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O Direito frente ao Ódio Dois Crimes contra LGBTI+ em Nova Friburgo (Cidade da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro)
O Direito frente ao Ódio
Dois Crimes contra LGBTI+ em Nova Friburgo
(Cidade da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro)
Fátima Maria Marins Guerreiro*
Resumo: Com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733 pelo Supremo Tribunal Federal, a homofobia e a transfobia passaram a ser equiparadas a crimes de racismo até que sobrevenha lei do Congresso Nacional reconhecendo tais condutas como crimes, mas com previsão de sanção. Porém, apesar deste esforço no julgamento, a situação não de ódio não se modificou, pois para uma sociedade tão conservadora, não serão leis que mudarão comportamentos, ações e práticas. Neste artigo, duas entrevistas anteriores ao julgamento, demonstram a realidade que ainda perdura no país. Depreende-se que sequer se iniciou a mudança necessária para uma sociedade democrática e zelosa dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do respeito à diversidade.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal – homofobia - transfobia
Abstract: With the judgment of the Direct Action of Unconstitutionality by Default (ADO) 26 and Injunction Warrant (MI) 4733 by the Supreme Federal Court, homophobia and transphobia began to be equated with crimes of racism until the law of the National Congress recognizes these conducts as crimes, but with sanction provision. However, despite this effort at the trial, the non-hate situation has not changed, because for such a conservative society, it will not be laws that will change behavior, actions and practices. In this article, two pre-trial interviews demonstrate the reality that still lingers in the country. It appears that the necessary change for a democratic and zealous society has not yet begun on the constitutional principles of human dignity and respect for diversity.
Keyword: Federal supreme Court – homophobia – transphobia
Sumário:
- Considerações iniciais ……………………………………………………………………....2
- Apresentação e discussão dos resultados..........................................................................4
- Duas ocorrências em Nova Friburgo.................................................................................6
- Conclusão e Análise........................................................................................................11
* Licenciatura Plena em História pela PUC/RJ; Bacharelado em Direito pela UFRJ; Pós-Graduação lato sensu em Direito Civil-Constitucional pelo CEPED/UERJ; Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidad Columbia. Téc. Nível Superior da Advocacia Geral da União – AGU, Escritório Avançado da PGF em Nova Friburgo.
- Considerações iniciais
Em 13 de junho de 2019, faz pouco mais de um ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e o Mandado de Injunção (MI) 4733, em mais uma proatividade em razão da omissão inconstitucional do Congresso Nacional em não editar lei que criminalize atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais, chamados de homofobia e transfobia. A relatoria coube, respectivamente, ao Ministro Celso de Mello e ao Ministro Edson Fachin, conforme consta na página da Corte nas “Notícias STF”.
A partir deste julgamento a homofobia e a transfobia configuram-se como crimes equiparados ao crime de racismo, até que sobrevenha lei do Congresso Nacional reconhecendo tais condutas como crimes, com previsão de sanção.
Todavia, nos últimos anos, conforme dados do Grupo Gay da Bahia, em especial, o ano de 2017, o país assistiu ao aumento percentual desproporcional de homicídios de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros em relação aos anos anteriores. Estes dados comprovam que ocorreu um aumento de trinta por cento de assassinatos em relação ao ano de 2016, um aumento considerável.
Então, torna-se necessário, ao final deste artigo, verificar se a realidade dos LGBTI+ mudou após o julgamento.
Por exemplo, o Relatório 2017[1] sobre Mortes de LGBTI+ no Brasil, de autoria do Grupo Gay da Bahia, documenta que ocorreram 445 mortes de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais vítimas de homotransfobia. Segundo este relatório, confirma o aumento considerável de 2016 para o ano de 2017. Afirmando que:
“a cada 19 horas um LGBT é barbaramente assassinado ou se suicida vítima de “LGBTfobia”, o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se muitíssimo mais homossexuais aqui do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT. E o mais preocupante é que tais mortes crescem assustadoramente: de 130 homicídios, saltou para 260 em 2016 e 445 mortes em 2017.”
A essência do ódio teve um salto significativo nas eleições de 2014, e o Estado brasileiro não fez nenhuma demonstração de seu poder de Império, não impediu ou sequer puniu os autores de discurso de ódio aos LGBTI+ em decorrência dos votos profundamente diferenciados. Conforme esclarece Mello e Pereira[2]:
“As campanhas políticas, por exemplo, aqui e acolá, se transformaram em exercícios virtuais de ódio. O bom marqueteiro ou consultor de Marketing Político, para usar a denominação correta, é aquele que melhor trabalha com o discurso de ódio, como vimos nas últimas eleições aqui no Brasil, nos Estados Unidos e na recente eleição na França. Argumentando com a raiva e a mentira, o discurso de ódio, semelhante a um vírus, se espalha no corpo social, fato que tira totalmente a necessária natureza democrática do pleito eleitoral, dando origem, além disso, aos estelionatos eleitorais que há várias eleições se manifestam no Brasil. Redes sociais como Facebook, Twiter e Instagram, diariamente divulgam discursos de ódio versando sobre racismo, opções políticos-partidárias e homofobia, mensagens expressando preconceitos e discriminações.”
É nesta ausência do Estado no pós-impeachment que cresceu o número de homicídios de LGBTI+ e que seguem aumentando, sem a adoção de políticas públicas, enquanto o ódio ao diferente tende a continuar crescendo, sem investigação por parte do aparato policial do Estado, em geral, conforme demonstrado adiante, ficando notório que o julgamento da Corte Suprema nada alterou.
