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O divórcio virtual e o e-notariado: a era da desmaterialização dos procedimentos extrajudiciais
O divórcio virtual e o e-notariado: a era da desmaterialização dos procedimentos extrajudiciais
Patricia Novais Calmon
Advogada especialista em direito das famílias, sucessões e idoso. Mestranda em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do IBDFAM-ES. Diretora da Associação Brasileira de Advogados de Vitória-ES (ABA-ES). Membro da International Society of Family Law.
Resumo: O Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça instituiu o sistema de atos notariais eletrônicos, denominado e-Notariado. A partir dele, o divórcio passa a se operacionalizar de modo virtual, embora os requisitos formais de validade do ato ainda sejam definidos pelo CPC/15 e pela Resolução nº 35 do CNJ.
Palavras-chave: Divórcio virtual; Divórcio consensual; Provimento 100; Conselho Nacional de Justiça.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Provimento nº 100 do CNJ e o “e-Notariado”; 3. Do divórcio extrajudicial: aspectos formais para validade do ato; 4. Do divórcio virtual: influxos no procedimento; 5. Conclusão; 6. Referências.
INTRODUÇÃO
Não existem dúvidas que a tecnologia acarretou mudanças de relevo na remodelação do tecido social. Era certo que uma hora ou outra a tecnologia iria impregnar as mais variadas atividades, públicas e privadas, mas, com o advento da decretação da pandemia do novo coronavírus pela Organização Mundial de Saúde, não foram poucas as vozes ecoantes no sentido de antecipação desse fenômeno.
Diante desse cenário, é editado o Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça, na data de 26 de maio de 2020, instituindo a realização de atos notariais eletrônicos através do sistema denominado e-Notariado.
Já no artigo 2º do provimento há expressa disposição de alguns conceitos importantes para se compreender os demais preceitos normativos. Um deles, em especial, chama a atenção: a digitalização ou desmaterialização, que seria “o processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio não digital, para o formato digital” (inciso VIII).
O curioso é que tais termos são bastante difundidos por Peter Diamandis, fundador e presidente executivo da Singularity University, importante universidade americana com foco na inovação. O autor introduziu a noção dos “6Ds” das tecnologias exponenciais, incluindo seis características, todas se iniciando com a letra “d”, incluindo a digitalização, a decepção, a disrupção, a desmonetização, a desmaterialização e a democratização. Se a digitalização seria o primeiro passo das tecnologias exponenciais, onde altera-se o mundo físico para o digital, a desmaterialização é um processo mais avançado, consistindo "no desaparecimento dos próprios produtos e serviços", inserindo-os em outros mais econômicos e democráticos. [1]
Por certo, tal menção às constatações de Peter Diamandis é apenas uma referência literária para os termos utilizados pelo Provimento nº 100 do CNJ, onde inseriu como sinônimo as palavras digitalização e desmaterialização.
O certo é: todo esse fenômeno tecnológico já estudado pelos mais diversos setores econômicos, também chegaria à esfera jurídica, tanto nos processos judiciais quanto nos procedimentos administrativos realizados por outorga de delegações de notas e registros dos Estados. É justamente o que ocorreu com o Provimento nº 100 do CNJ, inclusive trazendo influxos à realização de divórcios extrajudiciais.
Desse modo, a partir de agora, com a criação do sistema digital e-Notariado, todos os tabeliães do Brasil devem se utilizar desse sistema, independentemente de qualquer tipo de vacatio, o que inclui a prática de atos concernentes ao divórcio consensual extrajudicial.
Assim sendo, esse artigo tem por finalidade estudar a operacionalização do divórcio virtual após a edição do Provimento nº 100 do CNJ. Para tanto, no primeiro tópico, se analisará as principais mudanças ocasionadas pelo Provimento, bem como a sua operacionalização prática. No segundo, se adentrará ao estudo do divórcio extrajudicial no sistema jurídico brasileiro, já que as previsões contidas no CPC/15 e na Resolução nº 35 do CNJ continuam apresentando requisitos de validade para o ato notarial. No último tópico, se ingressa na análise específica do divórcio virtual, realizado através do e-Notariado, nos moldes do Provimento nº 100 do CNJ.
Vamos lá.
1. O PROVIMENTO Nº 100 DO CNJ E O “E-NOTARIADO”
Como manifestação de um projeto que já vinha se desenvolvendo há algum tempo, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 100, na data de 26 de maio de 2020, regulamentando a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado.
