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A constituição da união estável e a importância da sua dissolução
A constituição da união estável e a importância da sua dissolução
Priscila Navarro Diniz
Pós graduada em Direito Civil. Advogada.
RESUMO
De acordo com os dados da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec) houve, nos últimos anos e inclusive durante a pandemia, um aumento na constituição de uniões estáveis no país, e por este motivo torna-se cada vez mais importante trazer informações a respeito dessa entidade familiar. O artigo busca de forma concisa conceituar a união estável a partir dos requisitos do artigo 1.723 do Código Civil e também a importância de se proceder com a sua dissolução, uma vez que a união estável gera efeitos pessoais e patrimoniais na vida dos conviventes, os quais devem ser extintos e partilhados quando da separação de fato dos companheiros.
Palavras chave: União estável. Constituição. Dissolução. Efeitos pessoais. Efeitos patrimoniais.
ABSTRACT
According to data from the Central Notarial for Shared Eletronic Services (Censec), there has been, in recent years and including during the pandemic, an increase in the constitution of stable union in the country, and, for this reason, it becomes more important to bring information about this family entity. The article concisely seeks to conceptualize the stable union based on the requirements of article 1.723 of the Civil Code and the importance of proceeding with its dissolution, since the stable union causes personal and patrimonial effects in the people’s lives, which must be extinguished and shared when the separation from the parties occurs.
KEYWORDS: stable union. Constitution. Dissolution. Personal effects. Patrimonial effects.
Segundo os dados da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec) do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), entidade que congrega os Cartórios de Notas, as pessoas estão preferindo constituir união estável à contrair matrimônio.
De acordo com o Censec houve um crescimento de 57% no número de uniões estáveis entre 2011 (87.085) a 2015 (136.941), enquanto os casamentos cresceram cerca de 10% no mesmo período. Os dados mostram que cerca de 36, 4% de todos os relacionamentos afetivos existentes no Brasil, segundo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2012, são de relacionamentos consensuais.
As relações consensuais também tiveram um aumento significativo durante o período de pandemia da Covid-19. O 15º Ofício de Notas no Shopping Downtown, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro registrou um aumento de 51% na procura por união estável durante os meses de abril e maio de 2020, contabilizando um total de 153 uniões estáveis, contra 101 realizadas entre o mesmo período do ano passado. Da mesma forma foi registrado um aumento de 30% no número de uniões estáveis no 1º Ofício de Notas de Recife com relação ao mesmo perídio do ano passado.
Assim, devido ao aumento de uniões estáveis no país, torna-se cada vez mais importante o esclarecimento a respeito do que vem a ser o instituto e a importância de se proceder com a sua dissolução quando as partes decidem colocar fim a esse relacionamento.
A união estável se caracteriza pela informalidade, ou seja, ela dispensa qualquer requisito formal para sua configuração como por exemplo a necessidade de uma escritura pública ou de uma decisão judicial.
De acordo com o artigo 1.723 do Código Civil a união estável será reconhecida como entidade familiar quando ela for pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir uma família.
Segundo Paulo Lôbo (2008, p.101) a união estável é um ato-fato jurídico, pois, não necessita de qualquer manifestação ou declaração de vontade das partes para que ela possa produzir seus efeitos jurídicos (apud DIAS, 2015, p.242). Basta apenas que os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil estejam presentes para que haja a configuração da união estável. Assim, ela deve ser pública, no sentido de ser notória no meio social em que os companheiros vivam, deve ser contínua, sem que haja interrupções, duradoura e que os companheiros tenham o intuito de construir uma família.
Para o reconhecimento da união estável é imprescindível que todos os requisitos estejam presentes. Neste sentido, o Tribunal do Rio Grande do Sul entendeu que um namoro de longo anos embora público, duradouro e continuado, não caracteriza união estável por faltar o objetivo de constituir família (TJRS, Processo 70008361990, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, Montenegro, Rel. Juiz José Ataíde Siqueira Trindade, 13.08.2004).
Desse modo, estando todos os requisitos preenchidos, a união estável estará configurada independentemente de qualquer formalidade. No entanto, nada impede as partes de firmarem um contrato de convivência.
