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Suicídio no Seguro e Modulação de Efeitos
Suicídio no Seguro e Modulação de Efeitos
Voltaire Marensi
Advogado e Professor
Foi publicado, dia 15/04/2020, no sítio do Superior Tribunal de Justiça uma decisão que trata do julgamento de um contrato de seguro vida envolvendo o suicídio do segurado e os possíveis efeitos retroativos desta tese em face das alterações das súmulas 105 e 61 do STF e do STJ, respectivamente.
Ambas foram modificadas em 2018, quando se consolidou novo entendimento jurisprudencial frente ao seguinte enunciado:
“ O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada”. Atual súmula 620 do STJ.
Este enunciado está em perfeita conformidade com o parágrafo único do artigo 797 e com o caput do artigo 798 do Código Civil. As súmulas anteriores falavam sobre o fato de haver tido premeditação do segurado, aliás, diga-se, “uma prova extremamente diabólica” como preconizavam os irmãos Mazeaud et Mazeaud em seu tratado de Responsabilidade Civil.
Não quero, em absoluto, questionar os eruditos votos lançados neste recurso especial, mas, sim, convidar a atenção para o que ali foi decidido, aliás, por maioria dos ministros sob o pretexto do que determinam os §§ 2º, especificamente, o 3º do artigo 927 do Código de Processo Civil.
Dessarte, sob o manto assentado no interesse social e no da segurança jurídica se subverte, data vênia, um dos princípios basilares do contrato de seguro que é o mutualismo, além de outro em sede de direito securitário sustentado algures pelo ministro Luis Gallotti quando integrou o STF, quando se referia em sede de suicídio a cláusula inserta de “incontestabilidade diferida”. Estes princípios são básicos para a sustentação do contrato de seguro.
É no mutualismo que se sustentam os cálculos atuariais para que a seguradora fixe o prêmio de seguro, ou seja, o valor que será pago pelo segurado para a proteção de sua vida em um futuro incerto quanto ao seu decesso.
É regra assente que quanto maior for o risco maior será a quantia que deve ser paga pelo número de segurados em uma determinada carteira.
De outro giro, o limite temporal aposto na lei de regência à espécie, - no caso de suicídio um prazo de carência de dois anos da vigência do contrato - assim como a existência de determinadas regras excludentes, verbi gratia, a exclusão do risco da pandemia em sede de contrato de seguro vida está em perfeita sintonia com a lei dos grandes números.
Não alvitro a questão de saber se a solidariedade deve imperar sobranceira sobre episódios que atualmente, infelizmente, estamos vivenciando. O que se combate na decisão hostilizada e se deve aclarar, a meu sentir, é que o positivismo inserido em certas situações fáticas tem de imperar em nosso ordenamento jurídico sob pena de se violar princípios básicos que dão sustentação a determinados contratos, dentre eles, o contrato de seguro.
O interesse social e a segurança jurídica são princípios que deve prevalecer em regras previstas em contratos nos quais a particularização não é o ponto nodal previsto em uma hipótese excepcional nas relações obrigacionais.
Se se pensar de modo diverso, data vênia, faremos uma simbiose de situações díspares que devem ser tratadas de modo desigual em situações totalmente diversas.
Invocar, portanto, segurança jurídica e interesse social para proteger até atos que possam gerar má fé do segurado é, no mínimo, corroborar para que se lese uma das partes contratantes em um contrato estribado na uberimae bona fides em sua natureza real de um lídimo contrato-tipo como é o securitário.
Frente a estas brevíssimas considerações efetivadas mais ao sabor do conhecimento do que ocorreu no julgamento de um recurso em sede final, é que faço esta ligeira reflexão para a análise dos doutos.
Porto Alegre, 15/04/2020.
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