos filhos, o que, indubitavelmente ocorre com o afastamento de um dos pais e representa, de fato, um sofrimento maior do que aquele que já vinha sendo experimentado pelos pequenos envolvidos.
A ausência de um dos pais na vida dos filhos sempre foi considerada um fator de extrema importância e, apesar da existência do vírus, inexistindo no caso qualquer fundamento para que ocorra a flexibilização da garantia constitucional destes menores, quanto à convivência com ambos os pais, deve esta ser mantida e priorizada, por se tratar de um direito fundamental.
Desta feita, somente se a convivência com um dos pais representar para as crianças ou adolescentes risco de contágio ou, se lhes trouxer riscos para a saúde, além do risco normal já existente, parece ser razoável que se considere cabível optar pela suspensão do convívio familiar.
Bárbara Fontoura Souza
Advogada de Família
[1] DUARTE. RAFAEL. Coronavírus: os impactos psicológicos da quarentena. Disponível em: https://pebmed.com.br/coronavirus-os-impactos-psicologicos-da-quarentena/. Acesso em: 21/04/2020.
[2] A palavra camaradagem aparece também nas seguintes entradas:
[3] Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/04/03/interna_internacional,1135266/um-novo-11-de-setembro-os-brutais-efeitos-psicologicos-do-coronavirus.shtml. Acesso em 21/04/2020.
[4] WAGNER, 2002, apud LEITE, Adriane Pereira et al. Projeto Acordar: uma iniciativa multidisciplinar de apoio e orientação ás famílias em conflito. In: NOGUEIRA, Eliane Garcia (coord) Multijuris Primeiro Grau em Ação. Ano II, n. 3., Porto Alegre. Poder judiciário e Ajuris, 2007, p. 32.
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