O contrato de convivência não cria a união estável, mas, de acordo com Maria Berenice Dias (2015, p.257), este instrumento poderá servir para os sujeitos de uma união promoverem regulamentações quanto aos reflexos da relação. As partes tanto podem estabelecer questões de ordem patrimonial como de ordem pessoal as quais irão prevalecer durante a convivência, isso claro, se todas as cláusulas constantes desse instrumento estiverem em consonância com a lei.
Este pacto firmado entre os companheiros pode ser realizado antes, durante ou até mesmo depois de dissolvida a união estável e pode ser feita por contrato particular ou escritura pública. Para ter efeitos perante as partes basta que o contrato seja feito por instrumento particular. No entanto, caso queiram dar eficácia contra terceiros será necessário que o referido contrato seja feito por escritura pública em um Tabelionato de Notas e posteriormente registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
Maria Berenice Dias (2015, p.258) afirma que o contrato de convivência, assim como o pacto antenupcial, está sujeito a condição suspensiva, ou seja, depende da caracterização da união estável para produzir seus efeitos É de se ressaltar que, mesmo tendo sido firmado o contrato de convivência entre os companheiros, o mesmo pode ser contestado judicialmente seja pela invalidade de alguma cláusula ou mesmo por não ter sido caracterizado a união estável entre os conviventes.
A realização de um contrato de convivência entre os companheiros é requisito não essencial à constituição da união estável, pois, conforme já mencionado trata-se de uma relação informal.
Contudo, a formalização desse contrato de convivência pode prevenir eventuais aborrecimentos quando da extinção da união estável. As partes podem estabelecer, conforme dito, o termo inicial da relação, o regime de bens e outras questões referentes a convivência entre eles. Assim, elaborado o termo de convivência, os companheiros além de deixar às claras o modo como viverão, também podem evitar uma eventual ação de reconhecimento de união estável.
Quanto a extinção dessa entidade familiar, Paulo Lôbo (2020, p.187) aponta que ela termina da mesma forma que se inicia, ou seja, sem qualquer ato jurídico dos companheiros ou decisão judicial, visto que sua causa é objetiva, pautada exclusivamente na separação de fato. No entanto, é muito importante que os companheiros saibam que, finda a relação, devem eles proceder à sua dissolução por meio de um instrumento particular ou público. Isto porque, a constituição da união estável como entidade familiar traz efeitos pessoais e patrimoniais para as partes, devendo essas questões serem extintas.
De acordo com Francisco José Cahali, ainda que a união estável não se confunda com o casamento, esta espécie de entidade familiar gera um quase casamento na identificação de seus efeitos (apud DIAS, 2015, p.252).
Dentre os efeitos pessoais, o Código Civil em seu artigo 1.724 elenca uma série de deveres entes os companheiros como o dever de lealdade, respeito, mútua assistência, dever de guarda, sustento e educação dos filhos.
Quanto ao dever de lealdade imposto pela lei aos conviventes, Flávio Tartuce (2020, p.420) afirma que não se deve confundi-lo com o dever de fidelidade, embora entre eles exista uma certa relação de proximidade, sendo a fidelidade espécie da qual a lealdade é gênero. A fidelidade é dever imposto apenas ao casamento. Logo, dentro de uma união consensual pode existir lealdade mas não necessariamente fidelidade. Tudo vai depender da vontade dos conviventes, que poderão até mesmo prever uma cláusula de infidelidade por meio de um contrato entre as partes.
Já os efeitos patrimoniais decorrem do tipo de regime adotado na união estável. O artigo 1.725 do Código Civil diz que, salvo contrato escrito entre as partes, será adotado, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Pelo regime parcial de bens os companheiros devem partilhar todos aqueles bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, exceto os bens incomunicáveis previstos no artigo 1.659 e 1.661 do Código Civil, ainda que adquiridos apenas em nome de uma das partes, sendo desnecessário a prova do esforço comum.
Portanto, é necessário que se proceda a divisão dos bens adquiridos, visto que entre os companheiros existe um estado de mancomunhão, ou seja, os bens adquiridos de forma onerosa passam a ser de propriedade comum.
