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Entre violetas e violências: em busca da proteção da pessoa idosa
Entre violetas e violências: em busca da proteção da pessoa idosa
Larissa Tenfen Silva
Mestre em Direito. Advogada. Professora em Direito. Presidente da Comissão da Pessoa Idosa do IBDFAM/SC e Membro da Comissão da Pessoa Idosa da OAB/SC.
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo descrever e refletir, de forma breve, sobre a questão da violência contra a pessoa idosa fomentada pela celebração do Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa e da referência ao mês “Junho Violeta”. Para isso, num primeiro momento, será realizada a análise sobre a concepção social e jurídica do envelhecimento presente no Brasil, para num segundo momento, descrever o fenômeno da violência, em especial, da violência contra a pessoa idosa. Por fim, serão retratadas algumas formas de proteção jurídica da pessoa idosa presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de pesquisa teórica, baseada em fontes primárias e secundárias.
PALAVRAS-CHAVE: Envelhecimento. Violência. Pessoa Idosa. Proteção Jurídica.
Introdução
Dentro do calendário anual o mês de Junho é um mês muito importante na promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa marcado pela campanha “Junho Violeta” cuja simbologia da cor é utilizada como meio de chamar atenção para a conscientização contra a violência à pessoa idosa.
A cor violeta traz alusão à flor que impinge a lembrança de que os idosos necessitam de cuidado, carinho e atenção, ou seja, atos simples para florescer, tal como a flor violeta que, apesar de pequena e frágil, expressa intensidade e beleza em sua viva cor. Assim, ao invés de violentar um idoso, que tal ofertar-lhe uma flor violeta como forma de reconhecimento e gratidão pela sua existência? (MULLER, 2020)
A partir destas possíveis relações a campanha busca o reconhecimento e a conscientização da proteção dos idosos cujo marco principal de celebração é o dia 15 de junho assim estabelecido como o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência contra a Pessoa Idosa .
A violência contra a pessoa idosa é um problema social mundial que sempre existiu e que vem se agravando nas últimas décadas. Trata-se de um fenômeno multifacetário, muitas vezes silencioso, que afeta as pessoas, as famílias e as comunidades e, nem sempre é reconhecido socialmente como comportamento ilícito frente à existência de uma cultura social de banalização da violência e desvalorização do grupo etário idoso.
Os tempos atuais de pandemia da Covid-19 vêm evidenciar este fato nas diversas formas de tratamento preconceituoso, negligente, discriminatório, infantilizado destinados aos idoso facilmente percebidos nas piadinhas frente às dificuldades de isolamento das pessoas idosas, pelos memes que circulam nas redes sociais, tal como o “catavelho”, a divulgação de discursos acusatórios nos meios de comunicação sobre a culpabilização dos idosos pela falência do sistema de saúde ou previdenciário do país ou do própria tratamento dado a pandemia.
Diante desse contexto fático de violências contra a pessoa idosa, a data do dia 15 de junho e a campanha “Junho Violeta” se tornam ainda mais relevante na luta política e jurídica pelo fomento da conscientização, prevenção e combate a uma cultura de violência contra a pessoa idosa.
1. CONCEPÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS SOBRE O ENVELHECIMENTO NO BRASIL
O envelhecimento pode ser entendido como uma etapa do ciclo da vida, tal como nascer, crescer, amadurecer, envelhecer e morrer. É assim um fato natural e universal, com repercussões muito diferentes para cada indivíduo de acordo com sua estrutura biológica e modo de vida. (DEBERT, 1998)
Mas o envelhecimento também pode ser visto como um fato social e histórico com reflexos para além da esfera individual abarcando todos os âmbitos da vida social. Tal fato pode ser facilmente evidenciado no crescimento da população nacional que atualmente é de aproximadamente 31 milhões, cujas projeções apontam para um crescimento para o ano de 2060 de 58,2 milhões de pessoas idosas (OPAS-BRASIL, 2020) o que trará uma serie de mudanças em todos os aspectos da vida coletiva.
