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Sim, será considerado o pai da criança.
Antes de pôr defronte a questão, necessário registrar que “a inseminação artificial tem como escopo auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação; quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes para a situação atual de infertilidade”, conforme previsto na Resolução nº 1.358/92 do CFM, em seu artigo 1º, seção 1. Isto é, ter-se-á inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por haver obstáculos à ascensão dos elementos fertilizantes do ato sexual.
O Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, dedicou o Livro IV, ao Direito de Família. No entanto, não arrostou, como deveria, o enfrentamento das questões de filiação por fecundação assistida.
Na verdade, não observou o legislador a advertência do Professor capixaba Francisco Vieira Lima Neto[1][1], feita em 1997, quando mencionou em sua obra que: “surge a necessidade de definir-se normas técnicas e jurídicas que permitam regular e controlar a atividade de Engenharia Genética, evitando-se danos ao meio ambiente e ao ser humano...”
Para Guilherme de Oliveira, [2][2] “ a doutrina e as leis modernas vêm reconhecendo alguns desvios do respeito pela verdade biológica da filiação, em dois tipos de casos: por um lado, no sentido de manter a estabilidade de famílias que cumpram o seu papel afectivo e social embora não assentem num vínculo biológico; por outro lado, no sentido de evitar o reconhecimento da filiação biológica por inconveniência para os interesses do filho”.
Normalmente a paternidade de filho matrimonial assenta-se em três pilares: o jurídico (o marido da mãe é por presunção pai do filho tido pela mulher com a qual está casado), o biológico (o marido da mãe é presumivelmente o autor genético da fecundação) e o socioafetivo (o marido da mãe trata a criança – e por ela é tratado – como pai).
O Código Civil, em seu capítulo II do Livro de Direito de Família - Da Filiação, vem regular a paternidade dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga (realizada com o auxílio de terceiros doadores que cedem seus materiais genéticos), em seu artigo 1.597, inciso V.
O Brasil não possui norma jurídica, em lei ordinária, expressa e clara sob o tema de procriação assistida. Mas, defendo o posicionar que ante o seu consentimento, ele não pode impugnar a paternidade com fundamento em inseminação artificial consentida, de acordo com as diversas legislações que tratam do tema.
O consentimento para a inseminação artificial heteróloga preclui o direito de impugnar a paternidade presumida do marido, ou seja, faz-se prevalecer uma paternidade “social” sobre a ocultação da progenitora biológica.
Na verdade, seria iníquo e abusivo o pai exercer um direito de impugnar a filiação depois de se ter consentido na fecundação por sêmen de terceiro.
No entanto, a contrario sensu, a inseminação feita sem o consentimento do marido, ensejaria a possibilidade de impugnação. Nesse sentido, vem a lição de Fernando Araújo[3][3]: “Duas coisas parecem certas: em primeiro lugar, tanto a inseminação artificial como a fertilização “in vitro” consentidas pelo marido provocam, para este, uma verdadeira relação de paternidade (art. 1839º, 3 do Código Civil Português); em segundo lugar, a inseminação heteróloga não consentida pelo marido deve ser fundamento de divórcio, já que ela viola o interesse na exclusividade genética – afinal, a principal razão de ser da exclusividade sexual, do dever de fidelidade; podendo dizer-se, sem grandes receios de reducionismo materialista, que é daquela que derivam, como corolários sociais, os interesses emotivos conexos com a fidelidade.”
A legislação portuguesa, em seu artigo 1838º, n. 3, é clara ao consignar que: “ não é permitida a impugnação de paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu ”..
“Nos países ditos socialistas da Europa de Leste, em relação ao problema da determinação do critério jurídico da paternidade, está hoje claramente encontrado um consenso segundo o qual o marido que consentiu na inseminação medicamente assistida da sua esposa com sémen de terceiro não pode posteriormente impugnar a paternidade”, conforme relatado por João Álvaro Dias[4][4].
Portanto, duas ordens de idéias estão em voga para explicar a natureza jurídica desse consentimento. A primeira, no sentido de tratar-se de renúncia ao direito de impugnação da paternidade. Outra, assemelhando-o à adoção: “O resultado se assemelha ao que ocorre quando um homem adota o filho que sua mulher teve com outro homem que continua desconhecido”.[5][5]
Quanto à primeira, somente caberia se fosse negado o caráter personalíssimo do direito de impugnar a paternidade. Inviável, por aí, essa via.
A segunda é verdadeiramente um artifício, eis que por certo não se trata de adoção: ao menos, não e adoção segundo os moldes tradicionalmente conhecidos e deferidos à adoção. Essa adoção atípica, se admitida, submeteria a perfilhação a outro regime jurídico.
Assim, dúvidas não existem que ao permitir que sua mulher fosse inseminada, emitiu uma declaração tácita que se infere dos fatos e a declaração expressa é feita por palavras, escritos ou quaisquer outros meios diretos, frontais, imediatos de expressão de vontade.[6][6]
Na lição de Silvio Rodrigues, “ o que juridicamente estabelece o parentesco entre pai, mãe e filho assim concebido é o reconhecimento. Esse ato, espontâneo ou forçado, é que, criando relação de pais e filhos, gera toda uma série de conseqüências na órbita do direito.” [7][7]
Por sua vez, doutrina Maria Helena Diniz[8][8], que: “uma vez declarada a vontade de reconhecer, o ato passa a ser irretratável ou irrevogável, inclusive se feito em testamento, por implicar uma confissão de paternidade ou maternidade, apesar de poder vir a ser anulado se inquinado de vício de vontade como erro, coação ou se não observar certas formalidades legais.”
Adverte, ainda, Silvio Rodrigues[9][9], que: “Alias, são de tal importância os efeitos resultantes do reconhecimento que a lei não permite que se subordine a condição ou a termo. Ou, como explica BEVILÁQUA: “O reconhecimento determina o estado de filho, e o estado de pessoa não pode ser condicional, nem temporário.”
Diante do quadro apresentado, concluo que razão assiste ao mestre português João Álvaro Dias[10][10], ao consignar que: “esta a solução que melhor preserva a harmonia das relações familiares e a que melhor se coaduna com a estabilidade emocional da criança e dos próprios pais e que o meio mais eficaz para salvaguardar tais valores é o rigoroso anonimato do dador em relação ao casal beneficiário e à criança que venha a nascer e vice versa.”
[1] Responsabilidade Civil das Empresas de Engenharia Genética. São Paulo:LED, 1997. P. 111.
[2] Temas de direito de família. Coimbra:Coimbra. 1999. P. 39.
[3] A procriação assistida e o problema da santidade da vida. Coimbra:Almedina. 1999. P. 25.
[4] Procriação assistida e responsabilidade médica. Universidade de Coimbra:Coimbra. 1996. P.37
[5] Neste sentido FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade. Belo Horizonte:Del Rey. 1996. P. 53 e ss.
[6]Cf. RODRIGUES, Silvio. In: Direito Civil:Família. v.6 , São Paulo:Saraiva. 2002.p. 347. “Reconhecimento espontâneo é o ato solene e público, pelo qual alguém, de acordo com a lei, declara que determinada pessoa é seu filho”
[7] Direito Civil:Família. v. 6. São Paulo:Saraiva. 2002. P. 346
[8] Curso de Direito Civil Brasileiro:Família. 5.v, 17.ed. São Paulo:Saraiva. 2002, p. 394.
[9] Obra citada, p. 348.
[10] Obra citada, p. 38.
(*) diretor IBDFAM/ES
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