Neste sentido, opta-se por uma região geograficamente menor, cito Nova Friburgo, pois o Relatório utilizou-se da divisão do país em suas grandes regiões, narrando casos bárbaros de violência e homicídio, não se diferenciando o discurso de ódio comum em todas as regiões, reproduzindo-se no mesmo comportamento violento.
Importante relembrar que ninguém pode negar que a liberdade de expressão tem limites, mesmo reconhecendo que foi um avanço dos direitos humanos e uma conquista da humanidade ao longo de séculos e com muita luta.
O discurso de ódio, apesar de não estar explícito, há claramente a sua vedação no texto constitucional, restringindo quando expressa a vedação ao anonimato, conforme consta do inciso X do artigo. 5º e combinado com o artigo 220, parágrafo primeiro que garante a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem. Sem se esquecer dos princípios da não discriminação sexual, da dignidade da pessoal humana, do direito à igualdade, sem distinção de qualquer natureza.
Num turbilhão de maldades, o Estado acaba por reproduzir o preconceito em face da orientação sexual a partir do momento que não computa em suas estatísticas de homicídios diferenciando os LBGTQI+, quando não dá continuidade à investigação policial de tantos homicídios, ameaças e violências que se somam a cada ano. Desprezando fatores relevantes para elucidar o crime que se torna mais uma longa estatística, como afirma o relatório da GGB:
“Crimes contra minorias sexuais geralmente são cometidos de noite ou madrugada, em lugares ermos ou dentro da residência, dificultando a identificação e prisão dos autores. Quando há testemunhas de visu, muitas vezes estas se recusam a depor, devido ao preconceito anti-LGBT. Muitos policiais, delegados e juízes manifestam igualmente sua homotransfobia ignorando tais sinistros, negando sem justificativa plausível sua conotação de crime de ódio.
Em menos de ¼ desses homicídios o criminoso foi identificado e menos de 10% das ocorrências redundaram em abertura de processo e punição dos assassinos. A impunidade estimula novos ataques. A maior parte dos assassinos identificados era desconhecida da vítima, relacionamento casual. Alguns críticos que negam a especificidade LGBTfóbica desses crimes costumam alegar que a maioria dos homicidas eram companheiros das vítimas, tentando descaracterizar a conotação de crimes de ódio, hipótese descartada pelos dados empíricos da pesquisa: apenas 4% (18) dos criminosos eram companheiros ou ex-companheiros das vítimas. E mesmo nesses casos, como ocorre na caracterização do feminicídio, é a ideologia machista que empodera o “sexo forte” em detrimento do “sexo frágil”, no caso dos LGBT, tipificado pela maior vulnerabilidade do passivo, do efeminado ou andrógino, da lésbica mais feminina vis-avis a mais masculinizada.”[3]
Depreende-se que o ódio pode ser entendido neste estudo como a extrema aversão ao outro, ou seja, àquele cuja orientação sexual ou identidade de gênero se difere e é identificada como sendo LGBTI+. Isto é, o sujeito de direito aqui é qualquer pessoa identificada como LGBTI+, contra a qual se dirige o mais primitivo dos sentimentos do ser humano – o ódio – e que traz consequências graves, uma vez que a violência é latente, podendo causar lesões corporais e até a morte do outro, a quem se tem aversão.
2. Apresentação e discussão dos resultados
Antes de adentrar nas entrevistas, cabe acrescentar que para compreender as nuances deste artigo é necessário enfrentar uma realidade pouco estudada pela Academia – o direito à sexualidade. Apesar de uma nova abordagem quanto aos direitos das pessoas, pois o direito à sexualidade não se restringe tão somente à reprodução, mas ao direito das pessoas quanto à forma de vida, de expressar seu gênero e desejos perante a sociedade, é essa realidade pouco estudada, acarreta a ausência de conhecimento. A falta de educação humanizada é que propicia a violência, como uma variável do ódio que produz muitas vítimas, sendo necessária a adoção de prevenção e de freios aos ímpetos perversos de algumas pessoas na sociedade. O Direito precisa vencer essa obscuridade, não é mais possível “esquecer” o outro, individualizado dentro da complexidade da sociedade.
No Brasil, ainda há obstáculos quando se trata da questão de gênero e orientação sexual, é assunto tabu, apesar da votação unanime quanto ao reconhecimento de casais homossexuais como entidade familiar pelo Supremo Tribunal Federal[4], a violência ainda impera.
Importante verificar o atraso do Brasil, por exemplo, no site de notícias Hypeness (https://www.hypeness.com.br), consulta em 14 de setembro de 2018, na coluna Diversidade, informa que “Nova York agora reconhece 31 diferentes tipos de gênero”. Todavia, o Brasil ainda tem dificuldade quanto ao respeito à diversidade sexual, mas o direito existe por causa das pessoas, logo, há a necessidade de se discutir essa nova realidade.
Para Roger Raupper Rio, “os direitos sexuais devem ser compreendidos no contexto da afirmação dos direitos humanos, ao invés de apartá-los e concebê-los de modo paralelo aos princípios fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948”.
Pode-se afirmar que os direitos sexuais estão correlacionados à orientação sexual ou identidade de gênero e estes estão inseridos nos princípios dos direitos humanos, em especial, a necessidade do indivíduo quanto a sua identidade.
A orientação sexual ou identidade de gênero no Brasil tem sido desprezada pelos parlamentares por muitas décadas. No entanto, paralelamente a esta postura, longe da realidade social, um grupo de vinte e nove especialistas em direitos humanos, representando vinte e cinco países, em novembro de 2006, na Universidade Gadjah Mada, em Yogyakarta, Indonésia, com experiência e conhecimento em legislação de direitos humanos, elaborou os chamados “Princípios de Yogyakarta” que tratam de normas de direitos humanos e de sua aplicação a questões de orientação sexual e identidade de gênero. O Brasil é signatário dos Princípios de Yogyakart, mas ainda não programou estes princípios no nosso cotidiano.