Por certo, a edição do provimento teve por motivação e reforço a decretação da pandemia do novo coronavírus pela Organização Mundial de Saúde, que impôs a revisitação da forma pela qual os atos judiciais e administrativos são realizados. Sem dúvidas, a pandemia acarretou um rápido avanço na já esperada era tecnológica, e, a partir de agora, os atos públicos cartorários também podem ser realizados por meios digitais.
O Provimento nº 100 do CNJ inaugurou um sistema que visa conferir efetividade, segurança e padronização aos procedimentos notariais. Ademais, está em consonância com a Lei nº 13.726/2018, que racionaliza atos e procedimentos públicos, com a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude (art. 1º).
O e-Notariado passa a ser, então, a plataforma adequada para a prática dos mais diversos atos notariais por parte do tabelião. Inclusive, fica vedada a prática de atos notariais eletrônicos ou remotos com recepção de assinaturas eletrônicas a distância sem a utilização do e-Notariado (art. 36).
Embora exista celeuma a respeito da realização de testamentos através desse sistema, por se tratar de ato dotado de formalidades essenciais para a sua validade, é possível se extrair uma interpretação ampliativa no sentido de que todos os atos notariais podem ser realizados por intermédio do e-Notariado (art. 26).
Os atos celebrados por intermédio do sistema são considerados autênticos e detentores de fé pública, e produzirão todos os efeitos previstos no ordenamento jurídico quando observarem os requisitos necessários para a sua validade (art. 16 e 17). Os atos notariais eletrônicos, cuja autenticidade seja conferida pela internet por meio do e-Notariado, constituem instrumentos públicos para todos os efeitos legais (art. 29).
A implantação do sistema tem por objetivo interligar os notários, permitindo a prática de atos notariais eletrônicos, com intercâmbio de documentos, informações e dados. Além disso, visa viabilizar o serviço notarial em meio eletrônico, implantar um sistema padronizado de elaboração de atos notariais eletrônicos, possibilitando a solicitação de atos e certidões e, ainda, implantar a Matrícula Notarial Eletrônica (MNE), que serve como chave de identificação individualizada, que facilita a unicidade e rastreabilidade da operação eletrônica praticada (art. 7º e 12).
Um dos grandes pontos positivos do Provimento se refere à criação do certificado digital notarizado, que é uma identidade digital gratuita para pessoas físicas e jurídicas, identificada presencialmente por um notário a quem se atribui fé pública. Desse modo, o notário fornecerá certificado digital notarizado, gratuitamente, aos clientes do serviço notarial, para uso exclusivo e por tempo determinado, na plataforma e-Notariado e outras autorizadas pelo Colégio Notarial Brasil-CF (art. 9º, §4º)
A importância de tal criação ocorre em razão das possíveis dificuldades inerentes ao acesso de certificados digitais ICP-Brasil por grande parcela da população, principalmente diante do seu custo relativamente alto. Assim sendo, aquela pessoa física ou jurídica que solicite a realização de atos notariais poderá comparecer ao Ofício de Nota para realizar o seu cadastramento e emissão do certificado digital notarizado.
Além disso, foi autorizada, ainda, a realização de atos notariais híbridos, com uma das partes assinando fisicamente o ato notarial e a outra, à distância. Nesse caso, ainda que o ato seja assinado fisicamente, deverá ocorrer a sua digitalização ou desmaterialização, que seria o processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio não digital, para o formato digital (art. 30 e 2º, VIII e XI). A realização de atos notariais híbridos serão fundamentais nas situações onde uma das partes pode não estar inserida no contexto digital, seja por ausência de acesso à rede wi-fi ou, até mesmo, por inabilidade na utilização das plataformas digitais (ausência de literacia digital).
Outra novidade do Provimento nº 100 se refere à realização de videoconferências para a captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico, que será requisito essencial para a prática do ato notarial eletrônico. Sua realização ocorrerá através do próprio sistema e-Notariado, que poderá se utilizar de outras plataformas para a transmissão do vídeo, como, por exemplo, o Zoom. O tabelião arquivará o trecho da videoconferência em que constar a ratificação da assinatura pelo signatário com expressa menção ao documento assinado (art. 23, §2º).
Nesses moldes, a videoconferência é um ato preparatório para a formalização do ato notarial eletrônico onde as vontades já estão nele consolidadas.
A gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo: a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas; b) o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública; c) o objeto e o preço do negócio pactuado; d) a declaração da data e horário da prática do ato notarial e; e) a declaração acerca da indicação do livro, da página e do tabelionato onde será lavrado o ato notarial (art. 3º, parágrafo único).
