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Um convite à criatividade: coronavírus versus convivência familiar
Um convite à criatividade: coronavírus versus convivência familiar
Uma certa letra musical (samba) entoa, na estrofe inicial, que “o ar que se respira agora inspira novos tempos”. Sem sofismas, estamos vivenciando experiências jamais antes imaginadas. A reclusão social traz a reboque o sentimento de “sofridão” (mistura de sofrimento com solidão) em razão da impossibilidade de estarmos próximos de amigos e familiares. À vista disso, surge a extraordinária necessidade de comunicação pelas ferramentas virtuais, as quais – não há dúvida alguma – estão à disposição para encurtar distâncias. Acessamos, com um simples clique, inúmeras informações.
Nessa toada, e sobretudo diante do atual cenário de clausura, estamos submetidos à uma enxurrada diária de notícias, mensagens de WhatsApp, lives no Instagram, entre outros exemplos. Em verdade, tal fato é a mais pura representação daquilo que se denominou de information overload, ou apenas infoxication. Ou seja: de forma muito singela, a expressão busca significar a dificuldade de entendimento ante a sobrecarga de informações.
Especialmente no que tange ao Direito das Famílias, o assunto mais comentado – com segurança – é a convivência familiar em tempos de COVID-19 (coronavírus), nos casos de pais separados. As diversas opiniões manifestadas pelos especialistas intentam, com toda razão, responder aos clamores da sociedade. Enfim, o convívio deve ser mantido nesta época de pandemia?
A resposta, evidentemente, não é fácil. Aliás, sinceramente, é possível conjecturar que a solução nem deva ser insculpida pelo advogado familista. Pode até soar utópico, sobretudo no âmbito dos litígios afetivos, mas a decisão sobre o assunto em questão é de responsabilidade originária dos genitores, no legítimo exercício do poder familiar.
De qualquer sorte, num simples desempenho de curadoria das informações, alguns autores sustentam que, observados – por óbvio – alguns cuidados, “a melhor interpretação a ser realizada a qualquer sentença ou acordo firmado, enquanto perdurar essa situação, é seguir a estipulação já existente quanto às férias, em especial, ao período de verão, que é o maior tempo sem aulas que os filhos desfrutam”.[1] Outros argumentam que “devemos estabelecer uma limitação de convivência pessoal e a mesma é para atender o Princípio da Proteção Integral e não configura alienação parental, pois não se trata de uma conduta injustificada, mas sim uma necessidade social”.[2]
Em complemento, existe posicionamento de que o “convívio paterno-filial pode vir a sofrer algumas modulações se assim indicarem o melhor interesse e a proteção integral do próprio filho”, ideário que, inclusive, está vinculado aos casos de guarda compartilhada, tendo em vista o indesviável dever de observância das condições fáticas e os interesses dos filhos, nos exatos termos do art. 1.583, §2º, do Código Civil.[3] Ao depois, há posição alinhada no sentido de que “os progenitores precisam encontrar as prioridades da prole que um dia trouxeram ao mundo [...], não cerceando sem qualquer critério a convivência e a comunicação do outro progenitor, respeitando ambos as datas e pautas acordadas ou ordenadas em precedente decisão judicial”. O último pensamento arremata: “somente causas graves que afetem a saúde e o interesse dos filhos e que também afetem a saúde e o interesses dos maiores e em especial dos mais idosos, é que justificaria a tomada de medidas de exceção”.[4]
Em termos mais técnicos, e sublinhando que não existe um script a ser seguindo, um modelo padrão para ampla aplicação nos mais variáveis arranjos familiares, cumpre esclarecer que o juízo de ponderação, ao que tudo indica, parece ser o instrumento mais adequado para a solução das controvérsias. No ponto, válido ressaltar – em linhas gerais – que se está lançando luzes sobre um conflito de normas, devidamente representadas, s.m.j, pelos direitos fundamentais de convívio familiar e saúde pública. À vista disso, é plenamente viável a utilização da ponderação como elemento de proporcionalidade, a fim de averiguar – caso a caso – a conformação de eventual risco à integridade física da criança e/ou adolescente. É curial anotar que o princípio da convivência familiar, de suma importância ao desenvolvimento da prole, pode ser mitigado por razões superiores (situações excepcionais). Logo, em havendo circunstâncias ensejadoras de maior cautela sanitária, factível acatar a hipótese de suspensão temporária da convivência física, com a utilização alternativa das tecnologias.
Encerrando, resta muitíssimo conveniente ressaltar que, muito embora existam pareceres distintos em certa medida, todos vaticinam – à unanimidade – que a melhor escolha, ao fim do dia, é a utilização do bom senso, do diálogo. Além disso, há quem diga (autoria desconhecida) que “o propósito da vida é o amadurecimento da alma”. Portanto, estimando que os momentos de dificuldade ensinam lições valiosas, fica o derradeiro convite para a busca por soluções mais criativas e sensatas para os impasses da vida cotidiana, máxime para aqueles que labutam no Direito das Famílias.
Daniel Alt da Silva
Membro do Instituto Proteger
Conselheiro Fiscal do IBDFAM/RS
[1] ROSA, Conrado Paulino da. Coronavírus e Direito de Convivência. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/1385/Coronav%C3%ADrus+e+direito+de+conviv%C3%AAncia>. Acesso em: 27 mar. 2020.
[2] IBIAS, Delma Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da. Coronavírus e o Direito de Convivência com os Filhos. Disponível em: <https://www.espacovital.com.br/publicacao-37761-coronavirus-e-o-direito-de-convivencia-com-os-filhos>. Acesso em: 27 mar. 2020.
[3] CALDERÓN, Ricardo. Pandemia do Coronavírus Pode Levar a Suspensão Compulsória da Convivência dos Pais com os Filhos. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/322284/pandemia-do-coronavirus-pode-levar-a-suspensao-compulsoria-da-convivencia-dos-pais-com-os-filhos>. Acesso em: 27 mar. 2020.
[4] MADALENO, Rolf. Guarda Compartilhada e Regulação de Visitas: pandemia ou pandemônio. Disponível em: <https://direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br/artigos/823639053/guarda-compartilhada-e-regulacao-de-visitas-pandemia-ou-pandemonio?ref=serp>. Acesso em: 27 mar. 2020.
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