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O Abandono Afetivo no Centro das Relações Familiares
O Abandono Afetivo no Centro das Relações Familiares
Retrato do Filme Infantil “Os Irmãos Willoughb”
Ao assistir a animação infantil “Os Irmãos Willoughb”, baseada no premiado livro da escritora Lois Lowry, nos deparamos com a história de quatro irmãos que são pessimamente criados por seus pais que têm comportamento extremamente egoísta. Muito embora seja um longa voltado para o público infanto-juvenil, o enredo traz um tema de relevante reflexão para os adultos: o abandono afetivo no centro das relações familiares, ou seja, cujo distanciamento não depende necessariamente de ausência física.
O abandono afetivo, à luz do artigo 227 da Constituição, caracteriza-se quando ambos os pais da criança, ou apenas um, são omissos nos seus deveres de cuidado, criação, educação, companhia e assistência moral, ou seja, não cumprem o dever de garantir aos filhos o direito ao respeito, a convivência familiar, ambiente saudável e proteção.
Na história de ficção, as crianças nunca saíram de casa e não conhecem o mundo. Apesar de morar junto de seus genitores, eram totalmente ignorados, desvalorizados, destratados, negligenciados nas suas necessidades mais básicas, como alimentação e, isto, sem mencionar a falta de amor, de carinho e de afeto no tratamento que lhes era dispensado pelos próprios pais.
Ora, se as relações afetivas consistem no cuidado, criação, educação, companhia e assistência moral, psíquica e social do pai e da mãe aos filhos quando criança ou adolescente, é de fácil constatação que os irmãos Willoughby, representam a história de menores que sofrem abandono afetivo dentro da sua própria casa, isto porque, os pais da ficção agem com total indiferença afetiva para com sua prole.
O abandono afetivo ocorre de diversas formas. Seja pela recusa injustificada do dever de convivência, quando o pai ou a mãe se nega a ficar na companhia de seu filho e afasta-se dele, tendo um comportamento de desamor e indiferença, como se aquele ser sequer fizesse parte da sua vida; seja pela omissão no dever de assistência moral e intelectual no processo de formação do menor ou no dever de cuidado.
Ao confrontar a realidade vivenciada pelas crianças do filme com o conceito de abandono afetivo, é possível desmistificar, - de uma forma bastante didática, inclusive-, que o abandono afetivo é inerente aos casais separados somente, isto porque, os pais, embora ainda casados, ao não cumprirem com os seus deveres ou negligenciarem com as funções da autoridade parental, também estão desamparando a sua prole, tal como ocorre na animação, já que os pais Willoughby não demonstram qualquer interesse pela vida de suas crianças num evidente desamor.
A família, nas mais variadas formas que se apresenta na sociedade, representa o berço da cidadania, por ser o marco inicial dos seres humanos nas suas relações afetivas e sociais, razão pela qual o seu conceito atual passou a ser centrado no afeto como elemento principal, exigindo dos pais que eduquem seus filhos sem lhes omitir o carinho e a dedicação necessários para sua formação sadia e plena.
Na trama paradigma, aqueles pais certamente desconhecem (pedindo a autora permissão para o trocadilho), os deveres consagrados pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos seus artigos 4º e 5º, em especial quanto ao dever de assegurar aos menores a efetivação dos direitos à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e de lhes colocar a salvo de qualquer forma de negligência, crueldade e opressão.
Os pais Willoughby, a despeito de ter contribuído para o nascimento das crianças, agem claramente como se desconhecessem seus filhos, acabando por causar enorme sofrimento a eles, os quais vão crescendo e se virando sem receber qualquer demonstração de afeto, carinho, atenção, presença e orientação e de proteção dos seus genitores, e o que é pior, sendo constantemente alvos de repulsa e escancarada rejeição.
Neste contexto, por mais que os filhos dos Willoughby consigam se virar na sua subsistência, os vestígios do abandono dos pais revelam-se na forma como os menores enxergam o mundo, veem a si mesmas e reagem diante da separação familiar em decorrência da falta de qualquer apoio de sua família. A maneira como os pais tratam os filhos, afeta a forma como as crianças lidam com o mundo e acaba por refletir em seus relacionamentos. Um dos personagens do filme Tim (o irmão mais velho), ilustra com seu comportamento as consequências nefastas do abandono afetivo ao reverberar aquilo que ele aprendeu dentro da sua casa, ao negar-se receber qualquer tipo de amor que fosse lhe oferecido.
Tamanho é o descaso de seus pais que as crianças dos Willoughby, já não suportando mais a família dividida que tinham bem como os abusos morais que sofriam e a constante negligência de seus pais, chegaram ao ponto de planejar virar órfãos, e mandar seus pais numa viajem mortal, isto, não por serem crianças malvadas, mas por serem meras sobreviventes do caos familiar do seu lar de ambiente totalmente destrutível.
Ao contrário do que acontece na vida real, que não conta com o colorido e os personagens extremamente cativantes do longa que escondem uma história dura, - a qual recomenda-se: deve ser assistida principalmente pelos pais-, que nos leva a compreensão clara de que o distanciamento não depende de ausência física, mas sempre em que um pai ou uma mãe, apesar de fisicamente presentes, deixam de acolher a sua prole, de demonstrar interesse no seu crescimento, de participar da sua vida e não prestam-lhes afeto, praticam abandono familiar, numa lamentável semelhança com o comportamento da família Willoughby.
Bárbara Fontoura Souza
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