No que concerne à territorialidade para a prática dos atos, o Provimento estabeleceu que o ato notarial deverá ser realizado na circunscrição territorial municipal em que o tabelião recebeu a sua delegação, sendo tal “competência absoluta”, nos exatos termos do artigo 6º. Para a definição da circunscrição territorial, o Provimento estabeleceu cinco critérios específicos, isto é, os previstos no art. 19 (1); art. 19, §1º (2); art. 19, §2º (3); art. 20, §único (4); art. 23, §1º(5).
Sem dúvida, esse é um dos pontos mais questionáveis do Provimento. É possível se evidenciar duas interpretações sobre tal tema, as quais se cita apenas sucintamente e sem a pretensão de esgotar o tema.
Para a primeira, o ato normativo teria inovado indevidamente no ordenamento jurídico, já que vigora a liberdade de escolha do tabelião de notas, consoante previsão contida no art. 8º da Lei 8.935/94, que dispõe expressamente que “é livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio”.
Por outro lado, outra interpretação também pode ser realizada. É que, embora exista a liberdade de escolha do tabelião de notas (art. 8º), tal normativa deve ser lida em consonância com o disposto no art. 9º da mesma lei, que assenta que “o tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação”.
Pois bem.
Na prática, o atendimento e realização dos atos acontecerá em três etapas: a) início do procedimento; b) averiguação dos requisitos pelo notário, inclusive com a realização de videoconferência; c) lavratura do ato notarial e assinatura eletrônica notarizada pelos interessados.
O primeiro passo ao interessado no serviço notarial é acionar o Ofício de Notas através de números de telefone, endereços eletrônicos de e-mail ou uso de plataformas eletrônicas de comunicação e de mensagens instantâneas como WhatsApp, Skype e outras, que deverá ser objeto de ampla divulgação (art. 32).
Através dessa comunicação, o interessado deverá requerer o serviço desejado e, ainda, encaminhar os documentos necessários para a prática do ato, o comprovante dos emolumentos e o que mais for da substância do ato. O comparecimento presencial no Ofício de Notas deverá ocorrer apenas se o interessado ainda não possuir o certificado digital notarizado.
Após, o tabelião irá analisar se os requisitos se encontram presentes, bem como designará videoconferência para a captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico.
Por fim, estando o requerimento em ordem, ocorrerá a lavratura do ato notarial eletrônico, com a assinatura eletrônica notarizada dos interessados.
Desse modo, pode-se extrair que os procedimentos iniciais, de requisição do serviço e encaminhamento da documentação, serão realizados através de mecanismos tecnológicos como e-mail, telefone ou plataformas eletrônicas ou de mensagens instantâneas. Só será permitido o arquivamento de forma digital de documentos e papéis apresentados aos notários, que seguirá as mesmas regras de organização dos documentos físicos (art. 31). Nesse momento inicial, portanto, não há que se falar em utilização do e-Notariado, que passará a ser empregado na segunda e terceira etapas, para a prática dos atos de: a) lavratura do ato notarial eletrônico; b) coleta de assinaturas digitais; c) realização da videoconferência (art. 4º).
Após a lavratura do ato notarial, a parte irá providenciar o seu registro na instituição adequada para a produção de efeitos jurídicos perante a administração pública e entre particulares. É o caso, por exemplo, de instituições financeiras, juntas comerciais, Detrans, entre outros (art. 29).
Para garantir uma adequada segurança jurídica, a impressão do ato notarial eletrônico conterá, em destaque, a chave de acesso QRCode para consulta e verificação da autenticidade do ato notarial na internet (art. 15).
Diante do exposto, denota-se que o Provimento nº 100 do CNJ tem por finalidade regulamentar a prática dos mais variados atos notariais, o que inclui o divórcio consensual extrajudicial, cujas nuances serão analisadas no tópico que se segue.
2. DO DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL: ASPECTOS FORMAIS PARA VALIDADE DO ATO
Como visto, o Provimento nº 100 do CNJ trouxe importantes inovações na realização de atos notariais eletrônicos. Deve-se destacar, contudo, que não houve modificação nos requisitos materiais para a celebração dos referidos atos, que permanecem com o mesmo regramento já deferido por lei ou atos normativos.