Entretanto, a forma de gestão das necessidades surgidas estará diretamente atrelada às concepções culturais existentes sobre o envelhecimento enquanto um fato social. Nesse sentido, o envelhecimento é visto como um processo heterogêneo já que é uma construção social localizada no tempo e espaço e pode variar de cultura para cultura. (DEBERT, 1998)
No Brasil existe uma forte cultura enraizada do que a literatura social e antropológica denomina como etarismo ou velhofobia caracterizada pela discriminação em razão da idade, no caso, da idade mais avançada (BARRUCHO, 2020). Tal visão enfatiza uma conotação negativa do idoso frente a sua perda de valor social diante das suas faltas biológicas, psíquicas, estéticas, financeiras, laboral etc, o que acarreta em uma desvalorização da pessoa idosa e, consequentemente, a sua exclusão social.
Todavia, de forma paralela vem se consolidando uma visão cultural de valorização do envelhecimento enquanto um valor social positivo que pode ser denotado na legislação brasileira quando estabelece uma série de proteções ao envelhecimento.
Nesse caminho, a legislação brasileira reconhece o envelhecimento como um processo natural, de caráter personalíssimo, digno de proteção e respeito, em prol de um envelhecimento ativo e saudável. Ademais, aponta para o fato do processo de envelhecimento dizer respeito à sociedade em geral, devendo inclusive ser objeto de conhecimento e informação para todos. (Constituição Federal, Estatuto do Idoso, Política Nacional do Idoso – art. 3, II, Convenção Interamericana de Proteção dos Direitos humanos da pessoa idosa)
Frente a esta realidade, uma serie de proteções foi estabelecida para garantir aos idosos este envelhecimento digno, por meio da defesa a vida, a saúde, a alimentação, a educação, a cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, a cidadania, a liberdade, a dignidade, ao respeito, a igualdade, a vedação a discriminação e preconceito em face da diferença de idade, a autonomia e independência das escolhas de vida e tomadas de decisão, a participação de convivência comunitária e familiar, a proteção integral, a prioridade de atendimento e o melhor interesse da pessoa idosa (art. 2, 3,4 do Estatuto do Idoso).
A pessoa destinatária desta gama de proteção é toda aquela com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, tal como disposto no art. 1° do Estatuto do Idoso cabendo à responsabilidade da sua proteção a família, sociedade, comunidade e Estado, conforme disposto nos artigos 229 e 230 da Constituição Federal e do artigo 3° do Estatuto do Idoso.
As famílias ganham destaque especial no cumprimento da obrigação de amparo a seus idosos, cabendo aos filhos maiores o dever de ajudar e amparar seus pais na velhice, carência ou enfermidade, preferencialmente em seus lares.
Apesar de todo este rol de proteção positivados num sistema jurídico de proteção específico o fato da exclusão social e das violências sofridas pelas pessoas idosas confirma a dificuldade de reconhecimento social e jurídico desta geração mais velha.
2. VIOLÊNCIA CONTRA PESSOA IDOSA
A violência pode ser compreendida como um fenômeno social que sempre esteve presente nas experiências humanas sendo que seu impacto pode ser visto de várias formas e em diversas partes do mundo. Entretanto, apesar da existência constante da violência, “o mundo não tem de aceitá-la como parte inevitável da condição humana.” (ONU, 2002, p. 3) existindo por isso vários sistemas diferentes que buscam evitá-la ou restringi-la ao longo do tempo.
A violência pode ser compreendida de várias maneiras e conforme a Organização Mundial da Saúde a violência pode ser definida de forma ampla como
O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (ONU, 2002, p. 5)
Nesse sentido, o conceito de violência é referente
aos processos, às relações sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais. (MINAYO, 2003, p. 785)
Em relação à violência contra os idosos este é um problema social de caráter universal e largamente disseminado em todas as sociedades tal como atestado por estudos de várias culturas e de cunho comparativo entre países do mundo, apontando que “pessoas de todos os status socioeconômicos, etnias e religiões são vulneráveis aos maus-tratos, que ocorrem de várias formas: física, sexual, emocional e financeira” (MINAYO, 2003, p. 788) sendo ainda muito comum uma pessoa idosa sofrer, ao mesmo tempo, vários tipos de maus-tratos.