No caso dos dois crimes contra homossexuais, ocorridos recentemente, em Nova Friburgo, aqui abordados, vários Princípios de Yogyakarta foram desrespeitados, uma vez que não respeitaram a orientação sexual das pessoas e consequentemente, sendo agredidos e um veio a óbito.
Na realidade, tais discriminações também perpassam o aparato estatal, em especial, o desconhecimento de direitos basilares das pessoas LGBTI+ por parte de prepostos do ente público, os policiais.
Todas as orientações do Yogyakarta são desconhecidas por parte dos representantes do ente público, que demonstra total despreparo para com a questão, em especial, a Polícia Militar que tem o dever de estar nas ruas para evitar violências, agressões e ameaças e a Polícia Civil, que tem o dever da investigação. Quando os policiais se omitem, os órgãos públicos que representam se demonstram homofóbicos, ignorando que se trata de crime de ódio, agressões e morte com requintes cruéis, inclusive, destruindo a identidade do agredido. Essa é uma das formas de afronta aos direitos fundamentais do ser humano. Como afirma Sarlet “sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade”[5]
A ponderação de Roger Raupp Rios é importante para uma reflexão mais profunda sobre o tema:
“O que importa, portanto, é visualizar os direitos sexuais a partir dos princípios fundamentais que caracterizam os direitos humanos, criando as bases para uma abordagem jurídica que supere as tradicionais tendências repressivas que marcam historicamente as atuações de legisladores, promotores, juízes e advogados nesses domínios. A partir desta perspectiva, estabelecem-se as bases para, superando-se regulações restritivas, concretizarem-se os princípios básicos da liberdade, da igualdade, da não discriminação e do respeito à dignidade humana na esfera da sexualidade. Esses princípios básicos, levados à sério, serão decisivos para o reconhecimento das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, ...”[6]
Roger Raupp Rios aponta para uma questão fundamental, que é a necessidade da sociedade hodierna se educar quanto aos princípios fundamentais, incluindo os direitos sexuais, pois a sociedade não foi educada a respeitar as diversidades, ainda traz consigo os dogmas de uma lógica perversa do pecado, da imposição de padrão de normalidade no contexto conservador e muitas vezes, hipócrita e cadastrador de mudanças, refletindo nas atuações de Legisladores, Promotores, Juízes e Advogados, também.
A luta pela pauta identitária é fundamental e é dever dos Operadores do Direito, até porque o Brasil é líder no ranque de mortes de LGBTI+. Para mudar, só a luta coletiva de diversos segmentos para fazer valer o respeito à questão identitária.
O objetivo deste artigo não é aprofundar a questão identitária, mas tão somente esclarecer sua importância quando se trata de crime de ódio.
Os LGBTI+ geralmente estabelecem espaços físicos comuns, laços afetivos entre si a partir da identificação, como forma de não só de associação, dada com objetivo de organização, luta e, inclusive, estabelecimento de relações interpessoais que ajudem a enfrentar discriminações, preconceitos, ameaças e terem uma resposta como grupo, sem esquecer a segurança, tão importante para a liberdade. Estes grupos precisam do apoio dos Operadores do Direito para concretizarem seus direitos.
Para Butler[7] o processo de identificação para LGBTI+ é complicado, pois precisa se reconstruir, negar-se e assumir outra identidade a partir de sua vivência. Certamente, é preciso enfrentar o machismo, o sexismo e a heteronormatividade, o preconceito e a discriminação. Estes fatores afetam toda a psique do indivíduo até ele ter clareza de sua identidade, a que será assumida perante o grupo, na família, na sociedade, na igreja, na escola e no trabalho.
Este reconhecimento de comunidade e questão identitária auxilia enormemente ao Estado quanto à elaboração de políticas públicas a serem adotadas para este segmento da sociedade.
No entanto, quanto à questão identitária se depara com homicídios, é importante ter o reconhecimento por parte da família e não somente da comunidade LGBTI+, com o objetivo de impor à investigação policial voltada para questão, evitando sua ocultação. E fundamental, quando ocorrem crimes de ódio como motivador de assassinatos, ameaças, agressões, violências que sejam investigadas pela polícia especializada como agressão à LGBTI+, caso contrário, serão tratados como caso comum, sendo tão somente mais um caso.
3. Duas ocorrências em Nova Friburgo
1 - Em Nova Friburgo, em 24 de junho de 2016, um rapaz de 24 anos, homossexual assumido, foi assassinado. A crueldade para com o corpo da vítima dá indícios de homofobia. Esta investigação segue sob sigilo.
2 - No dia 7 de dezembro de 2017, Felipe Fernandes, 22 anos, foi agredido quando estava num bar com amigos, num espaço com muitas pessoas que presenciaram o fato. Ele teve seu rosto cortado por um copo de vidro desferido por seu agressor após ter-lhe dado uma cabeçada. Segundo a vítima narrou ao G1[8]: “Foi só um esbarrão e ele começou a discutir até me agredir. Primeiro foi uma cabeçada e depois fui atingido com o copo de vidro no rosto. A gente acha que isso nunca vai acontecer. Ainda fiquei me perguntando o que foi que fiz de errado”. No dia seguinte, o agressor se utilizou das redes sociais para afirmar que não é homofóbico.
Os dois casos foram registrados na 151ª Delegacia de Polícia e ao G1 o Delegado Henrique Pessoa afirmou que as investigações seguem “sob sigilo”.