Assim, a dissolução da união estável é de extrema importância, pois, tem o objetivo de extinguir os efeitos pessoais, inclusive o dever de lealdade entre os conviventes e também os efeitos patrimoniais decorrentes da relação, colocando fim ao estado de condomínio entre os companheiros.
A dissolução da união estável pode ser amigável ou litigiosa. Segundo Paulo Lôbo (2020, p.187) a dissolução amigável pode ser feita até mesmo por instrumento particular. Também podem as partes formalizarem a dissolução consensual da união estável por meio de escritura pública lavrada em Cartório de Notas devendo estar as partes assistidas por advogado ou defensor público conforme artigo 733, § 2º do Código de Processo Civil.
Quanto a dissolução da união estável por meio de escritura pública, além dos conviventes estarem de acordo com todos os termos da dissolução, é necessário também que entre as partes não exista filhos menores ou incapazes, nem estar a convivente grávida.
Além das questões patrimoniais outros assuntos de suma relevância também deverão ser estipulados quando da dissolução da união, como por exemplo, pagamento de alimentos, seja em favor do outro companheiro ou em favor dos filhos, direito de guarda e respectivo direito de convivência.
Quanto aos alimentos, o artigo 1.694 do Código Civil garante o direito recíproco dos companheiros de pleitearem esse direito. No entanto, caso o companheiro constitua nova união estável ou venha a contrair matrimônio cessará para o devedor a obrigação de prestá-los, conforme a norma do artigo 1.708 do Código Civil.
Para Francisco José Cahali, é durante a fase da dissolução da união estável que se deve discutir eventual obrigação alimentar, pois, superada esta fase, outro instante será inadequado à pretensão alimentar (apud PEREIRA, 2019, p.733).
Nesse sentido, o Código de Processo Civil no seu artigo 731, prevê que a escritura pública de dissolução de união estável deve conter disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns, aos alimentos entre os companheiros, o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e o regime de visitas e o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Importante ressaltar que o parágrafo único do referido dispositivo traz a possibilidade da partilha de bens do casal ser feita após a homologação da extinção da união estável, no caso de não haver entre as partes, no tempo da dissolução, acordo sobre a divisão do patrimônio.
Havendo filhos menores ou estando a companheira grávida ou até mesmo existindo litígio entre os companheiros a extinção da entidade familiar deverá ser feita judicialmente. De acordo com os ensinamentos de Paulo Lôbo (2020, p.188) caso uma das partes se negue a confirmar a existência da união estável, a ação de dissolução poderá ser cumulada com um pedido incidental de declaração de reconhecimento da relação familiar, pois, caso isso não aconteça, poderá existir controvérsias acerca do termo final da relação.
Conclui-se então que, logo após a separação de fato entre os companheiros, é recomendável que eles procedam a sua dissolução com o objetivo de colocar fim a comunhão de vidas e extinguir os efeitos pessoais e patrimoniais, além de poder estipular no instrumento pública ou particular de dissolução quais serão os direitos e deveres de cada um dali por diante, como questões relativas aos alimentos, guarda, direito de visitas e divisão patrimonial.
Além disso, a dissolução da união estável pode evitar problemas relacionados à partilha de bens e ainda assegurar que não ocorra confusão patrimonial caso as partes se envolvam em um novo relacionamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 15 jul.2020.
COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL. O dia: união estável- início e fim. Disponível em:https://www.cnbsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MTc3MDY=&filtro=&Data=. Acesso em: 02 jul. 2020.
CONSULTOR JURÍDICO. União estável só é provada se casal quer constituir família. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2005-mar-14/tj-rs_nega_pedido_professora_namorou_anos. Acesso em: 02 jul.2020.
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DIARIO DO RIO.COM. Cartório do rio registra aumento de 51 na procura por união estável. Disponível em: https://diariodorio.com/cartorio-do-rio-registra-aumento-de-51-na-procura-por-uniao-estavel-nos-meses-de-abril-e-maio/. Acesso em: 02 jul.2020.
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PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 705-744.
TARTUCE. Flávio. Direito de Família. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 375-446.
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