As origens deste fenômeno, como apontado inicialmente no título acima, estão associadas a vários focos de produção e de reprodução social relacionada a
a) sua expressão estrutural, que ocorre pela desigualdade social, naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação, b) sua expressão interpessoal, que se manifesta nas formas de comunicação e de interação cotidiana; e c) suas expressões institucionais, evidenciadas na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais pelo Estado e pelas instituições de assistência, reproduzindo relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo, discriminação e de negligências. (BRASIL, 2020a, p. 12)
Destaca-se que os estudos científicos sobre a violência contra os idosos são considerados relativamente recentes já que as primeiras pesquisas científicas sobre o tema foram realizadas em 1975 sobre a questão do “espancamento de avós” por pesquisadores ingleses (Bake e Burston). No Brasil, apenas nas últimas duas décadas que a temática vem ganhando relevância diante do aumento no número de idosos na sociedade brasileira e frente ao protagonismo político dos movimentos sociais em prol da população idoso, o que repercutiu, dentre outros, na promulgação de legislações específicas de proteção, tal como a Política Nacional do Idoso (1994) e do Estatuto do Idoso em 2003, sendo que ambas as normas consideram os maus-tratos como violações aos direitos dos idosos. (BRASIL, 2020b, p. 37)
Ademais, o Estatuto do Idoso trouxe importante instrumento para identificação da ocorrência das violências contra as gerações idosas por meio da obrigatoriedade da notificação quando da ocorrência de maus-tratos o que auxilia na realização de diagnóstico situacional no país, ainda que a subnotificação e subdiagnosticada seja um fato. Neste sentido é o artigo 19 do Estatuto:
Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos: I – autoridade policial; II – Ministério Público; III – Conselho Municipal do Idoso; IV – Conselho Estadual do Idoso; V – Conselho Nacional do Idoso.
No tocante as formas de manifestação da violência contra a pessoa idosa essas são as mais variadas possíveis, tal como retratado abaixo (BRASIL,2020a, p. 12-13):
- violência física: uso da força física para compelir ao idoso a fazer o que não deseja, para feri-lo ou provocar-lhe dor, incapacidade ou morte;
- violência psicológica: corresponde à realização de agressões verbais ou gestuais com a finalidade de aterrorizar o idoso, humilhá-lo, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio social.
- violência sexual: relacionado com a prática de ato ou jogo sexual de caráter homo ou hetero-relacional utilizando pessoa idosa. Esse tipo de agravo visa obter excitação sexual, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.
- violência financeira e econômica: consiste na exploração imprópria ou ilegal dos idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros ou patrimoniais.
- Abandono: caracterizado pela ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa que necessite de proteção.
- Negligência: relacionada à recusa ou à omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. Manifesta-se associada a outros abusos que geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais, em particular, para os idosos que se encontram em situação de múltipla dependência ou incapacidade.
- Autonegligência: conduta da pessoa idosa que ameaça a própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si.
É importante destacar que estas formas de violências são naturalizadas e reproduzida no cotidiano das várias relações sociais praticas no interior das famílias, das instituições e em diferentes contextos sociais (MINAYA, 2003, p. 790) sendo que muitas vezes não são reconhecidas enquanto condutas socialmente ilegítimas e ilegais pelos próprios agressores ou pelos idosos.
Ressalta-se ainda que a violência contra a pessoa idoso seja, em muitos casos, uma violência invisível, como aquelas que ocorrem sem deixar marca no corpo, mas que provocam sofrimentos, traumas e danos, especialmente ocorridos entre membros familiares e entre parceiros íntimos, dentro ou fora dos lares domésticos. Além disso, é uma violência sofrida em silêncio, dentre outros, pelo sentimento de culpa e de vergonha sentidos pela pessoa idosa aliada ao medo de retaliação ou represália por parte dos familiares agressores. (BRASIL, 2020b, p. 63).