Com a preocupação já delineada neste artigo, optou-se por duas entrevistas quanto a LGBTfobia. Uma entrevista junto ao Centro de Cidadania LGBTI – Hanna Suzart e a outra com o Delegado da 151ª DP, unidade policial para atendimento público de Nova Friburgo, segundo dados da rede mundial de computadores, base e administração de operações policiais, investigações criminais e detenção temporária de suspeitos e presos em flagrante delito.[9]
Certamente, crimes como estes já ocorreram em Nova Friburgo. Parte de a sociedade civil acreditar na existência de crime de ódio face à população LBGTQI+, tendo ocorrido vários outros incidentes (sic), mas este artigo somente se preocupará com estes dois crimes citados anteriormente, pelo fato de ainda estarem presentes na memória da Cidade, apesar da taxa deste tipo de crime em Nova Friburgo ser considerada alta[10].
Neste diapasão, importante salientar que a base de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que consolida as certidões de registro de óbito emitida no Brasil no local de ocorrência do advento morte, identifica os óbitos por homicídio por causa externa, anotados com o CID-10 em razão de agressões intencionais de terceiros.
Analisando os índices de homicídio per capta distribuídos pela população no país, verifica-se que foi utilizado o banco de dados do DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil), que utiliza dados fornecidos pelo IBGE.
O sistema de dados do DATASUS não fornece informações por questão identitária das vítimas, mas por gênero, quanto ao dado binário, ou seja, se homem ou mulher, logo, não há dados quanto ao homicídio cometidos em face de LGBTI+.
Já o Ministério dos Direitos Humanos recebe denúncias sobre homicídios contra população LGBTI+ através do Disque 100, um serviço ofertado 24 horas por dia, inclusive, aos sábados, domingos e feriados, e disponível em todo o território nacional. Mas estes números podem ser subnotificados, uma vez que depende de terceiros que denuncie, logo, não são dados precisos.
O Grupo Gay da Bahia faz um trabalho mais minucioso quanto ao levantamento de dados sobre homicídio de LGBTI+ em todo território nacional, conforme já citado, se utilizando de informações da própria comunidade, de amigos, de vizinhos, de reportagens, da internet e de dados das delegacias de polícia.
Nas entrevistas a seguir, essas questões ficam mais evidentes, sendo possível perceber o desprezo por parte do Estado quando se trata de violência em face de LGBTI+, pois a Delegacia Policial é a reprodução da indiferença quando a questão perpassa à questão identitária.
No questionário entregue ao Centro de Cidadania se deram as perguntas abaixo:[11]:
- O Centro de Cidadania LGBTI+ – Hanna Suzart é uma Unidade da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Nova Friburgo? Quais são suas atribuições na perante a sociedade civil deste Município?
Resposta: O CCLGBTI Serrana – Hanna Suzart é uma unidade do Programa Estadual Rio Sem Homofobia – órgão que pertence a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Políticas para Mulheres e Idosos e atua em parceria técnica com Prefeitura Municipal de Nova Friburgo, através da Secretaria Municipal de Assistência Social, Direitos Humanos e Trabalho.
Presta serviços de atendimentos à população LGBTI+, familiares e amigos vítimas de discriminação e violência LGBTI+fóbica.
Atua nas áreas: do serviço social, psicologia e jurídica com acolhimento, orientação, encaminhamento e acompanhamento das demandas da população LGBTI+.
- A inserção na comunidade LGBTI+ é bem aceita? Como se dá esta inter-relação? É bem aceita e há retorno do trabalho realizado pela Equipe de Apoio?
Resposta: A comunidade LGBTI+ tem acessado bastante os serviços e considerado ser de extrema importância ter no município um órgão que além de atender demandas especificas, atua na promoção de ações afirmativas, garantindo o acesso a cidadania, e estabelecendo um diálogo com a sociedade e com as instituições públicas nas conquistas de direitos.
O retorno da atuação eficaz do Centro de Cidadania LGBTI é a crescente procura da população aos serviços oferecidos.
- Estas perguntas tem um objetivo voltado para casos de violência, em especial, o homicídio ocorrido em decorrência da orientação sexual. Em Nova Friburgo, já ocorreram um homicídio e uma lesão corporal que chocaram a Cidade, isso não significa que tenham ocorrido somente estes dois crimes. Qual o papel desempenhado pela Equipe da Hanna Suzart nestes crimes?
Resposta: Quando toma ciência dos crimes, a equipe do Centro de Cidadania LGBTI verifica inicialmente se a vítima é / era usuária dos serviços. Em seguida faz buscas em hospitais, delegacias e ou outras instituições para obter informações sobre o ato / fato; tenta fazer contato com familiares para oferecer apoio jurídico, psicológico e social.
- Dando continuidade à pergunta anterior, qual a colaboração da família? Há o reconhecimento identitário por parte da família ou somente por parte da comunidade LGBTI?
Resposta: Na maioria dos casos a família não reconhece a identidade sexual da vítima. Esse fato contribui para que não aceitem apoio do Centro de Cidadania LGBTI e dificulta com esse órgão possa acompanhar a apuração dos fatos, o que faz com que os crimes por LGBTfobia sejam subnotificados.
- Quais são as políticas públicas quanto aos trabalhos realizados pelo Centro de Cidadania Hanna Suzart?
Resposta: O Centro de Cidadania LGBTI Serrana - Hanna Suzart, tem por objetivo atender as demandas específicas da população LGBTT, bem como de seus familiares e amigos vítimas de discriminação e violência LGBTfóbica.
Além disso, realizam seminários, fóruns e encontros de rede de apoio em prol do desenvolvimento social da população LGBTI, orientando os LGBTI e a sociedade em geral sobre direitos e deveres, fortalecendo a rede de apoio social por meio de ações de capacitação e sensibilização de agentes e gestores públicos, para lidar com a população LGBTI em suas demandas, contribuindo para a inclusão dessas nos serviços públicos disponíveis no município, garantindo cidadania plena.
