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Questão de princípio
Fonte: Boletim do IBDFAM nº 27
A Associação pela Promoção da Mediação - APPM é um movimento legitimado e reconhecido pela Comunidade Européia, tendo como ideal o conceito de mediação global, de natureza transformativa, interdisciplinar e autônoma.
Neste diapasão, na última reunião realizada pela APPM para rever os caminhos da mediação - com ênfase em sua aplicabilidade às relações familiares - ficou consolidado para a comunidade européia que mediação é um princípio ético, um comportamento humano.
Assim, a APPM define que [1] “a mediação é um processo de criação e de repartição do vínculo social e de regramento dos conflitos da vida cotidiana na qual um terceiro imparcial e independente, por meio da organização de trocas entre as pessoas ou instituições, tenta ajudá-los a melhorar uma relação ou regular um conflito que as opõe”.
Portanto, dada a natureza principiológica da mediação, tendo em vista o reconhecimento de uma construção teórica extraída desta prática social, é impensável limitar seu conceito a instrumento procedimental.
Para o Direito pátrio, o princípio da mediação representa a concretude do art. 1.º ,III, da Constituição Federal, que insere a dignidade da pessoa humana como imperativo axiológico fundante de todo o ordenamento jurídico, seguido do art. 226 da Constituição Federal, que, em consonância ao sentido indicado pela dignidade da pessoa humana, consagra o princípio de proteção do Estado à família, que, por sua vez, concretiza-se no princípio do livre desenvolvimento da personalidade.
E assim, sucessivamente, uma gama de princípios inserem-se na composição desta análise, a exemplo do princípio da responsabilidade pelo próximo, consubstanciado no dever de assistência à pessoa em situação de perigo, ponto fundamental da moral universal, sobre o qual se funda a “Declaração dos Direitos do Homem”, fixando a responsabilidade de cada um por seu semelhante, pois o dever de não ingerência nas relações privadas cessa no momento em que nasce o risco de não assistência, incorrendo na tipificação legal de omissão de socorro.
A colaboração da APPM para o reconhecimento teórico da mediação como princípio - e não como procedimento - coaduna-se, perfeitamente, com a orientação principiológica adotada pelo Código Civil de 2002, que acolhe os princípios constitucionais da proteção à família, do livre desenvolvimento da personalidade, e da responsabilidade pelo próximo, concretizados nos princípios da eticidade, da sociabilidade e da operabilidade.
Em recente realização do IBDFAM/RS, que promoveu o I Congresso de Direito de Família do Mercosul, a mediação mereceu destaque em ampla discussão sobre os movimentos legislativos brasileiros, comparados à evolução legislativa de outros países - França, Canadá, Argentina e Colômbia. Este debate permitiu esclarecer que tais movimentos estão opostos pela ausência de um conceito comum da mediação, pois, de um lado, a mediação buscava status em fundamentos universais, e de outro lado, busca-se outorgar à mediação a natureza procedimental.
Nesta ocasião, consolidando posicionamento institucional manifestado em diversas oportunidades, a Comissão de Mediação deste sodalício apresentou uma proposta de inserção do princípio da mediação familiar no Código Civil, para que mereça reflexão do Poder Público, acolhendo a mediação como expressão de uma função a ser agregada à atividade jurisdicional, para o seu aperfeiçoamento.
Assim, em consonância com a proposição da última reunião da APPM, promovida pela Comunidade Européia, para que a mediação seja reconhecida como princípio, outorgando-lhe status de imperativo axiológico sugere-se a inserção no artigo 1.571 do Código Civil pátrio o parágrafo 3.º com o seguinte teor:
“Art. 1.571 A sociedade conjugal termina:
I - ...................................
II - ....................................
III - pela separação judicial;
IV - pelo divórcio.
§ 1.º.....................
§ 2.º ....................
§ 3.º - Os efeitos das hipóteses previstas nos incisos III e IV serão regidos pelo princípio da mediação familiar.
A APPM sugere que, a partir da inserção do princípio da mediação no Código Civil, elabore-se uma lei que descreva o método de aplicação, como, por exemplo, a obrigação de constar das intimações e citações a seguinte menção: “O juiz o informa sobre a possibilidade de recorrer à mediação familiar” .
Esta recomendação merece reflexão para a realidade brasileira. Afinal, princípio pressupõe comportamento, não necessitando de comandos procedimentais. Por analogia, no ambiente jurídico pátrio jamais se pensou em legislar sobre o princípio da boa-fé, mas tão somente, foi exaltado na nova codificação civil.
É fundamental acolher o ideário de que o princípio da mediação familiar dá vida aos direitos, pela experiência humana de um comportamento que assegura o livre desenvolvimento da personalidade, capacitando os mediandos para o exercício da liberdade.
[1] SASSIER,Monique. “ Construire la Médiation Familiale” , Editora Dunod, Paris, 2001, págs. 90/93.
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