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Alienação parental: contextualização e análise da Lei no Brasil
Alienação parental:
contextualização e Análise da Lei no Brasil
Sandra Regina Vilela [1]
1 INTRODUÇÃO
A exemplo do ocorrido nos EUA na década de 90, observa-se um movimento fomentado principalmente por mães, lançando críticas sobre o conceito de alienação parental ou de síndrome de alienação parental, o que culminou na propositura de alguns projetos de lei, que pretendem revogar ou alterar a lei 12.318/10.
Note-se que, em março de 2020, encontram-se na Câmara dos Deputados os PL’s: 10.712/2018, 4.769/2019, 10.182/2018 e 2.577/2015 com pedido de modificação da lei 12.318/10 e o PL 6.371/2019 com pedido de revogação da referida lei. No Senado, encontra-se o PL 498/2018, que, em princípio, pedia a revogação da lei, mas atualmente pede a sua modificação.
Além da existência desses projetos de lei, a mídia tem levantado a discussão acerca da revogação da lei 12.318/10, sem aprofundamento ou discussão técnica, baseada em matérias sensacionalistas, fazendo surgir a necessidade urgente de amplo debate acadêmico sobre o tema.
As pessoas que apoiam a revogação dessa lei sustentam que os juízes estão atribuindo a guarda de filhos para pais pedófilos, pois, na opinião delas, de acordo com a lei 12.318/10, bastaria que uma mãe fizesse uma acusação de abuso sexual e tal acusação não se confirmasse, ou ainda, bastaria a acusação de alienação parental, para que os juízes concedessem ou invertessem a guarda da criança para o genitor acusado de pedofilia ou genitor alienado. Alegam ainda que a mudança da guarda estaria ocorrendo, inclusive, em sede liminar.
Sustentam que o Brasil é o único país que ainda utiliza o conceito da alienação parental em seus julgamentos. Além disso, afirmam que a teoria da alienação parental estava fundamentada em estudo do Médico Americano Richard Gardner e que esse médico era pedófilo, e seu estudo repudiado nos EUA e Europa.
Outro grupo, menos ortodoxo, pede a modificação da lei 12.318/2010, pretendendo evitar que de fato os juízes venham a conceder a guarda de filhos para pais pedófilos.
O que se pretende mostrar no presente estudo é que os opositores apresentam uma falsa premissa da lei, o que gera a polêmica e fomenta matérias sensacionalistas, sem qualquer amparo legal, fático ou técnico.
Para aclarar o entendimento, necessário elucidar a diferença entre alienação parental, síndrome de alienação parental e atos de alienação parental, conforme apontado nos itens a seguir. Isso porque esses institutos, não raras vezes, são confundidos pelas partes e por todos que trabalham com conflitos familiares (advogados, juízes, peritos, psicólogos, etc.), o que impede a plena aplicação da lei e traz confusão para aqueles que não estão acostumados a lidar com este tema.
2 DIFERENÇA ENTRE ALIENAÇÃO PARENTAL, SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL E ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Em primeiro lugar, necessário se faz trazer o conceito e diferenças entre alienação parental, síndrome da alienação parental e atos de alienação parental, observando qual desses conceitos foi acolhido pela legislação pátria.
Muitos apontam, de forma equivocada, que o médico americano Richard Gardner teria criado uma teoria até então inexistente, quando na verdade, esse médico apenas cunhou o termo de síndrome de alienação parental para um fenômeno que sempre existiu.
Os problemas advindos da relação entre pais e filhos em situação de litígio não são um fenômeno novo. Em 1949, o psicanalista Wilhelm Reich escreveu sobre os pais que buscam “vingança do parceiro roubando-lhe o prazer da criança” [2].
E em 1980, Wallerstein e Kelly descreveram crianças em seu projeto de pesquisa que:
Estavam particularmente vulneráveis ao serem arrastadas pela raiva de um dos pais contra o outro. Eles eram aliados de batalha fiéis e valiosos nos esforços para ferir o outro genitor. Não raro, eles atacavam os pais que eles amavam e estavam muito próximos antes da separação conjugal.[3]
Dessa forma, antes do estudo detalhado de Gardner sobre a Síndrome da Alienação Parental, já havia estudos que sinalizavam a existência do fenômeno, não sendo correto afirmar que foi esse médico Americano o único que tenha abordado o tema.