- Retornando aos casos de homicídios ocorridos em Nova Friburgo, os dois casos que chocaram a sociedade civil foram de extrema crueldade e perversidade. Você tem alguma reflexão sobre essa característica utilizada pelos homicidas?
Resposta: A LGBTfobia se define como ódio e aversão irracionais contra homossexuais. Podemos pensar que o sujeito agressor “quer matar” a “homossexualidade” além da vítima. A violência que envolve os crimes de ódio é uma questão complexa, com vários componentes.
Sujeitos extremamente LGBTfóbicos podem estar projetando suas próprias tendências e repulsas à homossexualidade em suas vítimas. Essa crueldade traz a ideia de punição e castigo, um “preço” a pagar pelo “pecado” que cometem.
Pode-se afirmar que essa entrevista é de fundamental importância para este artigo. Inclusive, veio ao encontro do cerne do problema, confirmando a estatística, comprovando que o ódio está presente no dia-a-dia em face dos LGBTI+’s. Não se pode negar que o comportamento dos Parlamentares que, também, destilam ódio, é uma reprodução dos representados (eleitores). Fica notória a ausência de um trabalho preventivo por parte do Estado, mediante políticas públicas que objetive o fim do preconceito ao diferente, educando a sociedade para o respeito à diversidade sexual. Enfim, pode-se dizer que o ódio se confirma nos dados anuais do Grupo Gay da Bahia, culminando no assassinato do outro que “incomoda” o homicida.
Fica mais preocupante perceber a ausência do Direito nesta realidade, apesar dos esforços da equipe em prol dos LGBTI+’s neste tipo de Centro de Cidadania, uma vez que essa comunidade fica isolada no seu medo, sendo um diminuto auxílio, sem grande apoio por parte do Estado.
Outro questionário foi entregue ao Delegado Titular de Polícia da 151ª Delegacia de Polícia[12] de Nova Friburgo.
- O Ministério da Saúde, através de dados do DANASUS, realiza o levantamento dos homicídios no Brasil qualificando com o CID-10 em razão de agressões intencionais de terceiros. A partir deste dado, os homicídios ocorridos em Nova Friburgo, em especial, quando a vítima é homossexual, há essa informação ao DANASUS quanto à orientação sexual ou é informado o sexo de nascimento da vítima?
Resposta: Os dados da Delegacia Policial não estão interligados diretamente ao DANASUS, ou seja, não somos nós que repassamos estes dados e acredito que sejam obtidos junto ao ISP (Instituto de Segurança Pública), órgão ligado à SESEG (Secretaria de Segurança), mas já adianto que nos registros de ocorrência NÃO HÁ CAMPO ESPECÍFICO para o policial marcar a orientação sexual da vítima, mas poderá constar na dinâmica do fato narrado este dado, caso seja de relevância para a investigação, podendo constar no procedimento, se assim desejar, o NOME SOCIAL.
Acrescentou: Existe uma PORTARIA DA PCERJ nº848/2018 (em anexo) que institui o protocolo de rotinas básicas a serem adotadas nas ocorrências de violência contra a mulher TRANS e TRAVESTI.
Você poderá questionar se existe rotina para o atendimento de outros gêneros que não descritos na citada portaria, entretanto, o protocolo será sempre o mesmo, ou seja, respeitando o cidadão seja qual for sua orientação sexual, devendo os órgãos correcionais serem informados caso ocorra alguma falha do policial, ou mesmo ser informado ao Ministério Público ou a outros órgãos (Secretaria de Direitos Humanos, OAB, ONGs etc.).
É cediço que há casos de desrespeito, não só das polícias, em relação às diferentes formas de orientação sexual, haja vista todos os fatores citados pelos estudiosos (preconceito, falta de educação etc.), tanto que além das legislações aplicáveis aos casos concretos, existe no âmbito do estado do RJ a Lei Estadual nº 7041/2015 (no anexo).
O ideal é que tivéssemos uma sociedade que respeitasse as diferenças e não precisássemos de leis para coibir os abusos e a falta de respeito, mas o que assistimos é exatamente o contrário, ainda precisamos até do direito penal muitas das vezes, para proteger a vida, a honra e outros bens jurídicos das pessoas.
- Quando da Investigação Criminal, que é o início da atividade de verificação de determinado fato, supostamente criminoso, a orientação sexual da vítima, os excessos cometidos em face da vítima, a tipificação do crime, são questões importantes para a qualificação de crime de ódio?
Resposta: Quanto ao item 02, inicialmente gostaria de frisar que os denominados "crimes de ódio" são crimes motivados pelo preconceito, mas que abrangem outros grupos, não sendo crimes de ódio somente os relacionados à orientação sexual da vítima.
Nesta toada, em uma investigação criminal, no caso concreto, todos os fatores citados por você são levados (ou deveriam ser) em consideração acerca das vítimas e, logicamente, não só a orientação sexual é fator preponderante, mas até mesmo a raça, religião, idade, sexo, identidade de gênero etc. (tudo a depender do contexto da violência no caso concreto). Não é pelo fato de uma pessoa ter uma opção sexual A ou B que será o fator determinante para a linha de investigação (é uma das linhas a ser levada em consideração), vamos dar o exemplo de um travesti assassinado com requinte de crueldade, ou seja, este cidadão pode ter sido assassinado em razão do preconceito quanto a sua orientação sexual, mas também poderá ter sido vítima em razão de outros fatores (envolvimento com o tráfico, dívida, queima de arquivo, crime passional etc.). O que quero dizer com isso é que somente no caso concreto e no decorrer da investigação é que esta hipótese poderá ser esclarecida ou não.
