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Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais para com os filhos
Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais para com os filhos
Bruna Alessandra Costa Rossi de Sousa
Advogada
RESUMO
O abandono de filhos por seus pais é um problema real e essa situação, vivenciada por várias crianças e adolescentes, tem um impacto no resto de suas vidas. Assim, a responsabilização civil é uma possibilidade para quem sofre dessa privação de amor tão essencial na vida de qualquer um. O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a plausibilidade da compensação financeira a vítimas de abandono afetivo dos seus genitores. Para isso, é necessário pensar em dois pontos principais, ou seja, o real sofrimento do filho e o efetivo e intencional abandono do pai, pois, a indenização não deve ser vista como uma forma de colocar valor econômico no amor e afeto, mas sim como uma reparação a uma ofensa sofrida.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Indenização. Abandono Afetivo.
ABSTRACT
The abandonment of children by their parents is a real problem and this situation, experienced by several children and teenagers, has an impact for the rest of their lives. Thus, public liability is a possibility for those who suffer from this deprivation of love so essential in anyone’s life. The present paper has as general objective to analyze the plausibility of the financial compensation to victims of affective abandonment by their parents. For this, it is necessary to think about two main points, which are, the real suffering of the son and the effective and intentional abandonment by the father, because the indemnity should not be seen as a way of putting economic value in love and affection, but rather as a reparation for a suffered offense.
KEYWORDS: Public Liability. Indemnity. Affective Abandonment.
Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil é a aplicação das medidas que obrigam um cidadão a reparar dano moral ou patrimonial ocasionado a terceiros em decorrência de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. (DINIZ, 2007, p. 35).
Dessa forma, percebe-se que a responsabilidade civil busca proteger qualquer pessoa que foi prejudicada, resguardando o seu bem estar físico e moral e seu patrimônio. Além disso, impõe ao infrator a consequente obrigação de indenizar o prejuízo causado.
Cabe ainda fazer a distinção entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva. A subjetiva é aquela que decorre da culpa do causador do dano, ou seja, quando houver negligência, imprudência ou imperícia. Está prevista no art. 186, do Código Civil (BRASIL, CC, 2002): “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Já a objetiva é aquela que busca somente o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado para que seja possível responsabilizar o agente que praticou o ato ilícito, ou seja, não precisa provar culpa. Está disposta no parágrafo único, do art. 927, do Código Civil (BRASIL, CC, 2002): “Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Tanto a subjetiva quanto a objetiva são observadas no ordenamento jurídico brasileiro e, assim, elas coexistem.
Abandono Afetivo
O afeto é primordial para que sejam construídas relações saudáveis e seres humanos de caráter e sociáveis. Sem o vínculo afetivo, não há o real alcance do significado de família, que é o porto seguro e o ambiente que ampara o ser humano. Assim, quando uma criança nasce e cresce em um lugar sem afeto e atenção, é provável que ela desenvolva traumas, que podem ser irreversíveis. Aqueles que compõem o núcleo familiar têm o dever de cuidado, que deveria ser revestido do afeto, para que se tenha uma relação mais humana entre os familiares.
Muitos pais abandonam seus filhos de forma tanto financeira quanto afetiva. Porém, existem os genitores que não abandonam os menores de maneira financeira e pagam pensão alimentícia todos os meses, conforme estipulado pela Justiça, mas abandonam afetivamente. Somente o abandono afetivo é tão grave quanto o abando afetivo e financeiro pois, mesmo que a criança ou o adolescente receba do genitor, economicamente falando, o necessário para ter uma vida digna, não é o bastante. O menor necessita de amor e carinho tanto quanto necessita de dinheiro para seu sustento, visto que, ele pode crescer com os melhores bens materiais, mas não tem o afeto que precisa do genitor para crescer de maneira saudável.
É caracterizado como abandono afetivo de um pai para com seu filho a privação da convivência do menor com seu genitor, que descumpre com seu dever de paternidade responsável não dando afeto essencial ao bem estar psíquico-emocional para a formação da criança.
Esse abandono afetivo impede que o menor tenha acesso ao seu direito fundamental de convivência familiar, conforme previsto no art. 227, da Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1990).
Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais para com os filhos
O direito precisa seguir a modernização da nossa sociedade, que ocorre a cada dia. Assim, o direito de família começou a abrir precedentes diante de discussões que nunca haviam sido abordadas, mas agora são. Um exemplo é a indenização por abandono afetivo. Mostra-se possível pleitear uma indenização decorrente do abandono afetivo de um pai para com seu filho e essa busca por reparo é vista como uma forma compensatória pela falta de convivência familiar, amparo afetivo, psicológico e moral.