Depois do estudo apresentado por Gardner, que trouxe a origem do nome síndrome, o curso e manifestações do fenômeno e suas diretrizes para intervenção, que profissionais de saúde mental e operadores do direito debruçaram-se sobre o tema, surgindo assim crescente literatura sobre o assunto.
Desde a década de 60, no Brasil, há registros de processos que envolvem genitores que tentam afastar o outro de forma injustificada da vida dos filhos, existindo inúmeros julgados nesse sentido. Ocorre que, antes da promulgação da Lei, ninguém atribuía nome a tais atos.
No livro do saudoso e ilustre Doutor Saulo Ramos, intitulado “Código da vida”[4], o jurista narra um caso de falsa acusação de abuso sexual no qual atuou como advogado. Pela narrativa, fica claro tratar-se de um caso ocorrido no final dos anos 70. No final da história, relata que o pai, falsamente acusado de abusar sexualmente dos filhos, foi inocentado e a guarda das crianças deferida em seu favor, num enredo similar aos processos atuais.
Temos no Supremo Tribunal Federal o recurso Extraordinário 64.295 [5], julgado no ano de 1968, com a apresentação de um típico caso de alienação parental.
Foi constatado neste julgado que “o réu não está cumprindo com seus deveres paternos; O réu está incutindo nas filhas menores, “sentimentos de aversão à sua mãe e aos parentes dela”; o réu não está permitindo que a mãe veja as suas filhas, deixando, assim, de seguir o que foi determinado no acordo constante do desquite amigável entre acionante e acionado”.
Observa-se no caso em destaque que, na época, sob o manto da moralidade, pelo fato de a genitora viver em concubinato, um pai tenta extirpar uma mãe da vida dos filhos, e consegue, com a vênia do poder Judiciário Estadual, culminando numa grave alienação parental, situação modificada apenas em sede de recurso extraordinário, quando foi determinado ao juiz de primeira instancia utilizar todo e qualquer instrumento para que o pai desse cumprimento as regras de visitação materna. A semelhança aos casos atuais não é mera coincidência.
Tem-se a notícia de interessante julgamento do Tribunal do antigo estado da Guanabara [6], no qual o julgador determina a matrícula dos filhos em colégio interno, para que a instituição de ensino possa realizar a aproximação da mãe com esses filhos, num ato de vanguarda (no sentido de dar a guarda para terceiros), pouco observado até nos julgamentos atuais. Na época, o julgador debruçou-se no caso e encontrou uma medida, para que aquela importante relação pudesse ser restabelecida.
Assim, fica claro que a alienação parental sempre existiu e que o médico americano Richard Gardner apenas cunhou o nome de Síndrome da alienação parental para algo que sempre foi observado, quando das rupturas da vida em comum dos pais.
Esse médico americano conceitua Síndrome da Alienação Parental (PAS), como:
Desordem que surge principalmente no contexto de disputas de custódia da criança. Sua manifestação principal é a campanha da criança de denegrir um dos pais, numa campanha que não tem justificativa. Quando o verdadeiro abuso e/ou negligência estão presentes, a animosidade da criança é justificada e, portanto, a explicação da síndrome de alienação parental para a hostilidade da criança não é aplicável.[7]
Para Gardner, a principal motivação dos pais parar fazer a programação do filho era "obter influência no tribunal", incentivando a criança a se voltar contra "um pai bom e amoroso".
De fato, a teoria da Síndrome da Alienação parental teve fortes críticas nos EUA e Europa, não pelo conceito de alienação parental em si, mas em vista de ter esse médico classificado o fenômeno como uma síndrome.[8]
Assim, os estudos que sucederam a Gardner deixaram de classificar a alienação como uma síndrome (conjunto de sintomas), referindo-se apenas à alienação parental e não mais à síndrome da alienação parental.
Da mesma forma, os autores que seguiram os estudos de Gardner passaram a utilizar o termo alienação parental. E o conceito foi reformulado para considerar todos os membros da família e não apenas o pai alienante e a criança alienada, como apresentava Gardner em sua teoria. Portanto, na última década, o conceito de alienação Parental foi reformulado de uma maneira mais sofisticada, que explicitamente examina o papel de todos os membros da família no desenvolvimento da alienação.
Em vez de direcionar a atenção principalmente para os pais alienadores, os psicólogos americanos Joan Kelly e Janet Johnston desenvolveram uma abordagem focada na criança alienada, como alguém que expressa persistentemente sentimentos e crenças negativas irracionais (como raiva, ódio, rejeição e/ou medo) em relação a um pai que é significativamente desproporcional à experiência real dessa criança com esse genitor. Kelly e Johnston evitam o uso do termo "alienação parental". Eles preferem o termo “criança alienada”.