- Em 2016, um rapaz de 24 anos, homossexual conhecido na Cidade foi assassinado com sinais de apedrejamento. Esta crueldade é qualificada por Antropólogos como crime por homofobia. Este dado foi importante nesta investigação? O Ministério Público acatou o Inquérito Policial? E,
- Em 2017, um rapaz, Felipe Fernandes, assumidamente gay, teve seu rosto cortado por um copo de vidro desferido por seu agressor após ter-lhe dado uma cabeçada, inclusive, a vítima ficou perplexa com o grau de agressividade, pois já tinham se visto antes e foi só um esbarrão num lugar cheio de pessoas. O agressor se utilizou das redes sociais para se justificar que não é homofóbico. A vítima assumiu sua identidade gay e sua fala demonstra que ocorreu um excesso em razão da sua orientação sexual. A questão identitária foi respeitada nesta investigação?
Resposta: Em relação aos questionamentos 03 e 04 e após pesquisas nos bancos de dados, identificamos os dois casos citados e que ainda estão em andamento (inquérito policial), entretanto, descrever aqui todas as diligências realizadas em sede policial seria complicado, mas de plano, já determinei ao Inspetor de Polícia de plantão que preste todas as informações necessárias e lhe dê amplo acesso aos autos para ajudá-la na formação de sua opinião. Acho que assim será mais proveitoso e você conseguirá extrair as informações que realmente te interessam.
- Nesta Delegacia há queixas por partes da comunidade LBGTQI+ de Nova Friburgo quanto a ameaças e crimes de ódio?
Resposta: Quanto ao último questionamento, assumi a titularidade da DP em abril do corrente ano, não tendo sido procurado até a presente data por parte de nenhum representante de qualquer comunidade LBGT de Nova Friburgo, estando à disposição de quem necessite de quaisquer esclarecimentos.
Como dito naquela conversa informal, o município de Nova Friburgo em termos dos denominados “crimes de ódio” não seria o melhor laboratório para a análise destes casos específicos, tendo em vista o número de habitantes e casos concretos para estudo caso a caso, diferentemente do que ocorre em outros lugares.
Para se ter uma ideia, no último trimestre (JULHO, AGOSTO e SETEMBRO) tivemos 06 ocorrências de homicídios consumados, sendo que em todos estes crimes a motivação girou em torno do envolvimento (comprovado) das vítimas com o tráfico de drogas.
4 – Conclusão e Análise
Pode-se afirmar que na entrevista com o Delegado de Polícia ocorreu o inverso da entrevista com o Centro de Cidadania Hanna Stuart. Fica comprovado que não interessa no Inquérito Policial o aprofundamento quanto aos problemas enfrentados pela comunidade LGBTI+, sendo estes tratados superficialmente, tábula rasa, como se fossem problemas comuns à sociedade e banalizados, não havendo distinção entre as motivações que diferenciam os crimes e não sendo considerada como crime de ódio a homofobia/ transfobia. Mesmo com a posição do Supremo Tribunal Federal quanto ao reconhecimento da comunidade LGBTI+, mas o Poder Executivo permanece na inércia.
O Estado, apesar de adotar providências quanto ao tratamento em face dos LGBTI+’s, na prática o seu atendimento a essa comunidade representa justamente o contrário do que se propõe, refletindo uma postura homofóbica, que afasta e inibe a procura pela proteção nas Polícias por essa mesma comunidade. Mas há contradição, pois os Centros de Cidadania LGBTI+ são promovidos pelo mesmo Estado que nega mais políticas públicas.
No Estado do Rio de Janeiro, aos trancos e barrancos, também há falhas nas políticas públicas para os LGBTI+, fato comum pelo país como, pois o julgado do Supremo Tribunal Federal não encontrou eco na sociedade. A situação é tão esdrúxula que o levantamento de homicídios de homossexuais no Brasil ainda é realizado por uma Organização Não Governamental – ONG – o Grupo Gay da Bahia que através de levantamento utilizando diversas fontes que passam de informações de conhecidos das vítimas, reportagens e inquéritos na polícia, fato este que pode ser indício de subnotificação.
Em outras palavras, não se interessa pelo Inquérito Policial, uma vez que se trata de crime, até para adotar qualquer política pública quanto aos LGBTI+. Já o Ministério dos Direitos Humanos, conforme já informado, recebe denúncias através do Disque 100, fazendo levantamento de dados quanto homicídio de LGBTI+ através de terceiros.
No homicídio em Nova Friburgo, o Inquérito Policial em segredo de justiça, segundo informações do Inspetor designado, fatalmente será arquivado, uma vez que não há testemunha e nem câmeras de segurança nos arredores do local do fato para ensejar uma investigação.
Quanto ao Felipe Fernandes que teve seu rosto cortado, o Inquérito Policial foi enviando ao Juizado Especial Criminal porque o crime foi considerado de menor potencial ofensivo. Fato este que cabe sérias críticas, pois a vítima ficou com uma cicatriz no rosto, da testa ao queixo.
Estas conclusões dos Inquéritos Policiais nos dois casos ficam explícitas à falta de interesse no agir, dando a entender que os diversos governos após a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, ficaram com receio de enfrentar os conservadores, pois estes crimes precisam ser tipificados em lei especial pelo Congresso Nacional para ser considerado agravante pelo fato da orientação sexual da vítima.
