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Guarda compartilhada dos filhos
Tema instigante, que vem ganhando espaço na mídia, principalmente com a vigência do Código Civil ocorrida em janeiro de 2003. Há muitas críticas ao novo Código Civil, posto que teria deixado de lado questões polêmicas no século XXI. Certamente, não apenas os operadores do direito — advogados, magistrados, promotores - estão balizados a dissertar sobre a matéria, como também outros profissionais dedicados às ciências que estudam a mente, bem como a própria sociedade, todos legitimados para abordar o assunto, gerando distorções conceituais e dúvidas em relação a um tema lacunoso e escasso de doutrina e jurisprudência.
No novo Código Civil, um único artigo trata da questão, nos seguintes termos: "art. decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la." Logo desponta a 1ª pergunta: - Agora temos a guarda compartilhada na nova legislação? Penso que não, embora reconheça que inexiste consenso acerca da possibilidade jurídica para aplicação da guarda compartilhada no direito brasileiro.
Antes, os filhos eram confiados à guarda materna. Agora, apenas não há mais regra. Mas daí a dizer que o genitor paterno terá maiores chances, muitas águas ainda vão rolar......Ora, mas o que realmente vem a ser guarda compartilhada? Seria uma divisão de períodos de permanência com os filhos? Seria uma divisão de responsabilidades entre os pais em relação aos filhos? Ou seria um misto dessas duas idéias? Recentemente, durante uma audiência, em processo de separação, ouvi o marido de minha cliente afirmar perante o juiz que desejaria uma guarda compartilhada.
De imediato, pensei com isto seria possível já que ele (pai) não pagava um centavo de pensão. Teria a mãe, arcando sozinha com as despesas que consultar o pai sobre esta ou aquela escola? De que adiantaria? Ela teria que pagar tudo mesmo! De tudo quanto se lê, analisa e conclui, diríamos que a guarda compartilhada, no mundo jurídico, desponta com características próprias e sutis, não sendo a sua definição tarefa simples.
Alguns, de fato, importam-se em distinguir "guarda compartilhada" de "guarda alternada"; talvez por isso, surjam distorções, propiciando que muitos genitores descontínuos (aqueles que não detêm a guarda dos filhos) passem a defender a guarda compartilhada, imaginando que desta forma aumentarão o tempo de permanência física ao lado dos filhos. Aí começa o equívoco, porque quando se postula uma divisão mais abrangente nos períodos, estar-se-á discutindo uma questão de "guarda alternada" e não de "guarda compartilhada".
Interessante notar, que o exercício da genuína "guarda compartilhada" não deve ser iniciada somente a partir da separação do casal. A guarda compartilhada, pode-se dizer, antecede o próprio nascimento dos filhos. Já na gravidez, a guarda física do feto competirá à mãe, por uma questão naturalmente biológica. Incumbe ao pai, exercer seu dever, de acompanhar a mãe ao longo de todo o período gestacional, com ela dividindo anseios e tomando decisões. Vêem-se genitores que reclamam da ausência de um sistema conjunto, mas que não se dão conta, de que jamais cumpriram com deveres básicos e porque não dizer prosaicos (a troca da fralda). Pais que não têm o hábito de comparecer às reuniões escolares, que raramente estão nas consultas pediátricas, agora separados, clamam por uma guarda compartilhada, quando na verdade, querem, não raro, simplesmente dividir por igual, o tempo de permanência com os filhos ou então, contribuir com menores importâncias, sem observar, preliminarmente, se aquela desejada divisão de tempo, será mais benéfica para as crianças.