Warshak define alienação como “um distúrbio no qual as crianças sofrem uma aversão irracional a um genitor, com quem eles anteriormente desfrutavam de relações normais ou com quem normalmente desenvolviam afeições”[9].
O que se pode observar, através dos diversos estudos que seguiram a teoria de Gardner, é que não se trata de um estudo simplista e isolado, como querem fazer crer os opositores da lei 12.318/10. Ao contrário, trata-se de estudo convalidado por diversos profissionais, cujo fenômeno vem sendo estudado em larga escala por diversos profissionais da saúde mental.
Esses conceitos (alienação parental ou de síndrome de alienação parental), embora utilizados em ações judiciais, são conceitos extraídos da área de saúde mental, portanto, não se trata de conceitos jurídicos.
O que deve ser observado com muita atenção é o fato de ser necessária a existência de um filho que recuse um dos seus genitores, para a caracterização da alienação parental ou da síndrome da Alienação Parental, que podem ser utilizadas atualmente como sinônimos [10].
A legislação pátria não adotou nenhuma das duas teorias, uma vez que se refere a ATOS de alienação parental, tal como definido no artigo 2º, como os atos que tenham o potencial de fazer com que a criança ou o adolescente venha a recusar a companhia de qualquer um dos seus dois genitores.
E aqui está a grande diferença da legislação Brasileira. Foi criado um novo conceito, um conceito jurídico para atos de alienação parental e a principal intenção do legislador foi a de prevenir a instalação da alienação parental ou da Síndrome, além de orientar o julgador a dar importância e efetividade à convivência do filho com os dois genitores.
3 ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL – TEORIA ADOTADA PELA LEI BRASILEIRA
Como apontado anteriormente, a legislação Pátria traz um conceito jurídico para os atos de alienação parental.
O legislador poderia ter escolhido outro nome, em vez de conceituar os atos de alienação parental, como, por exemplo, atos injustificados de impedimento à convivência parental, pois a maior parte da lei trata desses atos injustos que impedem a ampla convivência da criança com os seus dois genitores.
Porém, preferiu o legislador, de forma acertada, trazer o conceito de atos de “alienação parental”, para aqueles atos que tenham o potencial de fazer com que o filho passe a recusar o genitor, para que assim se possa prevenir a instalação da alienação e a recusa injustificada do filho à convivência familiar ampla, além de regular as regras de atuação do judiciário, para o caso de constatação da instalação dessa alienação.
Assim, a lei 12.318/10 não traz a necessidade de se ter presente uma síndrome de alienação parental ou uma alienação parental, para que a mesma seja utilizada, uma vez que a lei define em seu art. 2º, como ATO de alienação parental,
A interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Observe-se que a Lei nem tampouco exige que a criança recuse o seu genitor, para a sua caracterização, como ocorre no estrangeiro, quando a alienação somente vai estar presente quando o filho passa a recusar aquele genitor.
Nas palavras de Elizio Luiz Peres[11],
A lei pretendeu definir juridicamente a alienação parental, não apenas para afastar a interpretação de que tal, em abstrato, não existe, sob o aspecto jurídico, mas também para induzir exame aprofundado em hipóteses dessa natureza e permitir maior grau de segurança aos operadores do Direito na eventual caracterização de tal fenômeno. É relevante que o ordenamento jurídico incorpore a expressão alienação parental, reconheça e iniba claramente tal modalidade de abuso, que, em determinados casos, corresponde ao próprio núcleo do litígio entre ex-casal. O texto da lei, nesse ponto, inspira-se em elementos dados pela Psicologia, mas cria instrumento com disciplina própria, destinado a viabilizar atuação ágil e segura do Estado em casos de abuso assim definidos.
Para entender os motivos de se formular no país uma legislação para coibir os atos de alienação parental e não para a sua utilização, quando a alienação já estivesse instalada, é preciso lembrar que no Brasil, antes da lei, o usual era o julgador ignorar os prejuízos psíquicos advindos do afastamento do filho de um dos seus genitores e permitir, sem maiores contestações, que este rompesse por definitivo a convivência com o seu par parental.