O divórcio extrajudicial, realizado pelos Ofícios de Notas, já é admitido em nosso ordenamento jurídico desde o ano de 2007, como decorrência da edição da Lei 11.441/07, que modificou o CPC/73, e da Resolução nº 35 do Conselho Nacional de Justiça.
Essa possibilidade foi ainda mais acentuada a partir da modificação ocasionada pela Emenda Constitucional nº 66, ao retirar os prazos mínimos para a dissolução do vínculo conjugal, sendo, a partir daí, um direito potestativo, o que envolve “basicamente um poder de agir”[2], atribuindo uma sujeição àquele outro componente da relação jurídica.
A regulamentação do divórcio consensual através dos serviços notariais surge, ainda, como um reflexo do acesso à justiça, da desjudicialização dos procedimentos e dos novos modelos de resolução adequada de conflitos. Afinal, o ingresso ao Poder Judiciário não pode ser tido como o único meio para que as pessoas envolvidas em conflitos consigam tratá-los, principalmente quando não se estiver diante de direitos com cargas de indisponibilidade.
Justamente por isso, até mesmo com a finalidade de aliviar o já tão sobrecarregado Poder Judiciário, independe de homologação judicial a realização do divórcio através do Ofício de Notas, e a escritura pública constitui, por si, um título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras (art. 733, §1º, CPC/15).
Com o advento do CPC/15, houve a repetição da regulamentação contida no CPC/73 e na Lei 11.441/07, de modo a disciplinar a matéria nos artigos 731 e seguintes. Por certo, o legislador definiu alguns requisitos para que seja possível a ocorrência desse divórcio administrativo.
O primeiro deles seria o divórcio ser requerido por petição assinada por ambos os cônjuges (art. 731, CPC/15), sendo imprescindível a existência de consenso entre as partes. Além do consenso, é indispensável que inexista filhos incapazes ou nascituro, e que as partes estejam assistidas por advogado ou Defensor Público (art. 733, caput e §2º, CPC/15).
No ponto, a doutrina vai além, ao assentar que será possível o divórcio consensual mesmo no caso de existência de filhos incapazes, se as questões forem previamente regulamentadas pelo Poder Judiciário. Assim, “nada impedirá o uso da via administrativa para compor, tão somente, os interesses particulares e disponíveis do casal, uma vez que a proteção dos filhos menores já decorreu de decisão do Poder Judiciário”.[3]
Sobre o tema, ainda que de uma maneira mais limitada, o próprio CNJ decidiu que “a existência de filhos menores emancipados não é óbice à realização de inventário e de divórcio extrajudiciais. Inteligência e interpretação sistemática da Lei nº 11.441/07 e da Resolução nº 35 do CNJ”.[4]
Em 2016, a Resolução nº 220 do CNJ adicionou mais um requisito para a viabilidade do divórcio extrajudicial, que é a inexistência de estado gravídico do cônjuge ou desconhecimento dessa condição (art. 34, parágrafo único e art. 47, Res. 35, CNJ).
Para a realização do divórcio extrajudicial, o procedimento previsto na Resolução nº 35 do CNJ deverá ser observado, que poderá ser dividido em três partes: a) início do procedimento; b) análise dos requisitos essenciais; c) lavratura da escritura pública. No próximo capítulo se analisará os reflexos que o Provimento nº 100 do CNJ trouxe a esse procedimento.
Ao iniciar o procedimento administrativo, deverão os interessados, por intermédio do acompanhamento do advogado ou Defensor Público, apresentar os documentos necessários, como a certidão de casamento, o documento de identidade e CPF/MF, o pacto antenupcial, se houver, a certidão de nascimento dos filhos capazes e a certidão de propriedade de bens comuns, móveis e imóveis (art. 33). No mesmo ato, dever declarar que não possuem filhos em comum ou que são absolutamente capazes, indicando seus nomes e datas de nascimento.
Após o início do procedimento, o tabelião analisará todos os requisitos essenciais para a realização do divórcio extrajudicial e, estando tudo em ordem, lavrará a escritura pública.
Seguindo padrão semelhante, a Lei nº 12.874/2013 trouxe alterações para a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), regulamentando o divórcio consensual através das autoridades consulares brasileiras, que também possuem atribuições notariais, conforme previsão da Convenção de Viena sobre Relações Consulares.[5] Diante de um cenário cada vez mais globalizado e de relações com caráter de estraneidade, é imprescindível que os consulados realizem atos notariais, inclusive de divórcio consensual, em favor de brasileiros que se encontrem em países estrangeiros.