Esse dever de indenizar tem o caráter pedagógico, ou seja, para punir os pais que abandonaram seus filhos e tentar impedir que eles voltem a fazê-lo com o mesmo filho ou outro. Além disso, serve também como forma de alertar outros genitores a não fazerem o mesmo, para que não precisem pagar uma indenização aos descendentes.
Quando alguém busca no Judiciário uma indenização por abandono afetivo de seu genitor, provavelmente, procura uma compensação e um certo conforto pela privação da convivência familiar que sofreu. A compensação financeira, possivelmente, não será suficiente para apagar o trauma sofrido na infância, mas, oferece, pelo menos, um pouco de amparo no psicológico e uma sensação de justiça.
Assim, deve-se notar que a responsabilidade civil tem três funções principais, ou seja, a compensação do dano à vítima, a punição do ofensor e a desmotivação social da conduta lesiva.
Vale acrescentar que o afeto deve ser compreendido como um bem jurídico, que é dever dos pais, pois eles têm a tarefa de formar o caráter e a personalidade dos filhos para que possam viver em sociedade de forma harmônica. Com isso, a própria sociedade tem interesse no oferecimento de afeto aos menores, pois está comprovado que crianças que cresceram em famílias sem afeto, desencadeiam riscos sociais, como criminalidade, vícios, ilegalidade, dentre outros.
Um dado que pode espantar, ou não, é que mais de 90% dos adolescentes infratores internados vêm de famílias desestruturadas, marcadas por agressões físicas e emocionais, problemas psiquiátricos e ausência de um dos genitores, seja por rejeição pura e simples, seja por doença ou morte, que, muitas vezes foi causada por violência urbana. (VELASQUEZ, 2020, online).
A indenização por abandono afetivo do pai para com o filho pressupõe que haja um dano à personalidade da criança, sendo indiferente se o vínculo entre eles foi rompido ou nunca existiu, pois ambos são igualmente relevantes para a compensação. Ou seja, se a pessoa abandonada pelo genitor não sofreu nenhum dano emocional com isso, não há que se falar em indenização, visto que, ela é possível somente em casos de sofrimento da vítima. Além disso, é necessário que o genitor tenha tido completo desinteresse em manter qualquer vínculo afetivo com o menor. Por fim, para que se possa dizer, efetivamente, que a pessoa tem direito à indenização por abandono afetivo do pai, é preciso estabelecer que o sofrimento ocasionado adveio desse abandono.
O Superior Tribunal de Justiça, explica bem em seus julgados essa necessidade de detalhada demonstração do ato ilícito e do sofrimento do lesado para que se possa ganhar uma indenização por abandono afetivo. Vejamos um julgado do STJ para exemplificar o que está sendo abordado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro.
2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada com investigação de paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material.
3. É insindicável, nesta instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium.
5. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido.
(REsp 1493125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016).
Dessa forma, a indenização é possível se a pessoa foi abandonada afetivamente e se sentiu lesada. Entretanto, é preciso que o magistrado tenha cautela ao decidir e veja cada caso de forma específica, para que a indenização não seja vista apenas como uma “monetarização do afeto”. Com isso, somente em situações que fiquem comprovadas as consequências negativas do abandono do genitor ao filho é que seria justificável a obrigação de reparar o dano moral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm Acesso em: 23 mai. 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 21. ed.São Paulo: Saraiva, 2007. 35 p.
FAVARETTO, Águeda. A responsabilidade civil por abandono afetivo parental. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72330/a-responsabilidade-civil-por-abandono-afetivo-parental Acesso em: 29 mai. 2020.
GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 6: direito de família. 8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 746 p.
REsp 1493125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp Acesso em: 29 mai. 2020.
SHIKICIMA, Nelson Sussumu. CARVALHO, Adriana de Oliveira. Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27535955_RESPONSABILIDADE_CIVIL_POR_ABANDONO_AFETIVO.aspx Acesso em: 29 mai. 2020.
SOUSA, Hiasminni Albuquerque Alves. Abandono afetivo: Responsabilidade civil pelo desamor. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/863/Abandono+afetivo%3A+Responsabilidade+civil+pelo+desamor Acesso em: 29 mai. 2020.
VELASQUEZ. Miguel Granato. HECATOMBE X ECA. Doutrina – Ministério Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/ RS. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id527.htm> Acesso em: 23 mai. 2020.
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