Dividir será sempre o melhor? Lembramos um inteligente conto, muito antigo, no qual duas mães se apresentaram diante do juiz, clamando, ambas, pela maternidade e posse do filho. Diante do inusitado e em dúvida, noticiou o magistrado que dividiria (literalmente) o filho em duas partes, quando então, uma das mães ergueu-se e prontamente renunciou ao pleito. Naquela mulher, que não se dispôs a vivenciar o sofrimento do filho, pronta até mesmo para renunciar à sua qualidade, o juiz reconheceu a verdadeira mãe, concedendo-lhe a posse da criança. Antes de debaterem a questão da guarda compartilhada, é sumariamente importante para os genitores conceberem o princípio universal do melhor interesse do filho. A guarda efetivamente compartilhada dos filhos, é questão importante e delicada que merece ser tratada com cuidado. Uma palavra mal colocada e o instituto estará desvirtuado. Um tema como este, não poderia mesmo, neste momento, estar inserido no contexto do 'novo' Código Civil, eis que não suficientemente discutido pela sociedade.
Guarda compartilhada, ao nosso sentir, significa efetivamente, a implementação de um modelo de conduta dos pais, preocupados, não simplesmente em dividir dias e pernoites, mas sim ligados nos aspectos direcionados à formação moral, intelectual, espiritual e social dos filhos. Na guarda compartilhada, os filhos, contrariamente ao entendimento de alguns, não se tornarão um jogo de pingue-pongue (semana aqui e outra acolá). Manterão uma residência fixa e por isso, haverá sim na guarda compartilhada, um guardião físico, que assegurará aos filhos a necessária estabilidade espacial. Porém, todas as questões que se refiram à educação, saúde, atividades curriculares, viagens, entre outras, serão decididas em conjunto.
Vejam, que nem bem terminamos a definição de guarda compartilhada e já estarão surgindo novas indagações: - como será possível o exercício da guarda conjunta num quadro de completa falta de diálogo entre os pais? Se os pais estão em permanente conflito, como deixarão de lado outras questões, para conjuntamente deliberarem sobre o melhor interesse dos filhos? Daí depreende-se que não é tarefa fácil para o legislador, implementar a guarda compartilhada. Mecanismos legais terão que existir, para tornar viável o exercício da guarda compartilhada em situações de atrito entre os genitores.
Alguns juristas, ousam afirmar ser impossível a guarda compartilhada em situações de conflito, tornando inviável a aplicação deste sistema. Porém, se os pais, inobstante a certeza de que juntos não foram felizes, conseguirem se abstrair, para decidir amistosamente, com vistas ao que for melhor para os filhos, então nem mesmo de lei ou do Poder Judiciário necessitarão. Voluntariamente implementarão o sistema, dispensando a intervenção de terceiros. A tormenta permanece assim, na hipótese em que não há acordo sobre o exercício da guarda conjunta, porém havendo a intenção de um dos genitores (normalmente o que não detém a guarda física) para que o regime seja de guarda conjunta.
Ultrapassadas as questões conceituais e as indagações, e já estando claro que guarda compartilhada não significa divisão de períodos, mas sim compartilhamento de deveres, imaginamos que para adequada implementação deste sistema, que despontou, salvo engano, na Inglaterra há pouco mais de vinte anos, haverá necessidade que a norma legal absorva como fundamental na implantação da guarda conjunta, por decisão judicial e em casos de dissensão entre os pais, a existência, ao lado do juiz, de forma contínua e sistemática, de um corpo de interprofissionais (educadores, médicos, psicólogos, sociólogos) aptos a emitir periodicamente laudos de avaliação, até que os pais suplantem as tormentas inibidoras do pleno desenvolvimento de seus deveres em relação aos filhos.
Difícil imaginar uma estrutura judiciária de plantão, pronta a solver de imediato as desavenças em relação ao melhor interesse dos filhos. Porém, uma equipe de auxiliares, aliás já legalmente previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, porém vinculados aos juízos de família, serão de grande valia para viabilização da guarda compartilhada, que poderá ser então iniciada por um período experimental e exitosa, tornada permanente. Para tanto, a sociedade não precisará aguardar por outro Código Civil. Uma legislação federal específica poderá regular esta matéria.
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