Assim, um dos objetivos da lei 12.318/10 foi dar efetividade à igualdade parental e ao direito primordial do filho de ter convivência próxima com o seu par parental e para isso não era preciso que fosse constatada qualquer alienação parental ou Síndrome da Alienação parental.
Por isso, a legislação pátria traz no artigo 2º o conceito JURÍDICO de alienação parental, ao definir os ATOS de alienação, como aqueles atos com o potencial de fazer instalar uma alienação, ou seja, aqueles atos que tenham o potencial de fazer com que o filho passe a recusar um genitor, lembrando que sem a recusa da criança a essa convivência não se tem caracterizada a síndrome ou a alienação parental.
Nos EUA, Europa e Canada não é necessária uma lei que coíba atos de alienação parental, pois esses atos são repudiados veemente, independente de se caracterizarem ou não como atos de alienação parental (ato com o intuito de afastar o filho da convivência com o par parental). Nesses países sempre foi muito utilizada, por exemplo, a adoção da norma designada por friendly parent provision ou cláusula do genitor amistoso, que consiste na busca daquele genitor que é mais generoso em permitir a relação da criança com o outro genitor, dando àquele genitor a preferência na guarda unilateral ou na residência principal do filho, pois esse genitor denotaria maturidade para colocar os interesses dos filhos acima dos seus, como é o exemplo do art. 1906.º, n.º 5, do Código Civil Português, que definiu como interesse da criança aquele genitor que promove relações habituais do filho com o outro genitor [12].
No Brasil, mesmo sendo incluída essa cláusula no artigo 7º da Lei 12.318/10[13], entende-se que o julgador ainda insiste em ignorar essa indispensável regra e, não só permite, como premia aquele genitor que utiliza os filhos para atingir o outro.
Outro exemplo da grande diferença dos países estrangeiros ao tratar do tema do direito do filho à convivência familiar, se comparados ao Brasil, é a busca incessante, para que o filho tenha uma convivência pacífica e em proximidade com os dois genitores, como regra expressa. Por exemplo, a legislação do Estado Americano de Minesota determina que “A interferência em tempo de parentalidade devidamente estabelecido pode constituir desacato ao tribunal e pode ser causa suficiente para a reversão da custódia”[14] e essa regra é vista na maioria dos Estados Americanos.
Em Portugal, a lei penal define como subtração de menor, quem:
De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias [15].
Ora, com uma legislação que pune quem impede a convivência da criança com qualquer um dos seus dois genitores, não é necessária uma legislação específica de alienação parental.
Com isso, observa-se a diferença cultural entre o Brasil e os demais estados estrangeiros, o que fundamenta a necessidade de uma lei específica de alienação parental no país.
Dessa forma, a lei brasileira é única e necessária para a realidade do país e deve ser utilizada como meio para fazer cessar aquela prática de atos de alienação que se inicia, antes mesmo da instalação da alienação parental, como também deve ser utilizada, quando infelizmente a criança já passa a recusar um dos seus genitores, diferente do que ocorre nas legislações estrangeiras que se utilizam do conceito de alienação parental apenas e tão somente, quando se tem a recusa injustificada do filho.
Assim, a lei brasileira inaugurou um conceito próprio, e já se encontram decisões em Portugal que reconhecem esse novo conceito trazido pela lei Brasileira[16]
Em vista de o conceito de alienação parental ser próprio da área da saúde mental e como a legislação pátria não acolheu pura e simplesmente esse conceito, tem-se dificuldade na aplicação da lei nos julgados aqui proferidos.
Isso porque o psicólogo, na perícia, busca a ocorrência da alienação parental (criança se recusando a conviver com o genitor), quando na maioria das vezes o que se tem no caso concreto são atos de alienação parental (atos com o potencial de fazer com que o filho venha a recusar um dos seus dois genitores), conceito desconhecido para o profissional da saúde mental (ou questão que não cabe a esse profissional buscar), mas que é situação trazida pela lei 12.318/10. Dessa forma, resta claro que não é todo caso que deve ser avaliado por um psicólogo, por encerrar uma situação pontual (ato de alienação parental), que, se observada, deve ter a aplicação da lei, se reconhecida pelo julgador, sem o auxílio de profissionais da área da saúde mental.