Trata-se de um divórcio consensual e extrajudicial, efetivado em moldes semelhantes àqueles realizados nos Ofícios de Notas situados em território nacional, inclusive com os mesmos requisitos formais para a sua consecução. Assim, é indispensável que inexista filhos menores ou incapazes e que conste da respectiva escritura as disposições realizadas à descrição e à partilha de bens comuns, à pensão alimentícia entre os cônjuges e, ainda, acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento (art. 18, §1º, LINDB). Também será imprescindível a assistência de um advogado no divórcio consensual via repartição consular (art. 18, §2º. LINDB). Após a lavratura da escritura pública pela autoridade consular, com etiqueta de segurança, será dispensada qualquer ato de legalização para que tenha validade em território nacional (art. 1º, §1º, Lei 8.742/2016).
Destaca-se que esse divórcio consensual realizado através da repartição consular, que terá natureza de documento público brasileiro, se distingue daquele que se desenvolve por uma autoridade estrangeira. Mas, mesmo sendo a decisão do divórcio consensual emanada por autoridade estrangeira, ela produzirá efeitos no Brasil independentemente de homologação pelo STJ (art. 961, §5º, CPC/15) e, nesse caso, é possível que haja a averbação direta no assento de casamento, diante da incidência do Provimento nº 53 do CNJ.
Temos, portanto, três situações diferentes quando se estiver diante de um divórcio consensual: a) divórcio realizado pelos Ofícios de Notas; b) divórcio de brasileiros realizado pela repartição consular; c) divórcio realizado por autoridade estrangeira. O Provimento nº 100 do CNJ regulamentou apenas o primeiro deles.
3. DO DIVÓRCIO VIRTUAL: INFLUXOS NO PROCEDIMENTO
O divórcio consensual extrajudicial realizado por Ofício de Notas em território nacional continuará sendo regido pelo CPC/15 e pela Resolução nº 35 do CNJ. Mas, o que antes era realizado por meio presencial, agora passa a se operacionalizar por meios digitais.
É o caso, por exemplo, da forma pela qual a captação da manifestação de vontade é captada pelo tabelião. Isso porque, de acordo com a Resolução 35 do CNJ, será essencial para a lavratura da escritura pública de divórcio extrajudicial a manifestação de vontade espontânea e isenta de vícios em não mais manter a sociedade conjugal (art. 47). Se antes da vigência do Provimento nº 100 essa manifestação de vontade era captada de forma presencial, agora ela o será através de videoconferência.
Aliás, embora a escritura do divórcio não seja sigilosa (art. 42, Resolução nº 35, CNJ), o acesso à videoconferência é bastante discutível. Afinal, ela não é um fim em si mesma, mas apenas um instrumento para que o tabelião lavre a escritura pública eletrônica.
Não por outro motivo, de acordo com o art. 33 do Provimento nº 100 do CNJ, os dados das partes poderão ser compartilhados somente entre notários e, exclusivamente, para a prática de atos notariais, em estrito cumprimento à Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de proteção de Dados Pessoais). Ademais, deve-se recordar que o tabelião tem dever de sigilo profissional, sujeitando-se a infrações disciplinares no caso de violação (art. 30, VI e 31, Lei 8.935/94).
Assim, a videoconferência parece fazer parte do arquivo do cartório, não tendo publicidade irrestrita, salvo, obviamente, quando houver determinação por meio de decisão judicial.
Para a realização do divórcio extrajudicial, o procedimento previsto na Resolução nº 35 do CNJ deverá ser agora observado em consonância com o disposto no Provimento nº 100. É possível fazer um paralelo entre o antes e o depois.
Vejamos.
Se, antes, o início do procedimento ocorreria de forma presencial ou através de meios não uniformes estabelecidos de forma unilateral pelo Ofício de Notas, agora, deverá ocorrer através de comunicação por telefone, endereço eletrônico de e-mail ou uso de plataformas eletrônicas de comunicação e de mensagens instantâneas (art. 32).
Nesse momento, deverão ser apresentados de forma digitalizada todos os documentos necessários para o divórcio consensual (certidão de casamento; documento de identidade oficial e CPF/MF; pacto antenupcial, se houver; certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver; certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; declaração de inexistência de filhos comuns ou que são absolutamente capazes, indicando nomes e as datas de nascimento; declaração que a cônjuge mulher não se encontra em estado gravídico ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição - art. 33 e 34).