Esta realidade é bem retratada no Manual de Enfrentamento à Violência a Pessoa Idosa (2020b)
Uma das questões mais comuns narradas por delegados, promotores de justiça, defensores públicos e assistentes sociais que atendem às pessoas idosos é que as vítimas tendem a minimizar a gravidade dos maus-tratos e a se mostrarem letais a seu agressor, negando-se a adotar medidas legais contra membros da família ou da discutir sobre esse assunto com terceiros. Elas preferem conviver com maus tratos a abrir mão de um relacionamento pessoal e efetivo de toda a vida” (p. 65)
O choque de gerações, as aglomerações de pessoas nas residências, a falta de condição e disponibilidade para o cuidado somados ao peso do imaginário social preconceituoso que concebe as pessoas idossoas como seres humanos decadentes e descartáveis (BRASIL, 2020b, p. 64) são alguns dos fatores que motivam a violência familiar.
Entretanto, neste contexto familiar de cuidado da pessoa idosa a família e, especialmente, os cuidadores familiares, também necessitam de atenção e suporte do poder público, inclusive mediante políticas públicas específicas que visem auxiliar os membros familiares na tarefa do cuidado e, assim, minorar e prevenir as dificuldades de toda sorte e de exaustão surgidas e que refletem, muitas vezes, como motivadoras das violências.
E aqui é relevante lembrar que o Estado é responsável pelo dever de cuidado não só dos idosos, mas também das famílias, tal como prescrito no art. 230 e, em especial, no artigo 226 da Constituição Federal, o qual prescreve que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
3. PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA VIOLÊNCIA A PESSOA IDOSA NO BRASIL
A prática de violência contra a pessoa idoso é uma triste realidade nacional.
No Brasil, conforme dados oficiais extraídos de relatório noticiado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) registrou em 2018 um aumento de 13% no número de denúncias sobre violência contra idosos em relação ao ano de 2017.
O balanço de 2018 informa que foram recebidas 37.454 denúncias de violações contra a pessoa idosa sendo que 52,9% dos casos de violações foram cometidos pelos filhos, seguidos de netos (com 7,8%). As pessoas mais violadas foram mulheres com 62,6% dos casos e homens com 32% sendo os idosos da faixa etária de 71 a 80 anos com 33% e 61 a 70 anos com 29%.
Dentre as violações mais constatadas foram as de negligências (38%), violência psicológica (humilhação, hostilização, xingamentos etc) com 26,5%, seguido de abuso financeiro e econômico/violência patrimonial que envolve, por exemplo, retenção de salário e destruição de bens com 19,9% das situações. A quarta maior recorrência se refere à violência física, 12,6%.
O relatório ainda ressalta que mais de um tipo de violência foi cometido simultaneamente em casos comunicados à central. (MMFDH,2020)
O aumento no número de ocorrências de violências contra a geração idosa também pode ser constatada nestes tempos de Pandemia de Covid-19, tal como evidenciado no Estado de Pernambuco em que houve um aumento no registro das denúncias de 83,33% desde o início do isolamento social. (G1,2020)
No Brasil, todas estas formas de violência contra a pessoa idosa são expressamente vedadas pelo Estatuto do Idoso que em seu artigo 4° prescreve que “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.”
A noção normativa de violência contra a pessoa idosa é definida no § 1o do art. 19: “Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra o idoso qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.”
Em complemento a esta noção o Estatuto ainda sinaliza o que entende por violência quando a contrapõe a violação dos direitos, tal como disposto nos § 2o e 3o do art. 10:
§ 2o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.