Foi o que ocorreu num processo na cidade de São Paulo: Em primeira instância a MM juíza julgou a ação de alienação parental improcedente, uma vez que a DD. perita tinha apontado em seu laudo não haver a instalação da Síndrome da alienação parental, embora, a mesma já estivesse em curso. Isso porque o filho não recusava a companhia do pai, mas já trazia verbalização idêntica à da mãe, negativando o pai. O E. Tribunal de Justiça de São Paulo reformou aquela decisão de primeira instância, reconhecendo condutas da genitora que se amoldavam nas hipóteses descritas na lei, mesmo não tendo a comprovação da alienação pela DD. perita e é assim que devem ser julgados estes casos, data vênia[17].
Isso não significa que as partes e os advogados devam ajuizar ações, diante de simples ato de alienação parental pontual, pois uma crítica real à lei 12318/10 é a sua utilização de forma banalizada, o que merece ampla reflexão, mas não será abordada no presente estudo.
4 CONCEITO JURÍDICO DE ALIENAÇÃO PARENTAL NOS EUA E CANADÁ – NOVA TENDÊNCIA
A lei brasileira trata da alienação parental e dos atos de alienação parental, criando assim um conceito jurídico para impedir a instalação da alienação parental, o que não é necessário nas legislações estrangeiras, que repudiam, veemente, todo e qualquer ato que implique o distanciamento de qualquer dos dois genitores na vida do filho.
Isso porque as legislações estrangeiras têm como base de suas regras que a criança precisa, para ter um desenvolvimento saudável, da convivência com o seu par parental. Assim, interessa para essas legislações, apenas e tão somente o conceito de alienação parental, quando se tem um filho recusando, de forma injustificada, um dos seus genitores, pois os atos de impedir a convivência do filho com o seu par parental são amplamente repudiados, pouco importando os motivos desses atos (alienação parental, excesso de apego, vingança, orgulho ferido, simbiose, etc.).
Porém, tem-se observado uma tendência dos julgadores estrangeiros para criar um conceito jurídico de alienação parental, acabando definitivamente com as críticas e dificuldades para se caracterizar esse fenômeno. Para esses julgadores, basta ter um filho, recusando um genitor e essa recusa ser injustificada, para se considerar a alienação parental, e o julgador, assim, pode tomar todas as medidas para fazer cessar aquela prática, colocando o filho a salvo daquela situação, sem a necessidade da realização de prova técnica.
Exemplo disso é uma decisão Canadense[18] do ano de 2017. Nesse processo, o julgador reconhece a grave alienação parental e inverte a guarda em favor do genitor alienado (no caso, a mãe), sem a realização de prova técnica, pois, no caso sub judice, não existia nenhuma justificativa plausível para aquela recusa dos filhos em conviver com a sua mãe. Quando se lê todo o julgamento fica fácil entender a posição do julgador, que, por acompanhar durante muito tempo aquela família, conseguiu ver as armações do pai para fazer com que os filhos não tivessem nenhum interesse em conviver com a genitora.
É lógico que se tivesse uma grave acusação para justificar aquela recusa dos filhos na convivência com a mãe, o julgador não aplicaria aquele conceito jurídico de alienação parental e determinaria a realização da prova técnica pericial.
Em dezembro de 2018, o Tribunal Superior de Nova Iorque julgou um processo de alienação parental [19], que está sendo visto pelos especialistas como um divisor de águas sobre o tema nos EUA, pois essa decisão criou um conceito jurídico para a alienação parental, ou seja, a partir desse entendimento a alienação parental passou a ser reconhecida, independente de prova técnica.
Nessa decisão, o conceito jurídico de alienação parental foi assim formulado: A alienação parental, como conceito legal, exige (1) que a suposta conduta alienante, sem qualquer outra justificativa legítima, seja dirigida pelo genitor alienador, (2) com a intenção de prejudicar a reputação do outro genitor, aos olhos das crianças ou que se desconsidere que há uma possibilidade substancial de causar esse prejuízo, (3) provocando um interesse diminuído das crianças em passar tempo com o genitor alienado e, (4) na verdade, resultando na recusa dos filhos em passe tempo com o genitor alienado pessoalmente ou através de outras formas de comunicação.
Com essas observações, tem-se que a lei brasileira é uma legislação moderna, de vanguarda e que segue o caminho das demais legislações e julgados estrangeiros.
Com as decisões acima mencionadas, caem por terra as alegações dos opositores da lei 12.318/2010 de que o Brasil seria o único país a utilizar a teoria da alienação parental em seus julgados. Em todos os Tribunais, pode-se encontrar decisões, que utilizam o termo alienação parental ou síndrome da alienação parental, denotando a sua ampla utilização.