No Rio de Janeiro foi sancionada pelo Governador do Rio de Janeiro a Lei nº 7.041 de 15 de julho de 2015, que “(...) estabelece penalidades administrativas aos estabelecimentos e agentes públicos que discriminem as pessoas por preconceito de sexo e orientação sexual (...)” e da Portaria PCERJ nº 848 de 15 de maio de 2018 que “(...) institui o Protocolo de Rotinas Básicas a serem observadas pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro nas Ocorrências de Violência Contra Mulher Trans e Travesti (...)”, porém, não significa que a postura do servidor público que atende à ocorrência tenha mudado ao ponto de dar segurança e credibilidade ao ofendido para que formalize a queixa-crime na Delegacia de Polícia ou ligue para 190 da Polícia Militar pedindo socorro.
Na realidade, a população LBGTI+ tem receio em se dirigir às polícias para formalizar queixa-crime ou fazer o “Boletim de Ocorrência” quanto às ameaças e agressões ou comunicar homicídio e ser testemunha. Fato este compreensível, pois estes representam o aparato repressor do Estado e não há programa de gestão de pessoas para capacitar este contingente de servidores com o objetivo de modificar a postura e o tratamento em face desta comunidade nestes momentos de sofrimento, perda e dor.
É fato que há um total desprezo quanto aos crimes de ódio em relação à comunidade LBGTI+.
Outro dado que se acrescenta a este quadro extremamente crítico frente ao Estado Democrático de Direito é o comportamento das famílias de LGBTI+ quanto à questão identitária, pois, geralmente, não assume a orientação sexual do ente querido assassinado de modo cruel, negando este dado junto à autoridade policial, fato este que corrobora com o preconceito e prejudica enormemente as investigações, uma vez que ocultam informações importantes em relação à vida da vítima.
Nestas duas entrevistas, reproduzidas na íntegra, é possível verificar as diferenças, não só quanto à natureza jurídica, mas quanto ao conteúdo, pois o Centro de Cidadania Hanna Suzart é uma Unidade do Programa Estadual Rio Sem Homofobia, pertencente à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Políticas para Mulheres e Idosos em Convênio com o Munícipio de Nova Friburgo, consequentemente, envolvidos com a causa LGBTI+ e comprometida com o bem estar destes segmentos da sociedade. Todavia, quanto ao responsável pela Delegacia de Polícia, os dados são técnicos e se reportam as determinações genéricas de comportamento instituído pelo Poder Público, fato este que não representa a realidade no atendimento no balcão na própria 151ª DP, segundo o apurado in loco, reprodução o preconceito.
Quanto a esta autoridade policial, importante ressaltar que, apesar das normativas do Estado do Rio de Janeiro, não há interesse quanto ao tema, inclusive, fez crítica à pesquisa porque são poucos os casos, tipo, sem importância. Tanto é que desconsiderou a crueldade do assassinato, mesmo tendo impactado a população local, demonstrando o desprezo pela vida.
Em contexto geral, pode-se afirmar que essa situação pode ser modificada, mas não será através do julgamento na Corte Suprema, quiçá através de uma lei votada no Congresso Nacional e sancionada que irá mudar o comportamento das pessoas na sociedade, pois é necessário instituir políticas públicas para mudar comportamentos, criar projetos e programas para serem adotados nas escolas na condição de disciplina que deverá educar quanto ao respeito à diversidade sexual, ao respeito à dignidade humana, o direito a liberdade sexual e o direito à privacidade.
É dever da União instituir a obrigatoriedade nas notificações de óbitos quanto à orientação sexual ou a identidade de gênero da vítima de homofobia ou transfobia. Em especial, cabe ao Ministério dos Direitos Humanos o controle de dados dos inquéritos policiais relativos às ameaças e agressões, além de instituir estudo e pesquisa sobre as causas e fatos motivadores nos homicídios de LGBTI+, pois são crimes em face da vida e, geralmente, com uso de crueldade que caracterizam a homofobia e a transfobia.
Estes crimes precisam ser apurados com mais rigor, com o recorte quanto à questão identitária, para fornecerem dados para a elaboração de políticas públicas que propiciem o respeito às diversidades, a dignidade e os princípios do Estado Democrático de Direito.
O Congresso Nacional tem o dever/ obrigação de elaborar o texto legal que adotem o inteiro teor dos julgados pela Corte Suprema do país, preservando os direitos sexuais, os princípios constitucionais, inclusive, compete ao plenário das duas Casas Parlamentares não permitir o retrocesso, ainda num país que exige leis para que sejam cumpridas. Lei esta que precisa ter sanções, afinal, as sociedades que apresentam grau de incivilidade precisam cada vez mais de sanções.
Apesar de ser uma resposta ao conservadorismo, o decisum do Supremo Tribunal Federal não contribuiu para evitar os assassinatos em face aos LGBTI+, o país ainda se mantém no ranking dos países que mais matam homossexuais e transexuais.
No site Catraca Livre[13], no dia 13/06/2020, entrevistou dois Juristas e representantes dos direitos LGBTI+’s questionando “para saber o que de fato mudou com a decisão do STF e qual o impacto real na vida de cerca de 20 milhões de brasileiros LGBTI+”.
Em apertada síntese, uma vez que vêm ao encontro desta conclusão, os Juristas acreditam que a decisão do STF, apesar de não atingir o problema como um todo, oferece mecanismos contra a violência contra LGBTI+.
Há uma crítica quanto ao comportamento de delegacias não especializadas, que ficam abertas 24 horas, que ainda não se adaptaram a decisão do STF. Acreditam estes Juristas que será necessária capacitação destes agentes do Estado para recepcionar sem preconceito nos balcões das delegacias, pois a maioria dos crimes contra LGBTI+ se dão no horário noturno, quando as especializadas estão fechadas. Inclusive, há uma afirmação por parte da Jurista que resume a preocupação:
“Certa resistência em aplicar a legislação por parte de policiais, Ministério Público e juízes por ser uma decisão que veio via decisão do Supremo Tribunal Federal, o que é inadmissível, uma vez que não cabe à instância inferior decidir se vai ou não obedecer à decisão do Supremo. Neste ponto, o papel dos advogados é fundamental para incidir na aplicação da lei de racismo em casos de crimes contra pessoa LGBT.”