No que concerne a segunda etapa, se, antes, ocorria a análise dos requisitos essenciais e a captação de vontade presencial ou através de procuração, agora, o tabelião designará videoconferência com os cônjuges, captando a manifestação de vontade de ambos. Nenhum dispositivo do Provimento impõe que a videoconferência seja realizada em um único ato, de modo a ser viável interpretação no sentido de que ocorra a sua realização em separado.
Certamente, tal disposição mitigou a necessidade dos divórcios consensuais realizados por procuração, que era a exceção ao comparecimento presencial no momento da lavratura da escritura, conforme previsão no art. 36 da Resolução nº 35 do CNJ.
Quanto à terceira etapa, se, antes, a lavratura da escritura pública ocorria de maneira física, agora ela se desenvolverá eletronicamente. As partes receberão um link de acesso para que assinem eletronicamente a escritura.
Também na escritura pública eletrônica deverá constar que as partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro civil do assento de casamento, para a averbação devida (art. 43, Resolução nº 35, CNJ). Assim, as partes deverão requerer a averbação no Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais.
Em relação à territorialidade, o divórcio deverá se desenvolver em qualquer Ofício de Notas do Município de domicílio das partes, a partir da verificação do título de eleitor ou de outro domicílio comprovado (art. 20, parágrafo único, e 21, II, Provimento nº 100, CNJ). Observada essa circunscrição territorial, é livre às partes escolher o Ofícios de Notas de sua confiança.
Por isso, a previsão contida no art. 1º da Resolução nº 35, CNJ que determina que “para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei nº 11.441/07, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil” passa a ser interpretada em consonância com as previsões do Provimento nº 100 do CNJ.
Dúvida pode vir a surgir no caso da existência de múltiplos domicílios pelos cônjuges, principalmente diante da atual possibilidade de mitigação do art. 1.566, II, que impõe a vida em comum, no domicílio conjugal. Nesse caso, parece que as partes poderão escolher entre os municípios de quaisquer dos domicílios.
Diante do exposto, é possível se concluir que, de fato, o Provimento nº 100 foi bastante salutar ao trazer essa antecipação da era digital também para os procedimentos notariais, especialmente aos divórcios consensuais.
Nos moldes do exposto por Peter Diamandis, pode-se perceber que, independentemente de se tratar de uma etapa de digitalização ou de desmaterialização, o CNJ deu um importante passo para a inserção dos atos notariais também na era tecnológica.
CONCLUSÃO
O Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça instituiu um sistema para a prática de atos notariais eletrônicos, denominado de e-Notariado. Todos os tabeliães do Brasil devem passar a utilizá-lo a partir de 26 de maio de 2020, já que inexiste qualquer vacatio para a sua aplicação. Trata-se, de fato, de um marco em um mundo cada vez mais tecnológico.
Esse ato normativo foi bastante positivo, já que conferiu eficiência, segurança jurídica e padronização na realização de atos notariais eletrônicos. Embora tenha trazido alguns pontos específicos questionáveis, como é o caso da definição de circunscrição territorial para a prática dos atos, pode-se afirmar que, no geral, a atuação do CNJ tem se mostrado bastante salutar para a inserção dos atos notariais no mundo digital.
Nesses moldes, o divórcio consensual extrajudicial passa a ser realizado através do sistema e-Notariado. Os aspectos formais de validade do ato continuam sendo aqueles previstos no art. 733 do CPC/15 e na Resolução nº 35 do CNJ, mas, a sua operacionalização passa a sofrer os influxos do Provimento nº 100, implementando, com isso, o divórcio virtual.
REFERÊNCIAS
DIAMANDIS, Peter H; KOTLER, Steven. Bold: oportunidades exponenciais. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito de família. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 424.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito São Paulo: Atlas, 2003, p. 154.
[1] DIAMANDIS, Peter H; KOTLER, Steven. Bold: oportunidades exponenciais. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
[2] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito São Paulo: Atlas, 2003, p. 154.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito de família. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 424.
[4] CNJ, Pedido de Providências 0000409-15.2014.2.00.0000, Rel. Gustavo Tadeu Alkmim - 15ª Sessão Virtual, j. em 14/06/2016.
[5] Decreto nº 61.078, de 26 de julho de 1967, Promulga a Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Artigo 5º, Funções Consulares As funções consulares consistem em: f) agir na qualidade de notário e oficial de registro civil, exercer funções similares, assim como outras de caráter administrativo, sempre que não contrariem as leis e regulamentos do Estado receptor.
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