5 FALSA ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL E INVERSÃO DA GUARDA
Por óbvio que não é verdadeira a alegação dos opositores da lei de que os julgadores brasileiros estariam deferindo a guarda dos filhos para pais pedófilos, sem maiores questionamentos.
A lei brasileira não tem caráter punitivo. As regras apontadas no artigo 6º devem ser utilizadas como forma de fazer cessar aquela situação, e não como punição.
Em todos os estudos estrangeiros, nota-se a indicação da necessidade de mudança/inversão da guarda para o genitor alienado, quando se está diante de grave situação de alienação parental, como única forma de fazer cessar aquela grave situação, o que se segue, sem maiores contestações, em todos os Tribunais estrangeiros.
Isso porque esses estudos e os julgadores estrangeiros reconhecem que a grave alienação parental é algo que coloca em risco a higidez psíquica do filho e a gravidade da situação compromete o desenvolvimento sadio da criança ou adolescente.
Entretanto, no Brasil, o julgador não concede a guarda para o genitor alienado, como forma de fazer cessar aquela prática de alienação. Em todas as decisões com inversão da guarda em favor do genitor alienado, o que se observa é a busca, pelo julgador, do genitor que detém melhores condições para aquele exercício, de forma que a prática da alienação parental acaba sendo apenas um dos itens que foram considerados para o deferimento da guarda, mas não o fator primordial para aquela escolha [20]. Atualmente, tem ocorrido um crescente número de falsas acusações de abuso sexual em todos os países, e não é diferente no Brasil. Nas legislações estrangeiras, há regra expressa de repúdio à falsa acusação de abuso sexual, para interferir nas regras de guarda e convivência[21], pouco importando se tratar de alienação parental ou não.[22]
Encerra-se evidenciando que a “verdade” feita pelo jogo de manipulações e passada para o filho, que dificilmente consegue discernir que está sendo manipulado e acaba consentindo com o que lhe é dito, vivendo com falsas personagens de uma falsa realidade é comparável a uma tortura e como tal deve ser tratado, data vênia, por todos os profissionais que atuam na área..
CONCLUSÃO
A lei 12.318/10 surgiu diante de um cenário que exigiu a intervenção estatal ante a necessidade de garantir à criança e ao adolescente a convivência pacífica e harmoniosa, de forma equilibrada, com ambos genitores.
Embora todas as regras de prevenção e combate inseridas na Lei 12.318/2010 já existiam na legislação brasileira, sua aplicação ocorria em apenas alguns casos, quando o julgador tinha coragem de enfrentar o tema e a sensibilidade para encontrar uma saída que solucionasse a problemática da família.
Portanto, a lei de alienação parental foi muito bem recepcionada no ordenamento jurídico pátrio e sua aplicação propagou-se nos tribunais, sendo utilizada como um instrumento eficaz, para inibir e combater as condutas dos genitores contra os filhos.
Existe hoje um movimento que pede a revogação dessa lei, mas os opositores não trazem um conteúdo fático, técnico ou baseado em decisões proferidas que seja capaz de abarcar tal pleito.
A lei 12.318/10 afigura-se como importante instrumento de prevenção que trouxe para os genitores a efetividade na igualdade parental e para os filhos o direito primordial de ter convivência ampla e pacífica com os seus dois genitores, impedindo-se assim que sejam usados como arma em seus conflitos, portando, essa é uma das principais leis surgidas na atualidade, em matéria de direito de família.
Porém, se a lei 12318/10 ganhou os holofotes em vista de seus opositores, há terreno propício para se avaliar essa primeira década de vigência da lei e ponderar a efetiva necessidade de mudança legislativa.
Curioso que as pessoas que se opõem à lei, não aceitem falar em mudança legislativa, interessando-se apenas e tão somente pela sua revogação. Certa vez, uma opositora da lei mencionou que, depois da sua revogação, o próximo movimento seria no sentido de pedir a revogação da lei que incluiu a guarda compartilhada como regra no ordenamento jurídico pátrio, portanto, constata-se facilmente quais são os verdadeiros interesses em questão.
O que se deve ter em mente é que a lei não tem o cunho de estigmatizar a parentalidade de qualquer genitor, tampouco, tachá-los de alienadores. O que de fato importa é garantir o respeito ao interesse da criança ou do adolescente em conviver de maneira sadia com ambos os genitores, de tê-los como referência, de se sentir acolhido por seus pais, sem ser utilizado como instrumento dentro de um conflito, livre de qualquer abuso emocional.
