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Fonte: Boletim do IBDFAM nº 26
Um freqüente questionamento, feito por profissionais e estudantes, no primeiro contato com a mediação interdisciplinar, é saber se esta prática social tem alcance exclusivo por uma classe sócio-econômica e cultural mais privilegiada, em virtude do custo financeiro e em decorrência da necessidade de um nível mínimo de compreensão intelectual pelos mediandos, hipótese que contemplaria a classe média e alta e excluiria a maciça e representativa classe social menos favorecida.
A reflexão sobre esta indagação converge a uma análise mais abrangente, sobre o modelo brasileiro de mediação a ser adotado, tendo em vista tantas diferenças regionais e culturais do País, além da indiscutível disparidade na distribuição de renda.
Primeiramente, impõe-se apontar que há freqüente equívoco de que a mediação corresponde ao atendimento simultâneo feito por, no mínimo, dois profissionais, sendo um advogado e um psicólogo, ou assistente-social, acarretando, assim, um custo muito alto, seja para um atendimento privado, seja para que o Estado ofereça tais serviços aos cidadãos. Porém, esta visão advém da confusão entre os conceitos da disciplina, pluridisciplina e interdisciplina, impondo-se esclarecer as diferenças existentes.
O conceito de disciplina para Japiassu é ?o conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias nos planos do ensino, da formação, dos métodos, e das matérias?. A multidisciplina define-se como ?uma gama de disciplinas adotadas simultaneamente, abstraídas as relações existentes entre si?.
Já o conceito de interdisciplinaridade envolve maior complexidade e, por ser uma abordagem mais recente do conhecimento humano, seu significado ainda não é inteiramente sintetizado por uma compreensão universal. Para Hilton Japiassu ?A interdisciplinaridade define-se como axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definidas no nível hierárquico imediatamente superior, introduzindo-se a noção de finalidade?. Trata-se, assim, de um sistema de dois níveis e de objetivos múltiplos, e a coordenação procede do nível superior.
A interdisciplinaridade é, enfim, uma conduta individual advinda da ampliação do conhecimento, vindo a se tornar coletiva a partir de um movimento de transformação da atividade do pensar em atividade do fazer. Decorre desta essência a mediação interdisciplinar, que é uma ferramenta capaz de promover a reorganização e a transformação do conflito ? e não a mera solução de conflitos - a partir de um saber que toma por empréstimo os saberes de outras disciplinas, integrando-os num conhecimento de um nível hierarquicamente superior.
A mediação familiar só pode ser pensada pela interdisciplinaridade, para ser capaz de ampliar a capacidade humana para a percepção da possibilidade de um ?encontro? entre diferentes pontos de vista, porque provenientes de diferentes consciências, permitindo a transformação da realidade. Trata-se, essencialmente, da complexidade da comunicação humana.
O modelo brasileiro de mediação a ser adotado deverá ser, de rigor, interdisciplinar, capaz de promover um reenquadre do conflito, dando-lhe uma nova moldura, adaptando-se a um programa de tomada de consciência de que somente por meio de uma atitude de contribuição individual é que se transforma a relação conflituosa.
Sob este enfoque vem a resposta à indagação e à reflexão sobre a qualidade democrática da mediação interdisciplinar. Não há necessidade de dois profissionais, ao menos, para uma mediação, hipótese de atendimento pluridisciplinar e não de mediação, sendo necessário que o mediador seja suficientemente informado e formado para ser capaz de fazer uso da mediação como estratégia, como um instrumento de exacerbação de comportamentos engajados, conduzindo a uma mudança de mentalidade no trato do conflito humano.
Sendo a mediação uma prática social de acesso à cidadania, tendo por objetivo a plena comunicação entre, ao menos, dois humanos, não importando a condição social e intelectual, esta prática aplica-se de modo incondicional a qualquer conflito. A mediação trabalha com valores humanos universais, pois seu fundamento é o princípio da dignidade da pessoa humana.
A experiência mostra que os resultados desta prática social são idênticos para pobres e ricos, não letrados e intelectuais, homens e mulheres, orientais e ocidentais e assim por diante. A mediação visa a alcançar a singularidade humana que se encontra pouco identificada para as pessoas em estado de sofrimento.
Quanto ao custo financeiro a ser suportado pelos mediandos ou pelo Estado, trata-se de valor muito menor que aquele despendido pelo Judiciário e, como bem se sabe, não alcança a efetiva prestação jurisdicional pretendida pelas partes, e, insatisfeitas, decepcionam-se com o ideal de justiça acalentado.
Todos o movimentos brasileiros de divulgação da mediação e toda a produção teórica que tem sido desenvolvida para estudo da mediação interdisciplinar tem aplicabilidade a todo território nacional, para todos os brasileiros.
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