§ 3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
A responsabilização pela prevenção a ameaça ou violação aos direitos do idoso é imposta a todos, (art. 4°, § 1o) ) incluindo as pessoas físicas ou jurídicas nos termos da lei, cabendo portanto, a todo cidadão “comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.” (art. 5°)
Importante destacar que ao Estado brasileiro cabem algumas responsabilidades específicas devendo, para tanto, organizar-se para realizar o atendimento ao idoso de forma articulada mediante um conjunto de ações governamentais e não governamentais no âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, por meio dos Conselhos dos Idosos (Nacional, Estadual, Distrital e Municipal), da atuação do Ministério Público, da Defensoria Pública, das delegacias gerais ou especializadas, dos órgãos da vigilância sanitária, dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), dentre outros.
Além dessa rede de apoio institucional, o Estatuto do Idoso traz importante previsão de medidas gerais e específicas de proteção à pessoa idosa:
Art. 44. As medidas de proteção ao idoso previstas nesta Lei poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, e levarão em conta os fins sociais a que se destinam e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Art. 45. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 43, o Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimento daquele, poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar;IV – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; V – abrigo em entidade; VI – abrigo temporário.
Por fim, o Estatuto ainda tipifica uma série de condutas como crime com a finalidade de inibir e punir atos de violência contra os idosos impondo ainda sanções cuja pena máxima privativa de liberdade pode chegar até 4 (quatro) anos. A ação penal passa a ser pública incondicionada. (art. 94 e 95).
Seguem os crimes descritos no Estatuto que estão relacionados às violências descritas no título anterior:
Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade: Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. § 1o Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo. § 2o A pena será aumentada de 1/3 (um terço) se a vítima se encontrar sob os cuidados ou responsabilidade do agente.
Art. 97. Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública:Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado:Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.
Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado: Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa § 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2o Se resulta a morte: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Art. 100. Constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa: I – obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade; II – negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho; III – recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, a pessoa idosa;IV – deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei; V – recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público.
Art. 101. Deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida nas ações em que for parte ou interveniente o idoso:Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.
Art. 103. Negar o acolhimento ou a permanência do idoso, como abrigado, por recusa deste em outorgar procuração à entidade de atendimento:Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
Art. 104. Reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
Art. 105. Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso:Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Art. 106. Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente: Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Art. 107. Coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração: Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Art. 108. Lavrar ato notarial que envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos, sem a devida representação legal: Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Desta forma, o Estatuto do Idoso estabelece um sistema de proteção jurídica à pessoa idosa mediante medidas de caráter preventivo e repressivo, de teor administrativo e judicial, cabendo ao próprio idoso, família, sociedade e Estado o dever da sua proteção.
CONCLUSÃO
O envelhecimento humano é um fato da vida que vem ganhando grande destaque social não só diante do seu crescimento em escala mundial, mas pelos desafios sociais acarretados para as sociedades e Estados na gestão da sua proteção.
Todavia, apesar do reconhecimento positivo do envelhecimento, tanto em termos pessoais como sociais, existe uma cultura arraigada de desvalorização das pessoas idosa que, dentre outras, estimulam ações de exclusão social e violações dos direitos fundamentais desses cidadãos.
As violências destinadas a este grupo etário são as mais diversas e, mesmo com um rol de mecanismos jurídicos dispostos a seu combate, tal como prescrito no Estatuto do Idoso, elas se mantêm.
Por tal motivo, a celebração do Dia Mundial da Conscientização contra a Violência a Pessoa Idosa, bem como a referência a campanha de valorização do idoso “Junho Violeta” são políticas públicas necessárias para auxiliar na modificação de comportamentos cotidianos enraizados em preconceitos e estereótipos de uma cultura autoritária etarista ou velhofóbica que incentiva e banaliza as violências contra a pessoa idosa.
A simbologia da cor e a alusão à delicadeza, simplicidade e beleza da flor violeta são recursos sensíveis na conscientização para um cuidado de respeito às pessoas idosas, contribuindo assim para o reconhecimento e valorização do envelhecimento e dos idosos.
REFERÊNCIAS
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