É preciso preservar os filhos das projeções subjetivas vividas por um de seus genitores em situação de conflito familiar, que, não raras vezes, confunde parentalidade com conjugalidade e acaba por priorizar seus interesses em detrimento dos interesses da prole.
Quanto à alegação de que os filhos estão sendo entregues a pais pedófilos, essa afirmação foge à realidade e se estivesse acontecendo, o pleito correto seria pedir a atenção do julgador e não revogar uma lei que não traz uma única linha, determinando a inversão da guarda ou o seu deferimento, sem contestação, para os pais alienados.
Na prática, para um julgador deferir a guarda para um pai acusado de abuso sexual, somente depois de ampla produção de provas (inclusive diversas provas técnicas), afastando por completo aquela acusação. Ainda assim, o julgador tentará, em primeiro lugar, outras medidas para fazer cessar aquela situação, sendo a inversão da guarda, a última medida do julgador. Além do mais, aquela guarda somente será deferida ao genitor alienado, se ele representar o interesse do menor e recair sobre ele a opção de genitor com melhores condições para cuidar do filho.
O efeito na vida de um filho de uma falsa acusação de abuso sexual não pode ser relegado a uma situação simplista. Para um filho, viver uma falsa acusação de abuso sexual é tão perverso e nocivo, quanto se tal abuso realmente tivesse ocorrido.
Portanto, conclui-se que revogar a lei 12.318/10 será um retrocesso, que acarretará prejuízo ao desenvolvimento sadio dos filhos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROCKHAUSEN, Tamara. Sap e psicanálise no campo psicojurídico: de um amor exaltato ao dom do amor. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi:10.11606/D.47.2011.tde-16042012-162324. Acesso em: 16/03/2020.
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https://www.canlii.org/en/on/onsc/doc/2017/2017onsc3991/2017onsc3991.pdf
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PEREZ, Elizio Luiz. Breves Comentários Acerca da Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010). In: DIAS, Maria Berenice. Incesto e Alienação Parental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
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WALLERSTEIN JS, KELLY, JB: Surviving the Breakup. New York, Basic Books, 1980.
WARSHAK, Richard. A. Current Controversies Regarding Parental Alienation Syndrome. American Journal of Forensic Psychology, [S.I.], v. 19 (3), p. 29-59, 2001. Disponível em: http://www.fact.on.ca/Info/pas/warsha01.htm Acesso em: 16/03/2020.
WILHELM, Reich. Character Analysis. New York, Farrar, Straus and Giroux, 1949.
[1] Sandra Regina Vilela, advogada e mediadora, especialista em Direito de Família.
[2] WILHELM, Reich. Character Analysis. New York, Farrar, Straus and Giroux, 1949, p. 265
[3] WALLERSTEIN JS, KELLY, JB: Surviving the Breakup. New York, Basic Books, 1980, p. 77
[4] RAMOS, Saulo. Código da vida. 2ª edição. São Paulo: Planeta, 2014.
[5] Ementa: Guarda de filhos menores regulada pelo desquite amigável. Impedimento criado ao direito de visitas na forma prevista na sentença. Recurso provido, julgando-se a ação procedente em parte.
[6] “verificando-se abuso de direito decorrente do pátrio poder, pode o juiz, nos termos do art. 327 do Código Civil, regular a guarda do filho menor de maneira diferente da que foi estabelecida pelos desquitandos, mandando interna-los em colégio, onde lhe seja facilitada a visita materna” (arquivo judiciário, 43/302)
[7] GARDNER, Richard A, The Parental Alienation Syndrome: A Guide for Mental Health and Legal Professionals, Creative Therapeutics, 1998, p. 61.
[8] Síndrome (do grego "syndromé", cujo significado é "reunião") que é um termo bastante utilizado para caracterizar o conjunto de sinais e sintomas que definem uma determinada patologia ou condição.
[9] WARSHAK, Richard. A. Current Controversies Regarding Parental Alienation Syndrome. American Journal of Forensic Psychology, [S.I.], v. 19 (3), p. 29-59, 2001. Disponível em: http://www.fact.on.ca/Info/pas/warsha01.htm Acesso em: 16/03/2020.
[10] Gardner conceitua a alienação parental quando a recusa do filho era genuína, como ensina a Dra. Tamara Dias Brockhausen em sua dissertação de mestrado. BROCKHAUSEN, Tamara. Sap e psicanálise no campo psicojurídico: de um amor exaltato ao dom do amor. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi:10.11606/D.47.2011.tde-16042012-162324. Acesso em: 16/03/2020.