É justamente isso, o papel dos advogados é de suma importância para fazer valer a decisão do Supremo Tribunal Federal contra a violência, ameaças e crimes de ódio em face dos homossexuais e dos transgêneros.
A fala da Ministra Cármen Lúcia quando da votação da ADI 4277 e ADPF 132, que ainda se mantém atual, vem ao encontro da preocupação deste artigo quando afirmou:
“ (...) este julgamento demonstra que ainda há uma longa trilha, que é permanente na história humana, para a conquista de novos direitos. A violência continua, minorias são violentadas, discriminações persistem. Veredas há a serem palmilhadas, picadas novas há a serem abertas para caminhar mais confortável do ser humano (...)”.
Por fim, não se pode negar que a luta continua pela busca de direitos e efetivação destes mesmos direitos através de projetos educacionais, pela implementação de políticas públicas por parte do Estado na busca do respeito às diversidades, fazendo valer o Estado Democrático de Direito, da concretização dos princípios que constam na Constituição Cidadã, tornando-os reais no dia-a-dia da sociedade plural. Só assim será possível banir a violência aos LGBTI+ no país.
5 - Bibliografias:
1 – BUTLER, Judith – Problemas de Gênero – Feminismo e Subversão da Identidade. Ed. Civilização Brasileira, 15ª Ed.; Rio de Janeiro, 2017.
2 - MATOS, Victor Chagas e LARA, Erik Batista Amaral de - Dossiê LGBT+ 2018 – RioSegurança, 2018.
3 - MELLO, Cleyson de Moraes e PEREIRA, Antônio Celso Alves – “O Discurso do Ódio, o Direito e a Democracia”, Quaestio Iuris, vol. 10, nº 04, Rio de Janeiro, 2017.
4 - RIOS, Roger Raupp – “Homossexualidade e Direitos Sexuais – Reflexões a partir da decisão do STF”, Livraria do Advogado Editora; Porto Alegre, 2007.
5 - SARLET, Ingo Wolfgang – “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988”, 10ª ed. Livraria do Advogado Editora, via eBook Kindle, Amazon, 2018.
Acesso a páginas da Rede Mundial de Computadores:
1 - Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – 2010 – de dez em dez anos, o país realiza censo demográfico, in www.ibge.gov.br;
2 - GGB – Grupo Gay da Bahia – Relatório 2017 – Pessoas LGBTT Mortas no Brasil, in www.ggb.org.br.
3 – Reportagem G1 Região Serrana – https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/violencia-contra-fotografo-homossexual-que-teve-rosto-cortado-por-copo-de-vidro-gera-protesto-no-rj.ghtml - acesso 24/09/2018.
4 - Supremo Tribunal Federal – www.stf.jus.br
5 – Catraca Livre - https://catracalivre.com.br/cidadania/o-que-mudou-apos-1-ano-da-criminalizacao-da-lgbtfobia-no-brasil/, 16/06/2020.
Locais de Entrevistas:
1 - Centro de Cidadania LGBTI Hanna Suzart, localizado na Avenida Alberto Braune, nº 223, Centro, prédio da antiga rodoviária, hoje, pertencente à Prefeitura de Nova Friburgo.
2 - 151ª Delegacia de Polícia de Nova Friburgo, localizada na Avenida Presidente Costa e Silva, nº 1.051, Centro, Nova Friburgo/ RJ.
[1] Relatório 2017 – GGB – Grupo Gay da Bahia – Pessoas LGBTT Mortas no Brasil.
[2] Mello, Cleyson de Moraes e PEREIRA, Antônio Celso Alves – “O Discurso do Ódio, o Direito e a Democracia”, Quaestio Iuris, vol. 10, nº 04, Rio de Janeiro, 2017.
[3] Ibidem
[4] Em 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou duas ações que pediam o reconhecimento legal da união estável de homossexuais e obteve, por unanimidade, o voto a favor da união homoafetiva. Votação histórica na Corte Suprema do país.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang – “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988”
[6] RIOS, Roger Raupp – “Homossexualidade e Direitos Sexuais – Reflexões a partir da decisão do STF”, Livraria do Advogado Editora; Porto Alegre, 2007.
[7] BUTLER, Judith – Problemas de Gênero – Feminismo e Subversão da Identidade. Ed. Civilização Brasileira, 15ª Ed.; Rio de Janeiro, 2017.
[8] Reportagem G1 Região Serrana – https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/violencia-contra-fotografo-homossexual-que-teve-rosto-cortado-por-copo-de-vidro-gera-protesto-no-rj.ghtml - acesso 24/09/2018.
[9] https://pt.wikipedia.org/wiki/Delegacia - acesso 24/09/2018
[10] MATOS, Victor Chagas e LARA, Erik Batista Amaral de - Dossiê LGBT+ 2018 – RioSegurança, 2018, pag. 35.
[11] Centro de Cidadania LGBTI Hanna Suzart, localizado na Avenida Alberto Braune, nº 223, Centro, prédio da antiga rodoviária, hoje, pertencente à Prefeitura de Nova Friburgo.
[12] 151ª Delegacia de Polícia de Nova Friburgo, localizada na Avenida Presidente Costa e Silva, nº 1.051, Centro, Nova Friburgo/ RJ.
[13] https://catracalivre.com.br/cidadania/o-que-mudou-apos-1-ano-da-criminalizacao-da-lgbtfobia-no-brasil/
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