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A pandemia e a condição potestativa
A pandemia e a condição potestativa
Voltaire Marensi
Advogado e Professor
Gostaria de fazer algumas considerações a respeito do tema objeto do título deste breve ensaio. Acho que o fato da pandemia que hoje vivenciamos oportuniza grande parte dos nossos segmentos do mercado para se arvorarem em verdadeiros interpretes do que é certo ou errado. Por quê digo isto? Por uma razão muito simples. Dependendo da parte que está por detrás da cadeia econômica o fato de existir uma situação aleatória, imprevisível, mas objetiva e concreta leva a determinados comportamentos que se ajustam às conveniências dos interesses particulares. Melhor explicitando: aquele que se julga atingido pode a seu juízo se valer de mecanismos que se ajustam, ou não, aos demais interessados.
Afirmo que tais procedimentos são levados a efeito em um simples olhar ao derredor. Os locatários, as operadoras de planos de saúde, apenas para exemplificar, estabelecem ao seu alvedrio o lhes parece mais convinhável aos seus interesses. Não há uma regra básica para cuidar destas situações que, de fato, são casuísticas, mas que envolvem uma camada considerável de nossa economia.
Frente a essas realidades que grassam a todo o momento, invoco o que consta no artigo 122 do Código Civil, que assim preceitua:
“ São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo o efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.
A segunda parte deste dispositivo legal é que se denomina de condição potestativa.
“Condição potestativa, a que depende da vontade de uma parte, mas não exclusivamente do seu arbítrio. Se sujeita o negócio ao arbitrium mero de um dos contratantes, chama-se meramente potestativa (quae in mera voluntate consistunt), ou arbitrária. Exprime-se em cláusula deste teor: se eu quiser, se achar bom). Vide, Orlando Gomes. Introdução do Direito Civil, 21ª edição, atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. Forense, 2016, página 305.
Mesmo o Projeto de Lei número 1.179/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período do Coronavírus (Covid – 19) - atualmente aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados -, inobstante a enorme boa vontade do Senador Antonio Anastasia e seus ilustrados pares contando com a colaboração de renomados professores não conseguirá dirimir essas questões fáticas acima exemplificadas.
Como assinalei alhures, cuida-se de fatos sociais nos quais não se podem resolver pela edição de lei mesmo que esta objetive suprir lacunas momentâneas como estamos vivenciando nestes tempos difíceis.
Quando a operadora do plano de saúde com bastante antecedência lança na programação do sistema automático de débito em conta, aliás, com bastante antecedência do termo, o valor consignado por ela não há, em tese, como impedi-la.
Da mesma sorte, quando o locatário arbitra por sua livre e espontânea vontade a manifestação de que não vai pagar os alugueres vincendos, ou, então, sponte sua, delibera um valor que julga certo e adequado, data vênia, incide nos termos lançados da famigerada condição potestativa totalmente vedada em lei.
Remédio existe. Não há sombra de dúvida. Porém, cuida-se de mais uma de muitas hipóteses de judicialização que a cada dia que passa abarrota mais e mais os nossos Tribunais.
A meu sentir, é imperiosa a conscientização de cada um dos envolvidos a par de uma maior eticidade preconizada como um de seus vieses na construção de um novo diploma legal pelo inolvidável Professor Miguel Reale, elaborador de nosso atual Código Civil.
Pensar diferente é dar “asas à imaginação” em pura concepção onírica.
É o que penso, sob censura.
Porto Alegre, 17 de abril de 2020.
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