[11] Elizio Luiz Peres foi o autor da lei 12.318/10, Juiz Federal em São Paulo. (PEREZ, Elizio Luiz. Breves Comentários Acerca da Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010). In: DIAS, Maria Berenice. Incesto e Alienação Parental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 41-67).
[12] O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro
[13] Art. 7o A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.
[14] Sec. 7. Minnesota Statutes 2014, section 518.175, subdivision 6, is amended to read)
[15] Art. 259 do Código Penal
[16]Processo n.º 10799/12.6TBVNG.P1.5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto.
XX. Não estaremos ainda numa situação em que um progenitor promove o afastamento do outro da vida do menor, mas unicamente porque o menor tem pouco mais do que um ano de vida, sendo difícil a sua manipulação emocional. Mas não temos dúvidas em afirmar (e os autos não nos desmentem, antes o asseguram) que em breve estaremos perante uma situação que hoje se usa denominar de Síndrome de Alienação Parental (doravante designada apenas por SAP).
XXI. Se lermos a solução legislativa brasileira a este propósito (supra transcrita na íntegra), dos autos e como tal da vida deste menor, que se iniciou em Dezembro de 2013, já vislumbrámos situações concretas enquadráveis na lei brasileira pelo que entendemos que se pode afirmar, com toda a segurança, que existe uma clara intenção de afastamento do menor em relação ao pai levada a cabo por parte da progenitora.
[17] Voto nº 11920. Apelação nº 0002251-96.2011.8.26.0004 - Comarca: São Paulo - Apte.: a.s.c - Apda.: t.m.a.c. Guarda - Pretensão do pai de exercer guarda compartilhada do menor laudo psicossocial favorável melhor atendimento dos interesses da criança desavenças entre o ex-casal que não podem servir de obstáculo - alienação parental - conduta da genitora que se amolda em ao menos duas das hipóteses descritas no parágrafo único do artigo 2º da lei 12.318/2010 - Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade (inciso i) – Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor (inciso III) Aplicação de medida de advertência ao alienador. Sentença improcedente sucumbência invertida - Dado provimento ao recurso. (grifos nossos).
[19] JUSTIA US LAW. Decisão EUA – NY – dezembro de 2018. Disponível em: https://law.justia.com/cases/new-york/other-courts/2018/2018-ny-slip-op-51829-u.html. Acesso em: 10/03/2020.
[20] Ação de Guarda – Ajuizamento pelo genitor contra a genitora de menor – Procedência, com suspensão das visitas da mãe – Inconformismo- Acolhimento em parte – Ausência de cerceamento de defesa - Instrução encerrada sem oposição- Genitora que acusa sistematicamente o genitor de abuso sexual – Fatos não confirmados – Prova técnica que constatou a presença de distúrbio psíquico na ré – Conjunto que indica ser mais favorável ao menor que se confira a guarda unilateral ao genitor, ainda que advertido sobre possível alienação parental – Restabelecimento do regime de visitação da mãe (inicialmente sob supervisão) que se faz necessário ao desenvolvimento psicoafetivo da criança – Sentença reformada apenas para tal finalidade– Recurso provido em parte. (processo 1042945-23.2016.8.26.0002).
[21] Em Oklahoma, considera-se contravenção penal fazer falsa acusação de abuso sexual; se cometida durante um processo de guarda de criança, além do processo criminal, será imposta uma multa de 5.000 dólares; Em Porto Rico, fazer falsa acusação de abuso sexual é uma contravenção penal e, qualquer falsa acusação que tenha interferido no exercício legítimo da custódia, dos direitos parentais e do pátrio será remetida pela autoridade competente ao Departamento de Justiça para avaliação e subsequente processo criminal correspondente; em Oregon - Uma pessoa comete violação de classe A, se fizer falsa denúncia de abuso infantil com a intenção de influenciar a custódia, tempo de parentalidade, visitação, ou decisão de apoio à criança.
[22] Conforme a psicóloga Tamara Dias Brockhausen, pode-se ter uma falsa acusação de abuso sexual que não seja alienação parental. BROCKHAUSEN, Tamara. Sap e psicanálise no campo psicojurídico: de um amor exaltato ao dom do amor. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi:10.11606/D.47.2011.tde-16042012-162324. Acesso em: 16/03/2020.
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